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sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O desfalecimento de Clarice

Clarice, ainda sonolenta, ergueu seu corpo da cama e, no curto caminho entre o leito e o banheiro, caiu desfalecida no chão. Por morar só, ninguém havia que pudesse socorrê-la. E embora a frase pareça carecer de sentido lógico ou de validade universal, arrisco-me a dizer que por morar só, Clarice era só.

A solidão de Clarice não nos importa porque não importa à Clarice. Já acostumou-se a ser só. Pergunta-se, inclusive, as vezes, como seria se tivesse que dividir a vida com alguém: talvez tivesse dificuldade de acostumar-se com outra presença além da dela; talvez tivesse dificuldade de aceitar que o modo como vivera maior parte de sua vida até agora é que era realmente insatisfatório. Mas para esta segunda opção, pensaria Clarice certamente que como o que não tem remédio, remediado está, quem não conhece a presença de outro, acompanhado está, e assim não poderia reclamar de ter passado uma vida em insatisfação. No máximo, poderia dizer que "teria sido bom se..." e isso de nada adiantaria.

O que nos importa, contudo, é o fato de que a solidão de Clarice restringe-se à pequenez de seu apartamento. Fora dali, já não é mais só. Por vezes nem ali. A ausência é uma presença que faz doer o peito. Vezes há em que, mesmo presente, a pessoa que agora faz com que a solidão de Clarice restrinja-se ao apartamento dela não a toca de modo tão profundo quanto esta dor da ausência. Será que Clarice anda a preferir a dor à concretude do amor? Difícil... Muito difícil que seja isso, mas também pode ser.

Minutos depois ela acordará. Não comera nada antes de dormir, a despeito dos pedidos dos mais próximos, que andam vendo como ela vem se alimentando mal nos últimos tempos. Penso que seja esse o motivo do desmaio. Quero falar de Clarice, este corpo em pulsante falta de vida. Falar de Clarice como Clarice, quem me dera! Imagino se pensa, mesmo sem consciência. Se pensa, no que pensa?

Ela o vê a sua frente. Toca-lhe leve e suavemente os lábios macios. Ergue sua mão direita e deixa que ela escorregue por trás do ouvido dele. Sente os primeiros fios de cabelo da nuca. Puxa-o, a mão na nuca, para mais perto de seu corpo. E sussurra-lhe então no ouvido: ajuda-me tu!

Não! Ela nada vê a sua frente. Apenas enxerga o escuro de sua própria existência. Clarice não é só, porque não pode ser nada ao ser o que ela é. Clarice sofre de um mal: existe. É isso que enxerga: sua existência, o escuro.

Qual nada! Se ela pensa em algo, se vê algo no estado em que está, decerto é ele. Mas provavelmente não termina sua aproximação com uma frase como "ajuda-me tu". Clarice seria mais ousada e diria: entre para minha vida. E não seria isso também um pedido de ajuda?

Como corre o nosso tempo! Mesmo tendo escrito tão poucas linhas, o tempo que era presente já é passado. Preciso encerrar o testemunho de Clarice. Sou a testemunha dela, desta que já se encontra debaixo do chuveiro, o banho frio para tentar recobrar os sentidos perdidos pelo desmaio. Veja como corre o tempo! Veja como deixo-me distrair pensando no que pode ser que seja, sem ver o que de fato é.

Por isso digo: pode ser que Clarice saia limpa do banho, mas o fato é que agora ela está molhada. E pode ser que Clarice venha a se arrepender da solidão em seu apartamento, mas o fato é que ela não é mais só fora dele, porque tem a companhia de um homem. Pode ser que ela seja feliz com ele, mas o fato é que, por tê-lo, já o é.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A felicidade

A felicidade, de uma hora para outra, como um pequenito choque pelo modo como chega e como uma cicatriz pelo modo fica, passara a fazer parte de sua vida. Outrora julgava ser incapaz (ou talvez indigno) deste sentimento. A felicidade não seria para si, até que, então, fez-se presente. Como queria poder descrever o que vejo que ele sente! E mesmo se conseguisse, não seria jamais fiel, pois o que vejo que ele sente não é, de modo algum, o que ele de fato está a sentir agora apertando-lhe o peito.

Há felicidades que são como um aperto. Um bom aperto no peito. Era isto que sentia a cada vez que olhava para o passado, que retrospectivamente revia o final de semana. Sentia-se feliz e, ao mesmo tempo, alguma coisa lhe apertava o peito: era a saudade, esta que sempre acompanha os bons momentos.

Havia uma certa tensão: como serão as coisas de agora em diante? Mas havia também a certeza de que agora era isso que queria. Certezas são necessárias a uma realização. Passaria o dia então em frente ao computador buscando soluções práticas para que tudo pudesse se viabilizar: um outro encontro, e mais outro e outro. Infinitos encontros e reencontros, reedição de um primeiro, por demais significativo.

Pensava em como queria que o dia terminasse e logo chegasse a noite. Queria estar com ele novamente. Mesmo sem falar com ele ao longo do dia, sentia-o presente, mas queria poder tê-lo mais perto, mesmo que distante. Vê-lo, mesmo que pela tela fria de um monitor.
(Talvez o único modo pelo qual eu vá conseguindo exprimir o que ele sente seja assim: parágrafos soltos, desconexos. Talvez assim eu me aproxime da realidade do que é sentido. Mas prefiro retirar-me e ainda deixar que ele sinta. Quem sabe mais tarde ele não consiga concatenar melhor as idéias e me ditar um texto coerente?)

A felicidade e a saudade, de um hora para outra, faziam parte de sua vida.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O atraso

Era costume. Olhava o jornal todos os dias. Sempre bom poder saber as coisas que acontecem, apesar de nunca ter encontrado nada que lhe dissesse respeito diretamente. Quer dizer, a não ser aquela vez em que disseram que todas as pessoas ansiosas podiam ficar tranquilas, pois os cientistas (sempre eles) haviam encontrado a cura para elas. Felicitou-se com a notícia, ligou para os amigos para contar, fez festa, economizou dinheiro para o remédio que, imaginara, seria caro. Ansioso que era, não percebeu que a notícia não era feita para os ansiosos, apesar de falar deles.
Hoje, pela segunda vez em toda sua vida ou em todo o tempo que checa os jornais, encontrou uma notícia que lhe diz respeito. É que no jornal dizia: "Metade dos vôos cancelados no Rio de Janeiro".
Sim, ia viajar ainda hoje. Não era viagem comum, era daquelas por que a gente espera por um bom tempo e quando tem a primeira oportunidade, se aferra à ela. Como diziam os gregos, a deusa Oportunidade é muito fugidia, com seus cabelos grandes. É preciso saber o momento de agarrar o cabelo da Oportunidade e seguir com ela.
Hoje iria encontrar quem tanto esperara. Não bastasse a ansiedade já inerente a si e a ansiedade gerada pela viagem e encontro, ainda a maldita notícia no jornal.
Sentou-se e pensou o que fazer. Poderia ligar para o aeroporto, poderia correr para a rodoviária e pegar um ônibus. Poderia ligar para a Companhia Aérea.
Sim! A Companhia Aérea! E correu para o computador novamente. O coração extravasado, batendo nervosamente. As mãos trêmulas digitaram o endereço eletrônico da empresa. Sessão de vôos...
Não conseguiram crer seus olhos quando viram que apenas um dos vôos não havia saído. Pequenos atrasos talvez, mas nada que pudesse atrapalhar aquilo que o motiva, neste momento, a terminar de fazer as malas e partir para o aeroporto: a certeza de que uma viagem e o final de semana irão valer a pena.
No avião, imaginava como seria o encontro.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Do existir do bobo

Houve um tempo em que andar já não era preciso. Era preciso apenas ficar sentado, no canto, refletindo e deixando cada dorzita doer.

Neste tempo, havia o bobo que, como qualquer bobo, ficava a zanzar por aí, sem rumo. Seu único projeto era fazer de si o que era a todo momento: um bobo, e seguia negando dentro em si a necessidade premente de calar-se, recolher-se e pensar sobre cada coisa que poderia lhe afligir. Mas as coisas só lhe afligiriam caso, exatamente, parasse, se calasse, se recolhesse... Só assim tais coisas lhe apareceriam à consciência em seu pleno vigor.

Por ser esse um processo doloroso, contudo, o bobo decidiu fingir que não via o que via. Não é que não saiba que sabe, ele sabe que sabe, mas finge que não sabe. E assim vive. Vive ou viveu, que os tempos verbais todos misturados na história do bobo servem para falar da besteira de crer que, através das palavras, seria capaz de esconder-se de si e dos outros.

E foi assim que morreu: bobo, sem nunca ter pensado que, na vida, poderia ter sido outra coisa.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O dedo mindinho

Estávamos os dois na cama. Meu corpo sobre o dele. Transávamos. Tudo bem que eu sempre tinha tido interesse por aquela carne gorda do Leozinho, mas não esperava que ele fosse tão mal-dotado de tudo. Apesar de minhas amigas sempre dizerem que gordo em geral tem pau pequeno e grosso, eu teimava em imaginar que o Léo era diferente.

Mas enfim, estava lá eu, trepada nele. Nada ainda. O sexo ainda iria demorar. Não muito, mas levaria mais uns cinco minutos, que é o tempo que leva com caras como o Léo. Aí ele pediu:

- Me chupa.

Eu olhei com aquela cara de "agora descubro como é" e desço a minha cabeça. E me deparo com meu dedo mindinho. Não o verdadeiro. É que o pau do Léo é do tamanho do meu dedo mindinho!
Começo a chupar aquela coisa finésima. Ele visivelmente estava em êxtase. Duvido muito que tenha encontrado mulheres dispostas a fazer o que eu estava fazendo aquele momento. Tem que gostar muito de um gordinho para fazer aquilo. Ou tem que se gostar muito pouco.

E aí foi quando o tal pensamento me invadiu, doutor. Como que pensamento?! Te falei no começo da sessão! A idéia de que eu sabia quando ia morrer e não ia demorar. Eu tinha mais uns dois anos de vida. E pensava: sempre falei com minhas amigas que eu morreria antes dos trinta.

Ainda falta muito pros meus trinta e faltava só dois anos pra eu morrer. Fiquei louca! Eu, com tanto pouco tempo de vida e ali, chupando meu dedo mindinho!

O que fiz? Ué, aí fechei o olho bem forte quando estava ainda chupando o Leozinho. Bem forte mesmo. E comecei a repetir na minha cabeça: acorda, Lorena! Acorda, Lorena! Acorda, Lorena!

E acordei!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Livro de Receitas - Como se assustar e querer sair correndo em sete passos simplérrimos!

1 - Pegue 10g de raciocínio e (pasme!): pense! Por que você sempre encontra aquelas pontas de aterro que não querem compromisso, que terminam com você diante da primeira dificuldade, que não pensam em trabalhar e só curtem a vida? Porque você sempre vai para os mesmo lugares. Pegue então um punhado de motivação (1 colher de sopa basta) e 3 amigos. Coloque isso tudo num carro, táxi, ônibus ou num tênis transado e encaminhe-se para um lugar diferente de todos os lugares que você costuma frequentar.


2 - Ao chegar no lugar que você nunca esteve antes, olhe ao redor. Salpique 0,5L de perspicácia em seu cérebro e tente perceber se as pessoas que estão ali são de fato diferentes das que você costuma sair... Quer uma dica? Se nenhuma de atrair assim, de cara, é porque você está no caminho certo!


3 - Apesar de não ter se sentido atraído por nenhuma das pessoas dali de cara, use 2 dentes de coragem e insista com seus amigos, que a esta hora já terão dado meia-volta suplicando para ir para a festa gótica ou para o baile funk, entre e sente-se em alguma mesa, encoste-se em algum balcão... Enfim, seja persistente e fique por lá, mesmo que esteja se sentindo um tanto quanto desconfortável.


4 - Escolha o alvo. Olhe para ele. Encare-o. Se tiver oportunidade, diga "oi" e saia andando. Espere novamente. Em algum momento ele virá.


5 - Ele veio? Trate-o super-bem, como você só trata os filhos dos outros, o cachorro dos outros, o namorado dos outros. Enfim, demonstre interesse. Como sabemos que essa é uma tarefa difícil, porque você não está acostumado com pessoas normais, carinhosas etc. e sim com "aquele tipinho" de gente que você sempre sai, vai aqui uma dica: pincele com um pouco de fantasia aquilo tudo e imagine que ele, na verdade, é o príncipe encantado, a arca perdida ou qualquer outra coisa que você julgue ser muito valiosa (não vale pensar em nenhum MC ou DJ!)


6 - Por fim, leve-o para sua casa ou vá para a dele. Com o passar dos dias, cozinhe para ele. Continue tratando-o bem que em três dias você vai ouvir o que você nunca ouviu em três anos de namoro. No começo vai soar estranho, mas com o tempo você vai até poder acreditar que está se acostumando com ele dizendo: "gosto de você", "te amo" e "você é muito importante para mim".


7 - Pronto. Agora é só colocar isso no forno e esperar que dentro de uma semana você já vai estar no ponto, querendo correr que nem um louco e achando que o outro é um ET.


Observação: se algum amigo seu mais engraçadinho e metido a inteligente disser que você não sabe ser amado e que precisa de terapia, não caia nessa. Saudável é quem sabe ser feliz e você se diverte muitíssimo depois de ter bebido meia garrafa de vodka no pagodinho de domingo, não é verdade?