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quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Correspondência 3

Esta é a terceira de uma série de cartas encontrada às margens do rio de Águas Turvas num domingo à tarde, em uma caixa amarelada pelo tempo.
Clarice, não tendo recebido respostas de Bruno após tê-lo mandando, em um rompante de raiva, foder-se, escreve-lhe mais uma vez.
(O autor)
Águas Turvas, 02 de setembro de 1972.

Meu pequeno Bruno,
Hoje faz 15 dias desde que te escrevi pela primeira vez. Não sei de onde tirei forças para aquela primeira carta. Menos ainda sei de onde saíram tantos sentimentos confusos: raiva e amor, agora penso, andam mais próximos do que imaginamos.
Hoje faz 20 dias desde que nos falamos pela derradeira vez.
Hoje faz também 12 dias desde que mandei-te foder e sou eu quem me fodo a cada momento longe de ti, sem tua presença, sem tua palavra, sem ouvir de você notícia que seja. Dei-me conta de que a primeira carta, aquela mal-criada, foi apenas uma tentativa desesperada de fazer contato, de receber algo teu, mesmo que fosse ruim.
Teu silêncio depois de minha última carta me apavora até agora. Desculpe-me. Não quis dizer o que disse.
Agora tento desesperadamente te esquecer. Sei que fazes o mesmo nos braços da outra. Não penses que isso me chateia. Cada um usa seus artifícios para esquecer o que deseja. Mas não tenho nem ao menos garantias de que ainda tentas esquecer-me. Talvez isso tenha sido, para ti, mais fácil do que vem sendo para mim. Talvez mesmo, desnecessário.
Tuas coisas ainda estão pela casa. Por favor, me diga o que fazer de cada uma delas. Teu chinelo ainda está na mesma sacola. Hoje abri-a e estava cheio de formigas. Lavei-os penitentemente, entre jorros de água da torneira e gotas de lágrima que me rolaram pela face.
Tua roupa de banho ainda está no armário, no mesmo lugar que deixamos naquele último dia.
Acreditas? Hoje fui ao mercado e encontrei do chocolate que tu gostas! Comprei duas barras. Sei que não devia, mas comprei-as. Estão na prateleira da cozinha. Aguardam por ti ou por minha coragem em desfazer-me delas. Por enquanto, servem para que me lembre de ti a cada vez que por ali passo.


Já pensei tantas vezes em te escrever nestes poucos dias! Resisti a todas. Mas sou fraca. Por isso escrevo-te mais esta vez.

Sabe? Hoje estive lembrando do dia em que nos vimos pela primeira vez. Era como se tudo fosse um reencontro. Senti-me tão à vontade ao teu lado!

Memórias são como fotos. Espero que com o tempo, assim como as fotografias, minhas lembranças se apaguem. E tenho tanto medo: já não sei o que são lembranças do que aconteceu e o que são criações minhas na tentativa de preencher os espaços vazios do vivido. Já disse, repito: não quero esquecer-te. Devo esquecer-te. Nem sei!

Desejo-lhe muitas coisas. Desejo que o feriado próximo seja feliz. Desejo que você seja feliz, mesmo sem feriados. Desejo que consiga o que quer com o retorno para ela. Não é o que eu queria, você bem sabe, eu bem sei. Mas sabemos também que, cedo ou tarde, isso iria acontecer, pelos motivos que sejam: pequena recaída, grande necessidade e outros que agora não consigo listar.

Termino a carta sem saber ao certo o porquê de tê-la começado. Acho que era apenas para dizer mesmo que tenho saudades. Muita saudade.

A esperança, este mal, é o último a morrer. Morrem todos os sentimentos, ela permanece, resistente, teimosinha. Talvez até o amor passe antes que ela. É daí que surgem as ilusões, os platonismos. A esperança persiste... Persiste...

Guardando comigo tudo o que ainda sinto por ti,
Da tua,
Clarice

Correspondência 2

Esta é segunda de uma série de cartas encontrada às margens do rio de Águas Turvas num domingo à tarde, em uma caixa amarelada pelo tempo.
Clarice, a provável autora, ainda desconhecida, a despeito de todas as procuras, responde a carta enviada por Bruno, seu amante.
(O autor)
Águas Turvas, 20 de agosto de 1972.

Bruno,

Não sei o que te dizer...

Recebi sua carta. Quanta coisa, não?

Não se trata de cutucar onça com vara curta. Você não é onça e não há varas, nem curtas nem compridas.

Você tem razão. Não me deve explicações, justificativas, explicações... Embora - e aí não sei se percebeu - tenha feito isso em cada uma das linhas que me escreveu.

Lamento pelo estilo pobre da sua escrita. Esperei algo um pouco mais elaborado do que dezenas de palavrões a cada linha. No entanto, sigo o estilo: vá se foder!

Um abraço fraterno,
Clarice

Correspondências 1

Esta é uma série de cartas encontrada às margens do rio de Águas Turvas num domingo à tarde, em uma caixa amarelada pelo tempo. Acredita-se que tenha sido jogada há poucos dias fora, pois a caixa não estava maltratada pelo tempo, pela água do riacho.
Havendo procurado no cartório da cidade, não encontrei nenhum registro de Bruno ou Clarice. Tudo o que consegui foi o relato de uma senhora, residente num sítio próximo às margens do riacho. Segundo ela, muito se amou naquela região; as cartas poderiam, então, ser de qualquer um para qualquer outro.
(O autor)
Águas Turvas, 15 de Agosto de 1972.

Bruno, minha vida,


Peço desculpas se demorei a te escrever. Queria e deveria ter feito isso muito antes, quando ainda era capaz de olhar-te na cara para dizer o que deve ser dito. Não, as desculpas não são para ti. Peço desculpas a mim mesma se demorei a te escrever, que eu é que sofri calada por todo esse tempo. Que eu é que não dormi todas as noites pensando no que e como dizer. Eu é que fiquei arrumando remendos para teus farrapos de atenção, de cuidado, de afeto, numa tentativa renitente de perdoar a memória que tenho de você, tornando mais fácil a convivência com minhas próprias lembranças.

Se não escrevi antes talvez seja pelo meu apreço à dor. Talvez por minha fraqueza. E se agora escrevo é que a dor está passando. Abriu espaço para outros sentimentos que, lentamente, aparecem e me possuem por inteira, como a raiva de tua carocha vagabunda e de seu sorriso amarelo e escroto.

Foram muitas coisas, minha vida, muitas coisas e pouca consideração por tudo. Até quando, me diga, até quando pretende agir como se criança fosse? Até quando vai continuar usando suas desculpas para fingir que, na verdade, nada é responsabilidade tua quando se trata da vida dos outros? Que bom deve ser viver como um grande ermitão mesmo se estando em meio à multidão e sendo servido por ela. Que bom deve ser não ter que pensar no outro ao decidir a nossa vida! Me diga: é bom?

Por que não me procurou ao menos para dizer que estava querendo continuar sua vida sem mim? Entendo que tenha sido necessário se afastar para decidir suas confusões. E se decidiu, se preferiu voltar para quem estava com você, porque não voltou para me dizer?!

Mas imagino o que seja: seria exigir demais de você que, além de sair de sua confusão, ainda abrisse mão de suas bengalas, não?! E eu sempre aceitei apoiar o teu peso, sempre carreguei tua vida em minhas costas, tudo aceitando, tudo compreendendo. Tua vida sempre me foi um peso, um peso que eu sempre quis carregar. Mas agora, não! Agora basta!

Basta de desculpas nas entrelinhas, desculpas nunca pedidas, apenas mencionadas como uma intenção escondida, inconsciente. Penso que, na verdade, tais desculpas nem nunca existiram e foram todas criação de minha cabeça.

Sabe de uma coisa? Escrevo para que não fique o rancor. Só agora me dou conta de que já é tarde para isso.

Lembra quando me repetiu: "não temos nada. Se ao menos estivéssemos namorando, você podia me cobrar"? Naquela hora já previ o que estaria por vir. Sabia que em algum momento você cairia fora sem nada dizer e, caso eu te procurasse, me jogaria novamente estas palavras na cara. No teu jogo, todas as jogadas são planejadas de modo que você sempre saia vencedor. Sabe? Não me importa ganhar este teu jogo sujo. Do teu jogo sujo, prefiro sair limpa. Limpa, mesmo que ferida! E é assim que saio. Quero devolver-te, com esta carta, a tua sujeira. E ainda, devo dizer, ainda tenho esperanças de que saiba bem o que fazer com isto, esperança de que mude, esperança de que cresça, de que saiba usar tua sujeira para se limpar, que às vezes temos até as ferramentas, só nos falta enxergá-las. E enxergar a merda é um jeito de sair dela. Talvez, no entanto, seja otimismo demais pensar que você seja capaz de enxergar as merdas que faz, a merda que você anda fazendo questão de ser.

Pois muita coisa boa também ficou. Os amigos, por exemplo, ficaram. Tanto os meus quanto os teus. Decerto que os meus são da mesma opinião que eu, mas nunca lhe virarão a cara. Os teus, creio nunca haver dado motivos para que me ignorem e, de fato, até agora não o fizeram. Ficaram também boas lembranças: os passeios, os restaurantes, as idas frustradas ao cinema, a pele queimada e ardida por um sol de um final de sábado em que caminhamos pela cidade enquanto trocávamos palavras doces e cruas.

Tenho raiva de você agora. Mas tenho também muita saudade. Ainda te tenho amor. Menos admiração, mas ainda amor e nunca me arrependo daquela tarde, depois de termos transado, quando disse que te amava. E nem de quando, momentos depois, cantei aquela canção... Aquela nossa canção - talvez você nem nunca tenha percebido que, para mim, era nossa canção -, aquela que eu havia cantado um outra vez sem muita razão de ser mas sabendo que em algum momento viria a ter razão para ter sido cantada e que, então, seria cantada novamente.

Ainda tem coisas tuas em minha casa. Como faço para entregá-las? Preciso exorcizar cada coisa que me faça lembrar você... Só não tenho encontrado meios de exorcizar-me de mim, eu que sou tua e me faço lembrar de ti a cada novo instante. Não quero e tenho medo de te esquecer. Tenho medo que me esqueças também.

Se para ti nada disso ficou, que fique então ao menos uma certeza: de que serei tua ainda por mais algum tempo, quando você passará a ser apenas parte de um tempo guardado nos escaninhos da memória. Serei tua por ainda mais um tempo, mesmo com a raiva, mesmo com o rancor, mesmo com as dores. Aliás, tudo isso também é teu: o rancor, as raivas e as dores, bem como o carinho... As saudades... Os amores... Queria ser forte ou ser dessas que sabem dissimular e dizer que não gosto de você, que de fato nada senti por ti... Não sou assim. Nisso deve haver alguma vantagem que talvez eu descubra com o passar dos anos e que agora ainda me passa desapercebida.

Na espera de que esta lhe encontre bem e, mesmo chateada, desejando-lhe todo o bem de que sou capaz,

Da sua,
Clarice.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

De uma data feliz (depois de duas cervejas e uma garrafa inteira de espumante)

Quero falar sobre todas as coisas sem tocar em nada. Quero sair intocado da dor que é existir. Da dor que é escrever. Escrever é uma dor. Escrever é parir dores. Senão, não é escrita. Para ser escrita, é preciso haver dor.

Há a fdor da gengiva, aquela dor boa, que dá um pequeno nervoso e passa. Essa dor eu sinto agora. Há dor ruim. Aquela que aperta o peito pela ausência, pela incerteza, pela incompreensão. Essa dor eu sinto há mais tempo, faz alguns dias.

Acho muito estranha toda essa coisa de natal.

Sabe que eu acho que gay dança engraçado? Gay dança engraçado.

A cidade está cheia. Sou eu só que estou vazio.

No amigo oculto de família me sinto quase um estranho e na obrigação de anunciar: tirei uma pessoa que pode não estar aqui no próximo ano... Mas aí pensei: todos se enquadram no perfil, inclusive eu. A dica não foi boa.

Queria ter alguém por perto. Um objeto pessoa que eu pudesse abraçar e que não fosse tão oral quanto as pessoas da minha família. Saí com minha tia para conversar. Acabei só ouvindo. Se passo meia hora com qualquer um, dou meia hora de colo e não recebo nem meio grama de atenção.

A tristeza aparece em cada ato. Estou inteiro em cada pequena ação. O máximo que consegui de compreensão foi um escroto "Ele está nervosinho", vindo do meu pai. Quanta compaixão!

Então é natal minha gente. É hora de calar a boca e pôr um sorriso falso no rosto e fingir que quem você gosta estará ali, para você, a hora que você precisar. Fingir que ninguém, no mundo todo, é egoísta além de você. E assim, dá até pra fazer com que o sorriso falso soe natural.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Andei pelas ruas da cidade a esmo. Quem sabe alguém para conversar? Qualquer pessoa em que pudesse apoiar minha cabeça nos ombros e falar da vida. Encontrei meu próprio corpo molhado pela chuva teimosa e fraca. A chuva em meu corpo me dizia: "Você não deveria ter saído. Não percebe que as pessoas da cidade são tão da cidade quanto as ruas?".

(a ser continuado)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Pequena Lei Geral

"Segue tua vida, pássaro contente.
Segue tua vida que eu estarei contigo"
(Vinícius de Moraes)

"Podem me bater.
Podem me bater.
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião"

Lei Geral para a vida:

O que não tem __________, (palavra anterior)ado está.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O tempo futuro e o instante

Quanto mais eu me entregava,
mais nascia o meu desejo,
mais sobrava só o desejo e mais eu te
Queria sem palavras e sem pensamentos.
(José Vicente)
Pois que havia o desejo, e só o desejo, de nada lhe servia pensar e planejar. Cada instante era um novo instante. E cada novo instante se resumia em si e era tudo. A vida passou a ser cada um dos instantes e nunca era a soma de todos eles. Se muito, era a espera de mais um novo momento. Momento totalmente novo, que os anteriores eram logo esquecidos, deixados no canto, como um brinquedo antigo que perdera a graça.
Nada perdera a graça, contudo, pelo tanto brincar. Tudo perdera a graça pela grande espera da nova graça, do novo brinquedo para o parque do que era sentido.
Já fora o tempo em que esperava, assim como uma criança espera o natal, que a vida fosse uma sucessão de fatos. Também era passado o tempo em que esperava que a vida fosse um grande dicionário, cheio de definições e compromissos renitentes. Ao entregar-se ao momento, desejava o compromisso com o instante, com o segundo vivido. E depois de vivido, tendo cada um seguido seu rumo, a vida se transmutava em nova espera.
Não percebiam ambos que a espera era tão constante que se formava em compromisso. Havia um compromisso com a espera. E isso era tudo. E isso não seria um compromisso como qualquer outro? A aposta tinhosa naquilo que, não se sabe mas espera-se, virá?
O tempo era um grande relógio de cordas. Por mais que dessem corda, seguia seu ritmo acurado. Sabiam que quando chegasse o tempo, algo despetaria em cada um. Saberiam a hora. Saberiam quando chegassem na esperada hora.
Vivam, pois, o tempo presente, que o tempo futuro se aproxima! O tempo futuro... Chegou.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Insight (compreensão interna)

Somos no mínimo dois, devo admitir.
Na cama, o casal é no mínimo três,
também devo concordar.
Nas palavras, os sentidos são melhores
quando são um só. Mas isso nem sempre
é como a linguagem se apresenta, que,
para a sorte de nossos propósitos, ela
tem meandros e melindres.O texto não está
no texto. O texto é construído nas entrelinhas.


Outrora, num tempo deveras passado mas nunca esquecido, havia um lavrador possuidor de todas as terras da pequenita região onde morava. Não era, assim, grande feito ser dono de toda a terra, que toda a terra era pouco chão. Ali, vivia acompanhado por Baco, seu cão, numa casa modesta, de palafita, com apenas dois cômodos: o de Baco e o dele, Dubielino.
Muita história tinha o lavrador, a começar pelo nome. Pai e mãe, desde então já possuidores do mesmo naco de terra, nunca chegavam a um acordo sobre nada. Josefa queria ter uma propriedade repleta de girassóis.; Sr. Nô, uma repleta de cravos multicoloridos. Este mesmo desacordo se extenderia a qualquer assunto: a compra do mês, a raça do cão que iria substituir aquele que havia morrido, a cor do tecido que comprariam para fazer as vestes que usariam pelos próximos seis meses etc. Até que Josefa falou para Sr. Nô da gravidez e nova querela se iniciou: ele queria que, sendo menino, se chamasse Pedro; ela, José, homenagem que prestaria a si mesma. Foi quando, na feira da vila mais próxima, ouviram um sábio falando de um púlpito improvisado com caixas de legumes: "O texto, meus senhores, é dúbio!".
Maravilhados pelo discurso do palestrante, Sr. Nô e D. Josefa foram perguntar ao sábio o que dúbio significava e ele disse: "Dúbio é tudo o que não se define", e definiram então que o nome do filho deveria ser Dubielino, o rapaz cujo nome não se define.
A propriedade herdada dos pais não era difícil de reconhecer: ao longe podia-se ver o campo repleto de narcisos amarelejando as verdes gramíneas, que ele não precisava debater o que queria plantar, uma vez que era só.
Seus narcisos eram conhecidos em toda a região. Muito bem cuidados! Flores lindas, impecáveis, perfeitas na cor, no porte e no cheiro exalado. Decerto eram assim, pois Dubielino devotava sua vida a sua plantação. Buscava sempre na vila novos métodos de plantio, novos fertilizantes, novas ferramentas, que pudessem lhe auxiliar na labuta e lhe garantir resultados a contento.
Numa dessas buscas, descobriu que para cada tipo de planta, um tipo de adubo. Comprou então trezentos sacos de adubo para Narciso e viu, como que por mágica, sua plantação florescer cada dia mais bonita, se isso fosse possível.
Todos os dias, havendo regado as plantas, extraído ervas daninhas, adubado a terra, enfim, tendo realizado todo o ritual de cuidado, Dubielino chamava Baco e iam os dois, cão e dono, para a janela do casebre contemplar a beleza amarela na gramínea verde.
Mas todos os dias são muitos dias. Com o passar dos anos, Dubielino começou a notar que suas vistas já estavam se cansando do amarelo, esta cor tísica. O que fazer? E toda a vida devotada àquelas plantas? E todo o adubo estocado?
Apenas a primeira destas perguntas, contudo, é que passou pela cabeça do lavrador. Para ela, respondeu: "Vou começar plantio novo".
E lá foram ambos, ele e Baco, comprar novas sementes.
Quando voltaram para a propriedade, Dubielino foi logo pegando a foice e, decepada a parte incômoda dos narcisos, justo aquela que ficava bem abaixo e a frente da janela do casebre, lançou as sementes dos gerânios avermelhados.
Cuidava das novas flores todos os dias e com o mesmo cuidado que cuidava anteriormente dos narcisos. Aliás, sim! os narcisos! Esquecera-se deles. Os coitados, espalhados por maior parte do terreno, mas não no naco de chão visível da janela, começaram a murchar lentamente pela ação da sol e das ervas. Ignorados, definhavam.
No entanto, ignorar é um modo de reconhecer a presença. Quando acordava, o lavrador devia escolher novamente ignorar a presença dos narcisos e, nesta deliberação, acabava por reconhecer indiretamente que aquelas plantas amarelas ainda existiam em seu terreno. Foi num desses momentos matutinos de reafirmar sua escolha, que Dubielino viu-se de cara com ela, aquela que estava presente em seu nome, a Dúvida.
Vinda do nada, a Dúvida lhe disse:
- Pretende ignorar até quando aquelas plantas inocentes?
- Do que fala?
- Você bem sabe do que falo... Os pobres narcisos não tem culpa pela futilidade de seu dono. Não deveriam pagar. Se aqui há culpado, este é você, que agora os deixa à mercê da Morte, minha companheira de trabalho.
Assim como chegara, a Dúvida fora embora: do nada, e só podiamos ver, então, os passos apressados de Dubielino para o celeiro, e do celeiro para o campo e do campo para casa, com a companhia de seu cão, e na casa, para a janela. Adubara os narcisos, cuidara deles e ainda voltara a tempo de ver o sol se por por sobre as novas flores avermelhadas.
Dubielino começara a dar valor aos prazeres da vida. Aquele antigo lavrador, compromissado com suas plantas, ficara para trás, dando lugar a um homem capaz de se felicitar apenas com o prazer, não tolerando as dores e sacrifícios. Entretanto, pensemos: como poderia ser prazeiroso adubar de modo diverso, posto que para cada planta um adubo, narcisos e gerânios? A labuta só aumentaria! E o espaço para o prazer à janela?!
Dubielino, juntando todas as suas economias e chamando Baco, partiu novamente para a vila, voltando desta vez com a grande sensação do momento: o Adubo Universal, capaz de alegrar gregos e troianos, ou melhor, narcisos e gerânios e quaisquer outras plantas que queira qualquer lavrador.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

A Sessão

(Texto escrito em 13/11/07)

- Eu sei que o certo seria eu dizer pra ele: ó, seguinte, eu não te amo mais, mas não consigo.
- Você não consegue se posicionar.
- É. Fico assim, no meio do turbilhão. Porque sei bem o que quero, mas não consigo.
- Você não vê outra solução além de ficar na situação em que está.
- Isso! Mas eu não quero ficar onde estou!
- E como sair?
- Ué, dizendo que não dá mais.
- Mas isso você não consegue. O que ainda dá para fazer?
- Acho que eu preciso mesmo é ter a certeza de que a outra pessoa gosta de mim.
- É preciso que o outro te assegure para que você, só então, possa tomar uma decisão.
- Não consigo sozinho.
- E assim vai vivendo: esperando que alguém te ajude a decidir e a se posicionar, mesmo que essa espera te cause dor.
- Isso mesmo, doutor. Eu vou vivendo assim! E dói! Dói mais ainda porque eu tenho a certeza de quem eu quero.
- Mas a certeza de quem você quer não lhe dá a certeza de que é esta é a decisão certa...
- Não! Não é isso. É a decisão certa, eu sei. Quer dizer, eu sinto que é... Mas a questão é: e como vai ficar este que está comigo? Quando penso nele, eu paro, não faço nada. Ele vai sofrer, eu acho.
- Talvez ele sofra. E enquanto ele sofre na sua idéia, você sofre aqui, agora.
- É, mas e depois? E se eu sofrer mais? Também penso assim, ó: e se eu deixo ele, fico com o outro e nada dá certo...?
- Você teme abrir mão do que já tem, já que não tem garantias de como as coisas vão vir-a-ser. Não larga o osso, mesmo não gostando tanto desse osso, tanto que sabe que não é esse que quer, e sim o outro. Mas fico pensando... O quanto de fato você gosta do outro osso...? Ou será que o que te atrai nele é exatamente o caráter de irrealização, de pura idealização que o reveste?
- Não! Sei que é ideal... Mas sei também desde sempre que o que quero é que saia desse campo. Doutor, você sabe tão bem quanto eu quase que eu, desde o começo, tento encontrar-me com ele! Sempre tentei! Ainda agora, mesmo estando com quem estou, eu tento.
- Você percebe que, mesmo com quem está, age no intuito de conseguir ter quem deseja.
- É. Eu sei que não é certo, mas... Tento todas as noites... Todas as noites penso nele, todas as manhãs também. E penso: será que se eu ligar agora ele me atende? Mas aí tenho medo e não ligo, assim como tem noites em que tenho medo de que ele esteja online no bate-papo, e que nos falemos e tudo seja bom como sempre foi e que me encontrar com quem eu estou se torne de tal maneira insuportável que eu já não seja senhor de meus impulsos e acabe terminando tudo sem nem ao menos refletir ou expor as coisas de modo que haja menos sofrimento.
- Você teme muitas coisas: teme fazer o outro sofrer, teme que o outro seja bom contigo... Não age por temer o outro. Mas para que você teme?
- (Silêncio prolongado) Não sei... Talvez eu tema por... Talvez... Bem, eu acho que eu tenho medo de fazer o que quero. Aí fico pensando nos outros. Mas é o que quero, né? Fazer o que se quer não pode ser tão errado, não é verdade, doutor?
- Mais uma vez você quer que o outro te assegure de suas escolhas: agora você quer que eu te diga se o que você escolhe é certo.
- (Riso solto. Pára de rir) É... Acho que você tem razão. Aliás, eu faço isso sempre. Vivo perguntando às minhas amigas o que fazer. Na verdade, não pergunto o que fazer... Eu apenas conto a história. Sei que elas vão dar opinião em algum momento. Elas acham que eu devo ficar com quem estou mesmo. Ele é uma boa pessoa.
- Mas parece que ser uma boa pessoa não tem bastado pra você.
- É... Nunca bastou. Eu sei que fiquei com ele pra evitar entrar em contato com o fato de que o outro me era impossível naquele momento.
- E agora que o outro está aberto pra você, é impossível fugir e não encarar esta possibilidade: a de que vocês fiquem juntos.
- É. É impossível.
- Pois bem... Impossível é agora continuarmos aqui, nesta sala. Seu tempo terminou. Mas há muito tempo lá fora, onde é possível realizar muitas coisas.
- Verdade... É isso que tanto me assusta.
- E ainda assim é para essa realidade que te assusta que você acorda todos os dias. Nos vemos semana que vem.
(E despedem-se)

A propriedade do amor

(Texto escerito em 30/10/07)
Há um novo modo de amar. Um novo modo e não o compreendo. Não o compreendo, mas o sei bem. Sei como quando faz doer-nos o corpo algo que nos invade e que nos é completamente estranho. Melhor dizendo: sei bem porque faz doer-me o corpo. Porque faz doer-me a alma. Porque faz doer-me.
São muitos os modos de amar, mas este é como pensei que seria o amor entre amigos. A carne entra, a carne sai. O que resta é um profundo carinho que só faz crescer a amizade e o sono de depois do sexo é um leve toque, uma brisa fresca num dia quente, um silêncio gostoso depois do falatório. É um novo modo de amar, que não é amor de amigo, mas talvez seja como se fosse. Com as analogias, tento compreender este novo modo. Penso, por acaso, em minha mãe. Vejo seu sorriso. Diria que nada tem a ver com ela esta nova modalidade do amor e sei que ao dizer isso minto para mim e para todos. Sobretudo, minto para mim, porém, se digo isso.
Creio que seja pela falta de compreensão, por não conseguir lançar luz ao escuro que é esta novidade, eu, que tanto prezo a iluminação do pensamento, creio que seja por essa incapacidade de olhar este amor às claras que não consigo entregar-me a ele como sempre fui capaz de entregar-me. E justo eu, que sempre quis um novo modo, uma forma de não repetir o que sempre tive, agora que eu posso amar-me a mim no outro, sou incapaz de amar.
Buscava nos outros a mim mesmo e agora que posso possuir-me por completo, vejo que o outro, que é como eu, é a mesma minha incompletude. Não posso ter tudo neste novo amor, não posso ter tudo que cri ser possível alcançar desta nova maneira.
Sim, há um novo modo de amar e já não sei, dentre todos os que tentei, qual é o mais apropriado.
(por Alberto)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Amigos que visitam. Amigos que deixaram de visitar.

O Re-petição não morreu. Só está na rua, vivendo. Depois ele conta tudo... Andava sem assunto, o pobre. Decidi deixá-lo ter mais experiências para contar. E aí, quando ele tiver, vem pra cá e deixa tudo escritinho.

O texto que acabei de postar é meio antigo. Tem muita coisa sendo escrita à moda antiga por agora. Falta tempo no trabalho, que é onde eu costumava postar os contos e criá-los. Enfim, conforme der tempo e conforme for julgando importante postar, aí vou fazendo isso.

Enfim, nem muitos andam visitando o blog. Só achei que devia algo assim para aqueles que persistem rs.

Bjs

A impaciência e o medo

Era estranho pensar sem saber e, por fazê-lo, perdia-se na escuridão de si mesmo. Por vezes, diria ter certeza de que não mais é só. Por outras, diria temar estar só sem sabê-lo. Perdendo-se a si de vista, esquecia, assim, que o homem é, em si, solidão.
Oscilando entre esses pólos, deixava seu pensamento percorrer tanto as diferentes possibilidades que se apresentavam, quanto as diferentes leituras para o momento presente. Decerto, estas últimas vem primeiro, pois uma determinada possibilidade, para ser vislumbrada, depende do modo como se enxerga o agora e não o contrário.
Foi como quando pensou que, indo falar com o ex, o outro lhe deixaria. Não pensou na possibilidade de que, pelo contrário, ao invés de deixá-lo, mais o outro se aproximaria, e acabou por ver diante de si apenas três possibilidades: ignorar este que gosta; manter-se ao lado de quem gosta, mesmo que este voltasse para o ex; e, por fim, deixar-se doer e definhar, passando a desacreditar nos sentimentos.
Tanto pensou nesta ocasião que quase nem se deu conta de que ela havia passado, perdido que estava em seus pensamentos. De que havia passado e de modo bastante conveniente a ele, a despeito da única leitura que fizera do contexto.
Outra vez, tendo ouvido do outro que este havia acabado de sair de um relacionamento e que , por isso, preferia não se colocar imediatamente em outro, deixou de ouvir num momento imediatamente posterior que estava sendo, aos poucos, incluído nos planos e projetos daquele. Não ouvindo, deixou de felicitar-se, apenas podendo sentir a dor de estar só em uma relação a dois.
Era, sim, estranho pensar sem saber. Mais estranho ainda era pensar e pensar tanto, de modo a não se deixava viver o que acontece agora. Vive nosso rapaz apenas as dores que nem sequer existem. Vive apenas a impossibilidade de gozar plenamente as coisas boas que se lhe vem ao encontro.
Se pudesse ter contato direto com este rapaz, este que tapa-se a si os olhos e ouvidos, enxergando e ouvindo apenas aquilo que, ele teima em dizer, não quer, lembrá-lo-ia que, em breve, irá estar junto de quem gosta. Então, falaria de como o outro está animado para este encontro ou de como o outro já ficara chateado por diversas vezes ao vê-lo vacilar, temer e entristecer-se. Diria então novamente as coisas bonitas que o outro lhe disse, dando-lhe a oportunidade de ouví-las mais uma ou pela primeira vez.
Por fim, o convidaria a ter calma, que uma boa história não se faz com tijolos de idéia, mas com tempo.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O desfalecimento de Clarice

Clarice, ainda sonolenta, ergueu seu corpo da cama e, no curto caminho entre o leito e o banheiro, caiu desfalecida no chão. Por morar só, ninguém havia que pudesse socorrê-la. E embora a frase pareça carecer de sentido lógico ou de validade universal, arrisco-me a dizer que por morar só, Clarice era só.

A solidão de Clarice não nos importa porque não importa à Clarice. Já acostumou-se a ser só. Pergunta-se, inclusive, as vezes, como seria se tivesse que dividir a vida com alguém: talvez tivesse dificuldade de acostumar-se com outra presença além da dela; talvez tivesse dificuldade de aceitar que o modo como vivera maior parte de sua vida até agora é que era realmente insatisfatório. Mas para esta segunda opção, pensaria Clarice certamente que como o que não tem remédio, remediado está, quem não conhece a presença de outro, acompanhado está, e assim não poderia reclamar de ter passado uma vida em insatisfação. No máximo, poderia dizer que "teria sido bom se..." e isso de nada adiantaria.

O que nos importa, contudo, é o fato de que a solidão de Clarice restringe-se à pequenez de seu apartamento. Fora dali, já não é mais só. Por vezes nem ali. A ausência é uma presença que faz doer o peito. Vezes há em que, mesmo presente, a pessoa que agora faz com que a solidão de Clarice restrinja-se ao apartamento dela não a toca de modo tão profundo quanto esta dor da ausência. Será que Clarice anda a preferir a dor à concretude do amor? Difícil... Muito difícil que seja isso, mas também pode ser.

Minutos depois ela acordará. Não comera nada antes de dormir, a despeito dos pedidos dos mais próximos, que andam vendo como ela vem se alimentando mal nos últimos tempos. Penso que seja esse o motivo do desmaio. Quero falar de Clarice, este corpo em pulsante falta de vida. Falar de Clarice como Clarice, quem me dera! Imagino se pensa, mesmo sem consciência. Se pensa, no que pensa?

Ela o vê a sua frente. Toca-lhe leve e suavemente os lábios macios. Ergue sua mão direita e deixa que ela escorregue por trás do ouvido dele. Sente os primeiros fios de cabelo da nuca. Puxa-o, a mão na nuca, para mais perto de seu corpo. E sussurra-lhe então no ouvido: ajuda-me tu!

Não! Ela nada vê a sua frente. Apenas enxerga o escuro de sua própria existência. Clarice não é só, porque não pode ser nada ao ser o que ela é. Clarice sofre de um mal: existe. É isso que enxerga: sua existência, o escuro.

Qual nada! Se ela pensa em algo, se vê algo no estado em que está, decerto é ele. Mas provavelmente não termina sua aproximação com uma frase como "ajuda-me tu". Clarice seria mais ousada e diria: entre para minha vida. E não seria isso também um pedido de ajuda?

Como corre o nosso tempo! Mesmo tendo escrito tão poucas linhas, o tempo que era presente já é passado. Preciso encerrar o testemunho de Clarice. Sou a testemunha dela, desta que já se encontra debaixo do chuveiro, o banho frio para tentar recobrar os sentidos perdidos pelo desmaio. Veja como corre o tempo! Veja como deixo-me distrair pensando no que pode ser que seja, sem ver o que de fato é.

Por isso digo: pode ser que Clarice saia limpa do banho, mas o fato é que agora ela está molhada. E pode ser que Clarice venha a se arrepender da solidão em seu apartamento, mas o fato é que ela não é mais só fora dele, porque tem a companhia de um homem. Pode ser que ela seja feliz com ele, mas o fato é que, por tê-lo, já o é.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A felicidade

A felicidade, de uma hora para outra, como um pequenito choque pelo modo como chega e como uma cicatriz pelo modo fica, passara a fazer parte de sua vida. Outrora julgava ser incapaz (ou talvez indigno) deste sentimento. A felicidade não seria para si, até que, então, fez-se presente. Como queria poder descrever o que vejo que ele sente! E mesmo se conseguisse, não seria jamais fiel, pois o que vejo que ele sente não é, de modo algum, o que ele de fato está a sentir agora apertando-lhe o peito.

Há felicidades que são como um aperto. Um bom aperto no peito. Era isto que sentia a cada vez que olhava para o passado, que retrospectivamente revia o final de semana. Sentia-se feliz e, ao mesmo tempo, alguma coisa lhe apertava o peito: era a saudade, esta que sempre acompanha os bons momentos.

Havia uma certa tensão: como serão as coisas de agora em diante? Mas havia também a certeza de que agora era isso que queria. Certezas são necessárias a uma realização. Passaria o dia então em frente ao computador buscando soluções práticas para que tudo pudesse se viabilizar: um outro encontro, e mais outro e outro. Infinitos encontros e reencontros, reedição de um primeiro, por demais significativo.

Pensava em como queria que o dia terminasse e logo chegasse a noite. Queria estar com ele novamente. Mesmo sem falar com ele ao longo do dia, sentia-o presente, mas queria poder tê-lo mais perto, mesmo que distante. Vê-lo, mesmo que pela tela fria de um monitor.
(Talvez o único modo pelo qual eu vá conseguindo exprimir o que ele sente seja assim: parágrafos soltos, desconexos. Talvez assim eu me aproxime da realidade do que é sentido. Mas prefiro retirar-me e ainda deixar que ele sinta. Quem sabe mais tarde ele não consiga concatenar melhor as idéias e me ditar um texto coerente?)

A felicidade e a saudade, de um hora para outra, faziam parte de sua vida.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O atraso

Era costume. Olhava o jornal todos os dias. Sempre bom poder saber as coisas que acontecem, apesar de nunca ter encontrado nada que lhe dissesse respeito diretamente. Quer dizer, a não ser aquela vez em que disseram que todas as pessoas ansiosas podiam ficar tranquilas, pois os cientistas (sempre eles) haviam encontrado a cura para elas. Felicitou-se com a notícia, ligou para os amigos para contar, fez festa, economizou dinheiro para o remédio que, imaginara, seria caro. Ansioso que era, não percebeu que a notícia não era feita para os ansiosos, apesar de falar deles.
Hoje, pela segunda vez em toda sua vida ou em todo o tempo que checa os jornais, encontrou uma notícia que lhe diz respeito. É que no jornal dizia: "Metade dos vôos cancelados no Rio de Janeiro".
Sim, ia viajar ainda hoje. Não era viagem comum, era daquelas por que a gente espera por um bom tempo e quando tem a primeira oportunidade, se aferra à ela. Como diziam os gregos, a deusa Oportunidade é muito fugidia, com seus cabelos grandes. É preciso saber o momento de agarrar o cabelo da Oportunidade e seguir com ela.
Hoje iria encontrar quem tanto esperara. Não bastasse a ansiedade já inerente a si e a ansiedade gerada pela viagem e encontro, ainda a maldita notícia no jornal.
Sentou-se e pensou o que fazer. Poderia ligar para o aeroporto, poderia correr para a rodoviária e pegar um ônibus. Poderia ligar para a Companhia Aérea.
Sim! A Companhia Aérea! E correu para o computador novamente. O coração extravasado, batendo nervosamente. As mãos trêmulas digitaram o endereço eletrônico da empresa. Sessão de vôos...
Não conseguiram crer seus olhos quando viram que apenas um dos vôos não havia saído. Pequenos atrasos talvez, mas nada que pudesse atrapalhar aquilo que o motiva, neste momento, a terminar de fazer as malas e partir para o aeroporto: a certeza de que uma viagem e o final de semana irão valer a pena.
No avião, imaginava como seria o encontro.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Do existir do bobo

Houve um tempo em que andar já não era preciso. Era preciso apenas ficar sentado, no canto, refletindo e deixando cada dorzita doer.

Neste tempo, havia o bobo que, como qualquer bobo, ficava a zanzar por aí, sem rumo. Seu único projeto era fazer de si o que era a todo momento: um bobo, e seguia negando dentro em si a necessidade premente de calar-se, recolher-se e pensar sobre cada coisa que poderia lhe afligir. Mas as coisas só lhe afligiriam caso, exatamente, parasse, se calasse, se recolhesse... Só assim tais coisas lhe apareceriam à consciência em seu pleno vigor.

Por ser esse um processo doloroso, contudo, o bobo decidiu fingir que não via o que via. Não é que não saiba que sabe, ele sabe que sabe, mas finge que não sabe. E assim vive. Vive ou viveu, que os tempos verbais todos misturados na história do bobo servem para falar da besteira de crer que, através das palavras, seria capaz de esconder-se de si e dos outros.

E foi assim que morreu: bobo, sem nunca ter pensado que, na vida, poderia ter sido outra coisa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O dedo mindinho

Estávamos os dois na cama. Meu corpo sobre o dele. Transávamos. Tudo bem que eu sempre tinha tido interesse por aquela carne gorda do Leozinho, mas não esperava que ele fosse tão mal-dotado de tudo. Apesar de minhas amigas sempre dizerem que gordo em geral tem pau pequeno e grosso, eu teimava em imaginar que o Léo era diferente.

Mas enfim, estava lá eu, trepada nele. Nada ainda. O sexo ainda iria demorar. Não muito, mas levaria mais uns cinco minutos, que é o tempo que leva com caras como o Léo. Aí ele pediu:

- Me chupa.

Eu olhei com aquela cara de "agora descubro como é" e desço a minha cabeça. E me deparo com meu dedo mindinho. Não o verdadeiro. É que o pau do Léo é do tamanho do meu dedo mindinho!
Começo a chupar aquela coisa finésima. Ele visivelmente estava em êxtase. Duvido muito que tenha encontrado mulheres dispostas a fazer o que eu estava fazendo aquele momento. Tem que gostar muito de um gordinho para fazer aquilo. Ou tem que se gostar muito pouco.

E aí foi quando o tal pensamento me invadiu, doutor. Como que pensamento?! Te falei no começo da sessão! A idéia de que eu sabia quando ia morrer e não ia demorar. Eu tinha mais uns dois anos de vida. E pensava: sempre falei com minhas amigas que eu morreria antes dos trinta.

Ainda falta muito pros meus trinta e faltava só dois anos pra eu morrer. Fiquei louca! Eu, com tanto pouco tempo de vida e ali, chupando meu dedo mindinho!

O que fiz? Ué, aí fechei o olho bem forte quando estava ainda chupando o Leozinho. Bem forte mesmo. E comecei a repetir na minha cabeça: acorda, Lorena! Acorda, Lorena! Acorda, Lorena!

E acordei!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Livro de Receitas - Como se assustar e querer sair correndo em sete passos simplérrimos!

1 - Pegue 10g de raciocínio e (pasme!): pense! Por que você sempre encontra aquelas pontas de aterro que não querem compromisso, que terminam com você diante da primeira dificuldade, que não pensam em trabalhar e só curtem a vida? Porque você sempre vai para os mesmo lugares. Pegue então um punhado de motivação (1 colher de sopa basta) e 3 amigos. Coloque isso tudo num carro, táxi, ônibus ou num tênis transado e encaminhe-se para um lugar diferente de todos os lugares que você costuma frequentar.


2 - Ao chegar no lugar que você nunca esteve antes, olhe ao redor. Salpique 0,5L de perspicácia em seu cérebro e tente perceber se as pessoas que estão ali são de fato diferentes das que você costuma sair... Quer uma dica? Se nenhuma de atrair assim, de cara, é porque você está no caminho certo!


3 - Apesar de não ter se sentido atraído por nenhuma das pessoas dali de cara, use 2 dentes de coragem e insista com seus amigos, que a esta hora já terão dado meia-volta suplicando para ir para a festa gótica ou para o baile funk, entre e sente-se em alguma mesa, encoste-se em algum balcão... Enfim, seja persistente e fique por lá, mesmo que esteja se sentindo um tanto quanto desconfortável.


4 - Escolha o alvo. Olhe para ele. Encare-o. Se tiver oportunidade, diga "oi" e saia andando. Espere novamente. Em algum momento ele virá.


5 - Ele veio? Trate-o super-bem, como você só trata os filhos dos outros, o cachorro dos outros, o namorado dos outros. Enfim, demonstre interesse. Como sabemos que essa é uma tarefa difícil, porque você não está acostumado com pessoas normais, carinhosas etc. e sim com "aquele tipinho" de gente que você sempre sai, vai aqui uma dica: pincele com um pouco de fantasia aquilo tudo e imagine que ele, na verdade, é o príncipe encantado, a arca perdida ou qualquer outra coisa que você julgue ser muito valiosa (não vale pensar em nenhum MC ou DJ!)


6 - Por fim, leve-o para sua casa ou vá para a dele. Com o passar dos dias, cozinhe para ele. Continue tratando-o bem que em três dias você vai ouvir o que você nunca ouviu em três anos de namoro. No começo vai soar estranho, mas com o tempo você vai até poder acreditar que está se acostumando com ele dizendo: "gosto de você", "te amo" e "você é muito importante para mim".


7 - Pronto. Agora é só colocar isso no forno e esperar que dentro de uma semana você já vai estar no ponto, querendo correr que nem um louco e achando que o outro é um ET.


Observação: se algum amigo seu mais engraçadinho e metido a inteligente disser que você não sabe ser amado e que precisa de terapia, não caia nessa. Saudável é quem sabe ser feliz e você se diverte muitíssimo depois de ter bebido meia garrafa de vodka no pagodinho de domingo, não é verdade?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

O misterioso caso das portas

Pois já fazia tempo que o rapaz trabalhava nessa empresa. Bom lugar para se trabalhar, a bem da verdade, mas ultimamente não estava muito satisfeito. Mesmo diante do olhar estranho das pessoas ao ouvirem sua fala cheia de um tom sincero e carente de compreensão, ele não podia calar-se, tendo que contar o que de fato vinha lhe acontecendo.
Não que fosse uma necessidade vital, mas era quase urgente. Dava-lhe uma aflição de doer as gengivas como quando estamos nervosos e os dentes parecem ter uma arrelia. Talvez o que melhor descreva a sensação seja uma caneta gasta roçando um quadro branco. Enfim, o que realmente importa é a urgência que fez com que ele decidisse, mais uma vez, abrir o bico:
- Oi - disse uma de suas colegas de trabalho, abrindo a porta da sala dele.
- Oi - respondeu em tom pouco amistoso.
- Por que você está trabalhando com a porta fechada?
- É que preciso.
- Ah! Sim, desculpa. Não queria incomodar... - disse ela, ruborizando.
- Não, que isso. Eu é que peço desculpas... Sendo muito sincero - apontando uma cadeira -. Sente-se aqui. Pois então, sendo muito sincero, há um motivo que me faz fechar a porta.
- Sim...?
- Se eu te contar, jura que não ri?
- Sim, juro.
- E que não espalha...
- Tá bem, não espalho. Mas do que se trata? Alguma coisa muito importante? Trabalho confidencial?
- Quase isso... Mas as confidências não são minhas... São sobre mim. E eu não posso ouví-las.
- Como?!!!
- É! Pois é! Momentos há que nem eu acredito, mas é que as portas, todas elas, não me respeitam mais.
- Hein?!
- É isso mesmo! As portas. Todas elas. Veja você: hoje acabo de passar na catraca e corro para pegar o elevador que, vazio, aguardava alguém com a porta aberta. Foi só eu me aproximar que a porta fechou.
- Ah! Mas isso acontece!... Vai ver o tinham chamado em outro andar.
- Qual nada! Eis que chega outro empregado, aperta o botão e imediatamente a porta se abre para ele. E quando eu vou entrar para subir na mesma viagem... A porta fecha-se novamente... Tive que subir de escada.
- Sei... - o tom de desconfiança... O que estava acontecendo com ele? Talvez, muito trabalho, estresse, problemas familiares...?
- E mais. Aproxime-se - e fez sinal para que ela chegasse mais perto para lhe falar ao ouvido - Esta aqui, ó, esta desta sala de reunião. Acho que ela é a líder do movimento.
- Mas não entendo... De que lhe adianta fechar a porta se é ela mesma que está contra você?
- Oras... Também não sei. Mas o que se faz quando não se sabe como agir?
- Hum. Entendo. - decidindo entrar no jogo - E o que as portas têm contra você?
- Não sei. Mas ainda descubro. Acho que o movimento todo ainda está muito na surdina. Ás vezes, quando saio do banheiro, ouço a porta rangendo atrás de mim. Sei bem que elas tramam algo, ainda não sei o quê, porém.
- Coitado... E como vão as coisas em casa? - perguntou, na tentativa de colher dados para um bom diagnóstico.
- Ah! Em casa... Não sei... Ainda tenho lá minhas dúvidas. Acho que o movimento já chegou ao ouvido da porta de frente! Veja você: ela entrou lá em casa e não sai de jeito de nenhum. Empenou! Fica agora o tempo todo voltada pro lado de dentro e não há nada que dê jeito.
- É, rapaz, vejo que você está mesmo no mato sem cachorro. O que fazer com todas essas portas então? - disse a moça, já levantando-se da mesa e preparando o discurso para o gerente, onde apresentaria o caso do colega de trabalho, sugerindo que o levassem para uma avaliação psicológica.
- Sabe que ainda não sei? Estou tentando esse negócio de deixar fechada. Amanhã deixo aberta. No último caso, vou chamá-las para uma conversinha aqui na sala. Papai sempre dizia: conversa e fé removem montanhas.
- E portas.
- Sim, e portas!

Da soberba

- Oi.
- Oi - respondeu em tom pouco amistoso.
- Por que você está trabalhando com a porta fechada?
- Porque as pessoas simplesmente não respeitam meu espaço... Usam a porra da sala como se fosse de reunião, quando não é mais. E ficam aqui na minha frente berrando como se eu não existisse!
Visivelmente assustada com a resposta, ruboriza-se e diz:
- Ah, tá.
- Posso te ajudar?
- Ah... Não... É que... Bem, eu precisava usar a sala.

...........................................................

- (risos) Olha, sabe aquele e-mail que te passaram?
- Sim...
- Pois é claro que eu preciso que você faça o mesmo...
- Mas lembra que eu te passei o e-mail ontem? Era pra você ver o que precisava ser feito... E agora bem assim, em tom de cobrança?!
- Olha, preciso pra hoje...
- Vem cá... QUanto você ganha?
- Que é que tem?
- Não... É só que às vezes fico me perguntando: quanto você ganha pra fazer o que eu faço?!

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- Por favor, naquele relatório... Faltou uma área...
- Faltou uma área ou você disse que não precisava?
- Eu disse que não precisava, eu sei... Mas agora precisa e você não fez.
- Eu não fiz porque não precisava. Ou agora proatividade virou sinônimo de vidência?


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Ainda no mesmo dia:

- Ai, desculpa, to usando sua sala... É uma reunião breve, mas se você quiser, pode entrar.
- Ah! Tá... se eu quiser eu posso até trabalhar... Entendo.
- (Risos amarelos) É que precisaram da outra sala e me disseram que eu poderia usar essa aqui.
- Sim, disseram que poderia usar a sala de reunião que não é mais de reunião. Engraçado! Veja só! E agora me parece que isso aqui É uma reunião...

E o silêncio reina.

Gente, alguém sabe de vaga de estágio?

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Olfodor e o sentir

Na vida há sempre confusões.
Pois vejam vocês... Este mês, por exemplo... Setembro é sempre mais promissor que o pobre agosto. E pensei: pela primeira vez chego à marca dos 30 contos em um mês... Quer dizer, quase um post por dia... Seria ótimo!
Mas aí o que me resta são contos inacabados. "Crime no Catete", por exemplo, está pronto na cabeça, mas quem disse que consigo passar para o computador está mentindo! Nem para o papel consigo...
Tantas coisas em tão pouco tempo!
Pois é... Houve uma vez, há muito tempo, vejam vocês, há uns três, quatro anos, que escrevi sobre Olfodor. Gostava desses anagramas bobos, fingindo que falava de mim sem o fazer. Olfodor, nada mais óbvio. E Olfodor não sentia... Lembro-me bem "Olfodor não sentia, Olfodor era algo que não se permitia", eu dizia no conto.
Pois agora Olfodor sente. E o que faz do que sente? Sente-se confuso!
Minha gente! Sente-se confuso com tanto sentir, o pobre (e vejam bem: quando falo de Olfodo não falo de mim, claro!). Também, pudera! Três anos e pouco sem sentir e agora, sente... Por sorte os sentimentos não sentidos ainda não vieram cobrar com juros e correção pelo tempo que ficaram em fila de espera.
Imagina se isso fosse como uma central telefônica! Quantas ligações Olfodor não ia ter que atender agora, de cada sentimento chatinho dizendo: "Ei, agora toma! E te vira!". Sortudo Olfodor, voltou a sentir mas sem a cobrança dos sentimentos não sentidos no passado.
Ó, tem horas que ele está assim, parado... Do nada sobe essa queimação na garganta e... Um riso gostoso. E ri de si. Não, minha gente! Ele não precisa mais de filme, de livros ou de música! E às vezes a queimação é um choro doído, muitas vezes pela confusão por não estar mais habituado a sentir.
E o que sente? Ixe! Tanta coisa.
Por exemplo, sexta Olfodor saiu com suas amigas. Nossa! Que saudade que ele sentiu durante o final de semana! Tanta que elas nem fazem idéia!
E sábado. No sábado, Olfodor saiu pra dançar com uma amiga das antigas (tanto tempo sem se verem) e conheceu gente nova. E por mais que insista em pensar que não, Olfodor gostou bem é de tudo. Quer dizer, quase tudo, que depois veio uma confusãozinha na mente dele: ele agora pensa que tudo o que estudou nos últimos 3 ou 4 anos de nada lhe serve... Pois imaginem! Agora ele quer mudar até mesmo de seita (e não falo de religião)!
Olfodor é meio estranho, às vezes. Acho que anda meio perdido o coitado no meio de tanta coisa que anda sentindo. E mesmo sem os sentimentos antigos virem bater-lhe à porta e cobrar os atrasados, há tanto sentimento bom e ruim agora, neste exato momento, que ele fica perdidinho. Mas, o melhor: não deixa nenhunzito passar! Vai logo agarrando os sentimentos atuais e... Sentindo.

Ó, não conheço bem o tal do Olfodor. Mas até simpatizo. Domingo por exemplo ele descobriu que mais que ama as amigas. Ele não consegue viver sem elas. AH! Não só as amigas, tem os amigos também. Mas é que elas são mais próximas...

Hoje, por exemplo, teve outra do Olfodor (prometo que é a última): ele reencontrou Lucas depois dum final de semana. Lucas tava meio chata, sabe? Mas é normal. Tem dias que Lucas não está nem para Lucas mesmo. Mas sentiu assim, um calorzinho no peito... É que ele sabia que mesmo de maré ruim, Lucas ia estar ali. Mais Lucas do que todos os outros (e, não, não é chantagem emocional e nem adianta, Lucas, se preocupar achando que não é boa amiga. Vá pro diabo com essas auto-cobranças tolas!).

Mas é isso, minha gente, Olfodor sente. Rola confusão na cabeça dele, mas o que importa é que ele sente!

sábado, 22 de setembro de 2007

Pelo Tempo que Durar

Pelo Tempo Que Durar
(Adriana Calcanhotto, Marisa Monte)

Nada vai permanecer
No estado em que está
Eu só penso em ver você
Eu só quero te encontrar

Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar

Coisas a se transformar
Para desaparecer
E eu pensando em ficar
A vida a te transcorrer
E eu pensando em passar
Pela vida com você

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O mais que perfeito

Ah, quem me dera ir-me
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora...)
Ah, quem me dera ir-me!!

Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te

Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais : cuidado...
Ah, quem me dera ver-te

Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...

(Vinicius de Morais)

Repetida no re-petição?

É, tem horas que nem sei. Há horas-de-nem-saber na vida. E nem sei, mas acho que já postei esta letra. Mas cabe bem agora... Cabe muito bem agora. Tanta coisa se encaixa, inclusive o apelido do eu-lírico para quem gosta... rs.


Último Romance - Los Hermanos

Eu encontrei-a quando não quis
Mais procurar o meu amor
E quanto levou foi pra eu merecer
Antes de um mês
Eu já não sei

E até quem me vê
Lendo jornal
Na fila do pão
Sabe que eu te encontrei
E ninguem dirá
Que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor
A gente é quem sabe, pequena

Ah vai!Me diz o que é o sufoco
Que eu te mostro alguém
Afim de te acompanhar
E se o caso for de ir à praia
Eu levo essa casa numa sacola

Eu encontrei-a e quis duvidar
Tanto clichê
Deve não ser
Você me falou
Pra eu não me preocupar
Ter fé e ver coragem no amor

E só de te ver
Eu penso em trocar
A minha TV num jeito de te levar
A qualquer lugar que você queira
E ir onde o vento for
Que pra nós dois
Sair de casa já é se aventurar

Ah vai!Me diz o que é o sossego
Que eu te mostro alguém
Afim de te acompanhar
E se o tempo for te levar
Eu sigo essa hora
Pego carona
Pra te acompanhar

Volver

Volver é um filme lindo. Pouca coisa expressaria o que sinto agora. O vazio e a dor, e a saudade, e o turbilhão de sentimentos. Mas acho que a cena em que Penélope Cruz canta, entre lágrimas, Volver (na verdade, voz de Estrella Morente), consegue passar um bocado disso. Segue a letra, traduzida.

Volver (Voltar)

Eu pressinto as piscadas
das luzes que ao longe
vão marcando minha volta.
São as mesmas que alumiaram
com seus pálidos reflexos
fundas horas de dor.

E ainda que não queira o regresso
sempre se volta ao primeiro amor.
A velha rua onde o eco disse
"Tua é sua vida, teu é seu querer",
sob o olhar zombador das estrelas
que com indiferença
hoje me vêem voltar.

Voltar...
com a testa vagando,
as neves do tempo
pratearam minha têmpora
Sentir...
que é um sopro a vida,
que vinte anos não são nada,
que febril a olhada
errante na sombra
te procura e te nomeia.

Viver...
com o alma aferrada
a uma doce recordação
que choro outra vez
Tenho medo do encontro
com o passado que volta
a enfrentar-se com minha vida...

Tenho medo das noites
que povoadas de recordações
encadeiam meu sonhar...
Mas o viajante que foge
tarde ou cedo detém seu andar...
E ainda que o esquecimento, que tudo destrói,
tenha matado minha velha ilusão,
guardo escondida uma esperança humilde
que é toda a fortuna de meu coração.

Voltar...

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Cold Water - Damien Rice

Há tantos dias que só posto textos meus... Uns mais leves, outros nem tanto. Então aqui vai uma letra de música...

Cold water - Damien Rice

Cold, cold water
surrounds me now
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?

Love one's daughter
Allow me that
And I can't let go of your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?

Don't you know I love you
And I always have
Halleluijah

Cold, cold water surrounds me now
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Do ato de escrever

No mundo há muito de cada coisa. Já escrevi sobre isso (direta ou indiretamente). Principalmente no conto "Pessoas e Pessoas", em que isso, na realidade é o próprio começo do conto.

É como Lili escreveu em seu blog uma vez (e de um modo, digamos, muito tímido, porque sei o quanto ela hesitou em publicar o texto que aqui cito):

Das coisas que existem e das que nunca vimos.
Então tem o mundo né?
E tem...as coisas físicas e todas as outras, que estão infinitamente em maior quantidade, mas não em volume.
Tem as pessoas, tem os animais, tem as plantas,e aí cabem as flores, as frutas, as raízes, as copas, as folhas e todo o resto, tem...os livros, tem...as artes e aí são muitas também: Pintura, escultura, poesia, literatura, dança, teatro, ai tanta coisa, e tem...comida, e diversas formas de prepará-la e serví-la, e comida aliás é assunto que não acaba porque se faz com tudo isso aí em cima...menos pessoas...quer dizer, sim e não. Envolve pessoas.
Tem as casas. Por dentro e por fora.
Tem os lugares. Abertos e fechados. Que já existiam, modificados e feitos todos a mão.
Tem o som, tem o cheiro, tem o gosto, tem o tato, tem o que se vê e o que não se vê também. Tem irmão e uma vez ele me perguntou porque quando fechamos os olhos ou quando está muito escuro mesmo ficamos vendo coisas. Eu ri, e disse que só ele era assim. Ele ficou revoltado e não acreditou. Então disse que era assim mesmo, que todo mundo era assim, que eu não sabia explicar mas que era alguma razão neurológica destas que envolvem descargas elétricas e químicas e ele ficou satisfeito.
Tem água. De todo tipo, de mar, de pia e de rio. E tem todas as criaturas que vivem nas águas, inclusive às que inventamos, e outras que desconfiamos que existem mas dizem que é lenda então ficamos quietos.
Não ficamos?

Há no mundo escritores e escritores também.

Sartre, em "O que é a Literatura", defende a idéia de uma Literatura Engajada, dizendo, por exemplo, que um dos pilares da produção literária é "para quem se escreve?"... Pois é... Acho que escrevemos para poucos. Por sorte, escrevo para meus amigos, para as pessoas que gosto, para alguns que vêm aqui e lêem (Guida, obrigado pelo comentário - nem sei se Guida voltará aqui um dia, nem sei como ela chegou aqui, mas fico muito feliz e grato),para aqueles que se deixam sentir apesar da pobreza literária que, muitas das vezes, meu texto tem.

Danem-se os críticos. Danem-se as críticas (bem-vindos os comentários, mesmo que com críticas, claro. Falo aqui de uma crítica ferina, despropositada, fria, calculante).

Escrevo, sobretudo, para mim.

Crime no Catete (parte 1)

- Não rabisca aí, moleque! – disse o pai. Estava nervoso. Os olhos esquadrinhavam cada papel pregado ao poste. Buscava naqueles pequenos papéis coloridos e enrugados pelo grude de farinha e água algum sinal de uma virada do destino.
Seriam apenas papéis com números vazios de sentido, mas não para ele. Sempre jogava. Sempre que sobrava um trocado. E sabia dos horários do Miranda, que, ciente da importância de seu negócio, não aceitava apostador qualquer. Podia ser qualquer trocado, mas apostador qualquer não jogava em sua banca. Tinha que ser da área, ou amigo de um amigo, pessoa de confiança. Vez ou outra, tendo clientela tão seleta, até sorteava um número aleatoriamente, arrevelia do resultado oficial para distribuir mais prêmios, mas isso só em datas especiais.
O menino olhou assustado para o pai. Que mal havia em escrever?! Além do mais, a professora disse que era preciso praticar... E... E, bem, era lápis e lápis pode-se sempre apagar. Assim, mesmo após a advertência do pai, acrescentou, de cara emburrada, ao lado do 2 um outro 2, do 3 um outro 3 e do 4 um outro 4, que náo se ensina nada além de copiar hoje em dia.
Percebendo que o filho lhe desobedecera, José tirara os olhos dos papéis fixados mais alto no poste e lançou a mão abaixo, dando um tapa de raspão na cabeça do menino, que estava posicionado bem em frente de sua perna, debaixo do bra;o estendido com o qual apoiava-se ao poste-afixador-de-resultados.
- Ai! Ai! Pai! – gritou o moleque.
- Isso é pra você aprender a me ouvir! Já falei que não pode riscar estes papéis! Vamo, menino, vamo embora que já tá ficando tarde.
Era já cinco e meia da tarde. Mais três horas e Miranda tirava a banca. Decerto, esta não se localizava próximo ao poste, que este tinha a única serventia de ser recebedor dos resultados mais recentes. Todas as manhãs era a mesma cena. O senhor gordo descia as escadas ao lado da farmácia com uma cadeira de praia e uma bandeja com pernas, dessas de café da manhã, nas mãos, e acenando para o Fredim Alfredo, o dono do botequim, sentava-se embaixo da árvore, ao lado da banca de jornais. E aguardava que o Menino, que trabalhava com Fredim, levasse seu café até ali. Então, bebericava o café e só então dava a banca por aberta, colocando por sobre o colo a bandeja de café da manhã e por sobre ela, os blocos e a caneta que tirava do bolso da camisa. Estava iniciado mais um dia de trabalho.
Mas agora já era cinco e quarenta da tarde e José sobe a ladeira com o filho, voltando para casa, pensando se ainda dava tempo de tomar um banho e voltar ali para apostar no jogo da noite.
Contudo, lembrando-se dos horários do bicheiro, falou para si: “É, Zezim, hoje não foi seu dia”.
O menino ainda ia de cara emburrada ao lado do pai. Ao menos, tinha um pensamento que o confortava: mais uma vez, o velho não ganhara nada naquele jogo. Entretanto, sabia que o melhor mesmo era se ganhasse. Sabia que dessa forma ia ter algo mais na janta em casa, um doce ou uma porção maior de comida, quem sabe.
***
Mas do acontecido é que ainda não tratamos. É que como era de se prever, os números do moleque, mal-escritos, à lápis, ao lado dos números oficiais do resultado vespertino, acabarm por gerar despesas maiores que as desejáveis ao Sr. Miranda. Este, agora na prisão, conta todo o acontecido quatro, cinco, dez vezes, repetidas e seguidas vezes, para quem quiser ouví-lo e para quem não quiser também, fala até sozinho o coitado, que o que importa é repassar as cenas e tentar recordar-se de cada detalhe. Era um crime perfeito, era a justiça.

domingo, 16 de setembro de 2007

Amor, saudade, ciúme (The final Cut)

Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
“Se você não vem depressa até aqui
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até o amanhecer?”
Concordo, calo-me.
(Carlos Drummons de Andrade)

O pior da noite é a impossibilidade de ser dia. Há situações várias em que tudo o que nos resta é aceitar e, resignados, seguir o rumo que se nos apresenta.
O caminho até a rodoviária não fora tão longo nem tão atordoante quanto poderia ser. Um certo alívio lhe acalentava o peito. "O que não tem solução, solucionado está", dizia seu avô, ele lembrou-se.
Não que não houvesse solução. Voltar era uma solução. E fora esta que lhe apresentara o mundo quando a este ele pedira um sinal.
Vencer seu orgulho nem fora uma tarefa árdua. Pensava que não havia falhado. Pelo contrário, havia conseguido entrar em contato com o mundo de tal modo que o mundo lhe disse o que fazer através do rapaz que embarcara na estação Centro e chorara tão logo as portas fecharam-se atrás dele.
Agora, ali naquela fila para compra de passagens, nenhum pensamento rebelde lhe invadia o peito. Nada o tocava. Havia era mesmo um pequenito sorriso nos lábios, modo encontrado por ele de evitar entrar em contato consigo mesmo.
A fome fizera-o comprar uma maçã com um ambulante. Como a fila estava grande, devoraria a maçã ali mesmo e, não podendo lavá-la, dobrou o joelho esquerdo, apoiando-se com o pé na outra perna, apoio o mochila na coxa e tomou para si o canivete.
Descascou a maçã lentamente. À medida em que os pedacitos de casca caiam no chão e ele os ia recolhendo e guardando na mesma mão com que segurava o canivete, pensava sobre como as coisas revelam-se a nós: por baixo da casca, há um saboroso fruto carnudo esperando por ser mordido. Talvez, por baixo de todas as dificuldades, de todo o ciúme, de toda a saudade e de todo o amor que sentia pelo outro, houvesse um fruto carnudo e apetitoso apenas a espera de ser descoberto. Haveria, talvez, uma outra oportunidade. Esta vez apenas não era a vez ainda, quem sabe?
Guardou os pedaços de casca num dos bolsos da calça junto ao canivete. Depois se desfaria deles em alguma lixeira, tanto dos restos quanto do instrumento comprado inutilmente. À primeira mordida, sentiu o suco adocicado da fruta descendo-lhe pela garganta, como um bálsamo. A carne do fruto invadiu-lhe o corpo. Sentiu-se acariciado por aquela fruta mordida.
Olhou ao redor. Ainda algumas pessoas à sua frente. Talvez fosse de se estranhar tanto movimento aquele horário. Os vendedores nos guichês pareciam nervosos. Certamente não esperavam tanta procura por passagens aquela hora do dia e viram seus planos de conversar sobre o futebol da véspera frustrados por um cliente, e depois outro e mais outro.
Não gostava dos passos lentos em filas. Na verdade, era um paradoxo: não gostava dos passos lentos como também não gostava quando alguém esperava que o espaço existente entre si e o outro fosse maior para só então andar. Sentia-se traído pelo outro, este que lhe tirava o direito de escolher entre dar um pequeno passo ou esperar para dar passos maiores.
Bom seria se bastasse o carinho de um fruto ou a decisão ditada a nós pelo mundo para que realmente os problemas se solucionem. Tão lentamente quanto descascara a fruta, um sentimento lhe apertava o peito. Mas era um processo tão paulatino que nosso rapaz conseguira disfarçar para si mesmo o que se passava, aumentando o riso leve que havia posto nos lábios para não entrar em contato consigo mesmo. Contudo, como um balão de ar a encher-se, chegou o momento em que o sentimento estourou-se e virou idéia: o que ele faz agora na companhia do outro?
Era o mesmo pensamento que o fizera sair de sua cidade. O mesmo sentimento que não o deixara dormir na noite anterior. O que fazer daquilo? Como livrar-se daquele sentimento? Seria possível virar a dor pelo avesso?, pensou ele.
Deixou a mão correr por sobre a calça e sentiu-o. O canivete, o instrumento que lhe fora necessário e que então o deixara de ser... A concretude daquela ferramenta ainda poderia servir-lhe de algo.
- Mas que idéia mais disparatada - falou baixinho, apenas para si.
Mas... Porque disparatada? Ele apenas a ele pertencia. Entretanto, e aquelas pessoas todas ao redor? O que diriam? E o que tinham a ver com sua história? Não precisavam ser testemunhas daquele desfecho. "Sim, o melhor é esperar pelo momento certo", decidiu, já pegando o canivete no bolso da calça e guardando-o novamente na mochila, como que para distanciar-se da idéia.
Foi com o pensamento ainda confuso que chegou diante do atendente.
- Uma passagem para ..., por favor - pediu.
- A que horas? - perguntou o atendente. - Hein, ou, a que horas você quer ir? - Repetiu ele de modo rude, ao notar que nosso rapaz não lhe dera atenção.
- Ah, sim... Bem, qual o próximo ônibus?
- Parte em meia hora. Plataforma 47. Vai?
- Sim, está ótimo.
- Vai pagar como?
- Cartão... - ao que invadiu-lhe um pensamento ético: já não seria possível pagar a fatura do mês seguinte. Talvez a família pudesse quitar as despesas, mas não queria deixar para eles nenhum fardo além do da própria morte - Não... Perdão. Ainda dá tempo de mudar? Prefiro se puder pagar à vista.
- Olha, não dá pra gente ficar trocando toda hora. É a vista mesmo... Ou o senhor ainda vai pensar em outra coisa antes de eu emitir o bilhete? - respondeu impaciente o atendente.
- À vista, por favor.
- 79 reais, senhor.
- Ah, sim. Um instante, por favor.
O acaso é um mestre. Tem seus ardis. Certo que nosso rapaz não perceberá mas, sim, apenas agora é que o mundo realmente entra em sintonia com ele. Enquanto pegava a carteira e o dinheiro para comprar o bilhete sob os olhos raivosos do atendente, ouviu o toque de seu celular. Buscou-o rapidamente num dos bolsos da calça e, com um sorriso amarelo dirigido ao empregado da companhia de ônibus, atendeu a ligação: era ele.
- A.. Alô? - titubeou nosso rapaz.
- Alô. ... ?
- Sim, sou eu, querido. Está tudo bem? Sua voz está estranha...
- Acabei de almoçar com ele.
-Com ele?... - prefriu fazer-se de desentendido.
- Você sabe... Saí mais cedo do trabalho hoje. Chamei-o para almoçar comigo no centro da cidade. É um restaurante que a gente gosta. Achei que ia caber bem à situação.
- Sim...
- É... Bem... - falava sofregamente. Era como se quisesse algo. Precisava de algo que ainda não conseguia dizer. Enquanto falava, tentava organizar as idéias e os sentimentos em seu peito - Contei para ele a verdade. Disse que temos nos falado, disse que ainda não te conheço, disse o quanto tempo nos falamos todas as noite, como nos conhecemos. Enfim, contei tudo.
- E ele?
- Saiu chorando. Pegou o metrô. Ainda não nos falamos.
- E você?
- Eu... Eu quero você aqui, agora.
- Eu p...
- Não diga nada... Sei que é difícil. Sei que...
- Moço, por favor, cancela a passagem - disse nosso rapaz para o atendente, que olhou-o lívido de raiva.
- Passagem? Onde você está?
- Onde VOCÊ está?
E soube assim nosso rapaz que ficaria mais uns dias ainda naquela cidade desconhecida.

Amor, saudade, ciúme (parte III)

A sombre de minha alma é o corpo. O corpo é a sombra de minha alma.
(Clarice Lispector)
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo. E o mundo todo se perdeu.
(Cláudio Lins)
O corpo era um pecado ao qual ainda não haviam se permitido. Agora já não havia como. O corpo, aquilo a que não se permitiram, seria uma concretude, talvez pesada, talvez nem tanto.
Metrô em cidade grande é sempre uma multidão, todos aqueles corpos estranhos se esbarrando. Por vezes, sentia-se mesmo violado. O toque da corpulência estranha que o outro era lhe incomodava.
A mochila nas costas complicava mais ainda as coisas. Havia de ter ali espaço para ambos: para ele e para sua única companhia naquela cidade. Nela, mudas de roupa e o canivete, memória indelével de uma percepção súbita de que algo deveria ser feito; nele, a ansiedade e o medo.
Conseguira dormir na estrada. De nada adiantaria imaginar e repassar a cena do encontro. E conseguiu deixar-se dormir, o sol na cara e o ar viciado e frio do ônibus. Sempre preferira o vento no rosto, bagunçando-lhe os cabelos, que o ar condicionado e vidros fechados.
No metrô também não havia muita escolha. O ar entrava pelas frestas no teto e pelas diminutas vidraças abertas. Ao menos, não era gelado.
Subitamente um pensamento invadiu-lhe as idéias claras e organizadas e já não era possível parar, pegar o caderno e tentar organizar cada coisa que pensava. Não havia espaço naquele vagão para isso. ALém do mais, já havia feito isso no caminho entre sua cidade e a cidade do outro, sem muito êxito. Sentia falta das estrelas e do céu escuro, de sua janela e de sua insônia.
Só mais duas estações e precisaria trocar de composição. Era distante o bairro do rapaz. Três linhas de metrô diferentes. Já estava na segunda agora. Mesmo próximo, ainda temia. O caminho era desconhecido. E ainda aquele pensamento, desconsertando-lhe as idéias: "E se não encontrar a casa dele? Ou e se encontrar e ele não estiver em casa?".
O melhor talvez seria resignar-se e dar tudo como resolvido, retornando com sua companheira para sua cidade, tentando convencer-se de que o destino, a casualidade, é um bom solucionador. No entanto, e o que fazer de toda a coragem, de toda a determinação e vontade de resolver tudo e, ao fim e ao cabo, por intermédio do instrumento adquirido no camelô próximo à estação de ônibus, obter o êxito esperado em seu empreendimento?
O medo é terra fértil. E se nada saísse conforme o planejado?, começara a pensar. E se encontrasse a casa do rapaz, se encontrasse o rapaz em casa e, mesmo assim, havendo planejado e ensaiado diversas vezes cada palavra e movimento, e se ainda assim nada saísse conforme o esperado?
Um bom caminho seria buscar, em meio ao ar bolorento e de todos os corpos em contato no metrô, um sinal que lhe desse alguma direção, qualquer que fosse ela. Bastava ser capaz de aceitá-la, de ouvir o sinal ou de vê-lo e, abnegando qualquer decisão anterior, seguir o rumo indicado.
Começou então a atentar para cada pessoa e barulho no vagão. Esqueceu-se, contudo, de atentar primeiramente para o fato óbvio de que sinais nem sempre são claros. São símbolos estes sinais que ele procura, símbolos aos quais compete apenas ao expectador dotar de significados. Assim, acabará por dotar o sinal recebido com o significado que mais bem lhe servir, sem deixar que o real significado venha realmente ao seu encontro.
Foi assim que, na estação Centro, percebeu um rapaz embarcando. Este, havendo parado próximo a porta, com um movimento de cabeça, iniciou um choro doloroso e silente. Era um rapaz pequeno, pele morena, cabelos escuros e curtos, deveria ter cerca de 20 anos, e estava chorando no metrô, as mãos agora por sobre os olhos para esconder as lágrimas. Súbito, enxugou as lágrimas, respirou profundamente e pegou o celular no bolso da bermuda. Não era possível, em meio às vozes dos estranhos no vãgão, ouvir as palavras ditas, mas havia certa dor na expressão, certa tristeza. Seria este o sinal?
- Se não voltar para casa, se não desistir de meu empreendimento, passando por cima de meu orgulho bobo, sou eu que voltarei chorando. Serei eu quem estará com o celular em punho, chorando meus problemas com algum amigo que, a esta altura, ainda estará distante, em minha cidade.
Aguardou ansiosamente pela próxima estação. Era nela que pegaria a linha que o levaria até a casa do rapaz. Mas já havia tomado sua decisão: tomaria o mesmo trem, quando este estivesse retornando. Iria para a rodoviária e voltaria para onde, desde sempre, deveria ter ficado.

sábado, 15 de setembro de 2007

Na pizzaria

A pizza portuguesa é o próprio amor. Tinha ganas de comer pizza. Mas, não sei... Simplesmente foi impossível... A fatia no prato, o garçom já havia saído da mesa. Servia a família sentada ao lado. A menina, santarrona... Pensa que eu não via suas pernas gorduchas chutando a perna bem delineada da namorada do pai. E o irmão...?! Moleque gorducho também. E fazendo piadas tolas sobre como ia emagrecer comendo todas aquelas pizzas. O pai rindo de tudo aquilo. Entupindo as veias dos filhos e rindo de tudo.
Teve momentos que pensei em pedir para mudar de mesa. Mas... Quedei-me ali. Hoje era um desses dias em que eu... A gente acorda sem querer dar trabalho. Nem pra nós mesmos. Não tomei nem banho. Seria muito esforço para mim. Preferi poupar-me o sacrifício.
Engraçado como a gente se esquece das coisas. Sempre fui àquela mesma pizzaria e tenho a sensação de sempre me prometer nunca voltar ali. Mas volto! Sempre volto... O atendimento péssimo. Os garçons sempre com aquela cara de "pois vou fazer um favor em te servir agora". E nem estou na França! Pois é... Terceiro setor de terceiro mundo!
Nada ia bem naquele lugar. Até a tal fatia. Ultimamente não tenho conseguido comer muito. O médico disse que passa, que é coisa da idade. Eu penso mesmo que seja do tempo. Enfim, idade ou tempo, tanto se me dá! (Ai, escrever cansa. E eu quase escrevo que cansar cansa. Mas a modernidade nos deu o backspace, o redial e essas teclas bem funcionais). Não acho que tenha a ver, porém, essa pequenez do estômago com minha inabilidade para lidar com a pizza portuguesa, que foi só ela bater no prato e me indispus. Me indispus comigo mesmo dessa vez.
A pizza portuguesa é o próprio amor. Não é "como se fosse", é ele mesmo. Todas aquelas coisas juntas, aqueles ingredientes comuns a todas as pizzas... Tudo tão frugal e, ao mesmo tempo, tão necessário. Tudo tão comum e, naquele mesmo espaço, disputando sabores, aromas, tudo tão distinto. Até o ovo ralo e mal cozido combina! O presunto, a cebola, o queijo... E olhei aquela fatia... E consegui até olhar a santarrona chutando a perna da futura madrasta com certa simpatia, ou piedade. Ela, a menina, não era capaz de compreender o amor. Quase peguei o prato com minha pizza e esfreguei na cara dela. Mas tem gente que não adianta e hoje é um dia desses, de não se dar trabalho.

O amor e a eternidade

"Vem pra separar
O lado bom do mal
E acalmar meu coração (...)
Vem pra se arrumar na minha confusão
Vem querendo ser feliz"
(Dudu Falcão)

O menino, com olhar furtivo lançado ao redor, deixara suas mãos tocarem as da garota. Os dedos entrelaçaram-se e os olhos cruzaram-se tímidos. Ambos desviaram o olhar, aproveitando para, novamente, verificarem se alguém os via.
Estavam na porta do colégio, os colegas haviam saído apressados ao toque da sineta, mas sempre poderia restar algum. Ao que parece, contudo, apenas os dois quedaram-se ali, rentes ao muro amarelado e limoso.
Os portões já estavam fechados. Talvez ainda algum professor esivesse lá dentro, trancafiado numa sala de aula ou na sala de reuniões refletindo sobre os rumos da educação no país ou sobre como faria para pagar o curso de inglês do filho, que o menino decidira fazer direito e ser diplomata.
Se houvesse algum transeunte na rua, isso não seria problema para os dois. Decerto que poderia passar por ali um conhecido. No entanto, não se preocupavam com isso. O problema seria mesmo os colegas ou professores: é que a eles não fora dada a dadivosa compreensão do que havia entre eles, ela recostada no muro, ele agora com o braço passando rente à cabeça da menina: amavam-se e criam na eternidade daquele amor. Os colegas e professores maculariam aquele sentimento: não são capazes de crer na eternidade. "Tudo passa", diriam. Mas o menino e a sua menina, eles dois criam na eternidade daquele amor.
Devagar as mãos do rapaz se soltaram do muro e começaram a tatear o rosto da garota. Ela olhou-o de soslaio, um charmezinho feminino, e sorriu de canto de boca. Ele sorriu de volta e entregou-se ao ímpeto que subiu-lhe em arrepio pela coluna: avidamente, lançou seus lábios contra os dela, buscando sua língua na dela, sua saliva naquela boca. Buscando nela a imagem daquilo que ele sentia. Sentia o amor. Sentia a eternidade.
- Você sabe... Vou ser sempre teu! - ele disse, findo o beijo, acariciando-a os cabelos.
- E eu sempre serei tua, meu pequeno! - ela respondeu.
Foi então que, sem vacilar e temer, deram-se novamente as mãos e caminharam até o ponto de ônibus logo na esquina.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O ridículo jogo do gostar

"Love's a two way dream"
(Bjork - Bachalorette)

Andava por uma rua estreita e, a medida que caminhava, a medida que avançava a passos rápidos, respiração ofegante, a rua se estreitava cada vez mais.
Tudo começara quando ainda novo. Marina. Ainda era capaz de se lembrar do nome, do jeito, do rosto, do cheiro. Filha da amiga da amiga da mãe. Nunca sentira aquelas coisas antes de vê-la entrando na sala no primeiro dia de aula: o coração disparado, o suor escorrendo pela face, as extremidades carentes de sangue, o rosto pálido. Tudo se assemelhava a um grande susto. Menos Marina. Ela não era um grande susto: era a descoberta do amor, a descoberta do começo da rua larga, daquela imensa boulevard, bela, arborizada, ampla.
Depois veio Nicole. Cabelos de índia, sorriso de moleque. E foi quando, pela primeira vez, arriscou olhares, fortuitamente surpreendidos por ela. Foi quando, pela primeira vez, arriscou dizer o que sentia. Sem surpresa, vira assim as lindas árvores do boulevard morrerem, minguarem e virarem nada mais que plantas secas e estéreis.
Depois vieram outras... Outras e outros que o mundo moderno é uma série de possibilidades. Não que estas não estivessem presentes desde sempre, mas é que a modernidade e sua descartabilidade nos abrem os caminhos. Mas...
Mas ali estava ele. Andava por uma rua estreita e, a medida que caminhava, a medida que avançava a passos rápidos, respiração ofegante, a rua se estreitava cada vez mais.Olhava para os lados e tudo o que conseguia ver eram as paredes opressores de prédios altos e sem reboco. A sensação estranha de que, a qualquer momento, um dos tijolos que revestia a parede de um dos prédios ao redor, se soltaria e lhe acertaria em cheio a nuca, tirando-o do ridículo jogo do gostar. Gostar poderia ser nobre, mas era sempre um jogo ridículo: era admitir a baixeza indefesa do ser homem.
PS.: Texto escrito em às 11h29m do dia 14/08.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Amor, saudade, ciúme (continuação I)

"O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de irvendo tudo.
Mesmo a ausência dela é um coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualuqer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio"
Alberto Caeiro- Heterônimo de Fernando Pessoa


Pela janela vejo um moleque olhando para uma árvore pela tela de seu celular. Não olha com os olhos. Os olhos olham a tela do celular. E meus olhos vêem através da janela. Todos os contatos do mundo são atrapalhados, nada é como é, nada é puro. Queria viver a pureza das coisas, mas estas nunca me são dadas. Ao lado do moleque, o velhote, que, este sim, olha a árvore em sua pureza, também não vê a árvore, mas vê o orgulho que tem do neto que, pequeno, já sabe utilizar a câmera fotográfica do celular comprado em 12 vezes sem juros numa dessas grandes lojas de departamento, na cidade grande.

Moram no meio do nada, estes dois. Ao menos, trabalham no meio do nada. Cuidam dessa barraquita de mangas na beira da estrada. Não sei que estrada. Foi tudo apenas um ímpeto e não posso ainda dizer que me arrependo. O arrependimento talvez venha mais tarde, depois que todos os atos tiverem se consumado. Mas quando poderei dizer que terminei?

Parto por essa estrada. O meu caderno me valhe. Precisava escrever para organizar as idéias que, danaditas, se desorganizam sempre novamente. Foi num momento de iluminação que me dei conta: "é preciso fazer algo" e parti. As estrelas e o céu, a noite, foram minhas testemunhas. Gosto de ficar da janela a noite deixando os pensamentos terem paz. E de que me serve a paz do pensamento? Neste ônibus, busco, no ponto de chegada, a minha paz.

Olho a mochila na poltrona ao meu lado. A velhota na poltrona 47 já adormeceu. Uma velha escarrenta, de cara murcha e feições duras. Não quero envelhecer com marcas do meu sofrimento. A velhice não é redenção. A velhice é a marca da vida e os velhos, como uma grande tela em que a vida segue impressa. Tenho asco de olhar esta tela tão... Funesta. Eles fedem a mortos.

Mas nem o cheiro de morte que vem da poltrona 47, nem o molecote com o celular a beira da estrada e seu avô, me tiram da cabeça a dor e a idéia: a esta hora, ele deita-se com outro.

- Pois vim ver-te - direi.
- Vem cá, endoideceu? - ele irá responder.
- Quem é este cara? - perguntará o outro.

E a cena toda vai começar assim. Um toque de campainha, a porta se abre para mim, subo as escadas do prédio lentamente, porque a ansiedade não caberá no elevador, e entro no apartamento e a conversa se inicia. Se inicia e prossegue com volteamento lógicos e trocas de farpas. Falarei sobre o amor e ele, sobre a abnegação. O outro, gritando que fora traído a todo o tempo. Ele tentando explicar-se. Eu vendo tudo em chamas e sentindo o meu próprio peito esbrasear-se.

- Não vê?!!! Você não deveria ter vindo! - gritará ele comigo.
- Destrui seu mundo cor de rosa? - responderei ironicamente - Querido, não era esta a intenção. Queria apenas resolver tudo. Tenho raiva deste que te acompanha! É com ele que me trai.
- Não! Não invertam o jogo! Eu sou o grande traído! - dirá o outro. - Como puderam?! Como chegaram a isso?! E eu, sem nem ao menos perceber!
- Querido...
- Como assim "Querido"? - direi eu - Quero que decida!
- Decido por ele!
- Sempre abrindo mão do que realmente deseja - dirá o outro.
- Pára! Como assim? Não me quer? - dirá ele.
- Quero, mas é claro que você não me deseja mais como antes. É este que você quer! Este que invadiu nosso quarto e nossa vida - e aponta para mim.

Abrirei então a mochila. Pegarei o canivete... Não... O canivete já não será mais necessário quando eu tiver já morrido por dentro.

sábado, 8 de setembro de 2007

Amor, saudade, cíúme

"Amor é sede depois de se ter bem bebido"
(Guimarães Rosa)

"A saudade mata a gente, morena, a saudade é dor pungente"
(Antônio Almeida e João de Barro)

"Mas na voz que canta tudo ainda arde/Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?/Tanta gente canta/Tanta gente cala/Tantas almas esticadas no curtume/Sobre toda estrada, sobre toda sala/Paira monstruosa/A sombra do ciúme"
(Caetano Veloso)


Era apenas o vazio a sua companhia. O vazio e a insônia, que lhe visitava apenas nos finais do dia, quando dormir era redenção. O cansaço pesava-lhe os olhos, mas não conseguia dormir: havia tanta ausência que dormir não lhe deixaria tempo para sentí-la toda. Não que não dormir fosse uma escolha deliberada, não que este sentido, o sentido do "para quê" não dormir, estivesse claro para ele, mas, sim, podemos arriscar e dizer que, apesar de dizer que não gostava da dor da ausência, não dormia para melhor sentí-la.


E, além da ausência, havia ainda outra dor: é que na cama do outro não havia vazio. Tentava contentar-se com a idéia de que não havia vazio, mas que havia ausência uma vez que ele não estava lá, mas não tinha como garantir que o outro, com sua companhia nos braços, na cama, na hora de dormir, pensava nele, nele que estava sempre tão distante no espaço.


Assim sendo, não dormia, nosso pobre rapaz. Pensava e sentia as dores provenientes do pensar. "Pensamos muito", dizia o outro às vezes, mas como não pensar nas coisas quando elas não são tão simples?


Esta já era a quarta noite consecutiva que, percebendo-se incapaz de dormir, decide levantar-se e passar a noite à janela, olhando o céu e as estrelas, imaginando que estes desciam do céu e vinham fazer-lhe companhia. Mas eram companhia que não lhe bastavam, mesmo que de fato descessem do céu: não era elas que queria. Além do mais, se bastassem, ele teria já voltado para a cama e conseguido pregar os olhos, mas ainda está ali, na janela, fitando o céu.


Ali, era como se as idéias se encaixassem. Era como se pudesse, olhando idéia por idéia, compreender as possíveis conexões, estabelecer paralelos e ir montando o quebra-cabeças do vivido. Foi assim, nesse brincar lúdico com as idéias que lhe afligiam que concluiu e disse em voz alta: "Algo deve ser feito!". A dor era muito grande para simplesmente tentar suportá-la, para ir lidando com ela repetidas vezes, todas as noites em que o outro tinha companhia, todos os finais de semana ou sempre que ambos, por algum motivo, não pudessem se falar.


Não moravam longe, contudo a distância era certamente um fator que contribuia para que as coisas ainda estivessem no pé de complicação em que estavam. Ela era certamente um dos fatores para que nosso solitário rapaz deixasse o outro livre para seguir com seu relacionamento antigo: melhor velar o amor que enterrá-lo de vez, constatando seu óbito. Mas o outro certamente diria, caso ouvisse esta frase: "Mas meu amor por este que me acompanha não morreu!".


- É que aos humanos é dada a miserável percepção da miséria como um considerável ganho, que ser miserável é melhor que nada ser - responderia nosso rapaz no ímpeto de justificar-se e defender sua idéia (que, por si só, já é defesa), apesar de saber que, de fato, o amor do outro por aquele que o acompanhava não deve mesmo ter morrido. Exatamente por isso, seria preciso, agora, fazer algo.


Por não morarem distantes, decidiu que estava a pôr um ponto final em toda sua dor, pegou a mochila por sob a cama e, nela enfiando algumas mudas de roupa, partiu para a rodoviária.


Foi no meio do caminho entre sua casa e a rodoviária que lembrou-se de que havia esquecido o principal: o instrumento que, ao fim e ao cabo, lhe extirparia a dor do peito. Assim, decidira improvisar: comprara um pequenito canivete, diminuto porém bastante afiado, num dos camelôs próximo à estação de ônibus, os olhos vidrados na lâmina e a mente planejando o futuro.


Nada mais tinha consigo a não ser o canivete, as mudas de roupa na mochila, a dor que lhe mantinha em contato com o outro e com seus propósitos e indicações parcas de onde o outro morava. Não sabia nem sequer o que ele estaria fazendo a esta hora em sua cidade, mas isso não era problema: tinha na cabeça um plano e na mochila um instrumento. Havia ainda, contudo, o mais importante: a certeza de que levaria até o fim aquilo que planejara. De que levaria até o fim e com êxito.



No ônibus, repassava as cenas, as falas... Tudo estava ensaiado já para o grande encontro.