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sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Saudade de você que nem existe

Ei, querida, queria te dizer que sinto sua falta, mas de que adiantaria? E de que adiantaria não dizer, também? Sinto sua falta e isso é tudo. Mas não sei se sinto falta de você. Não é de teu corpo que sinto falta. Há muitos corpos em volta de mim. Para onde olho, um novo corpo. Não é do teu corpo que sinto falta e nem de você. Sei que é complicado, mas me acompanhe que você será capaz de entender. Talvez não hoje. Hoje, nem sempre, é a hora.
O que o outro é para alguém senão uma fantasia? Uma fantasia concreta. A concretude da fantasia-outro não anula a fantasia. A fantasia-outro é um infindo carretel de possibilidades. Somos nós que escolhemos os fios com que iremos tecer o outro-fantasia.
Você-fantasia. É disso que sinto falta. Sinto falta em você de tudo aquilo que você nunca foi e nem nunca poderia ser, a não ser para mim. A não ser em minhas idéias. Ainda assim, gosto de você, mesmo com a certeza de nunca receber o desejado. A reciprocidade é o sentimento que temos de estarmos sendo correspondidos por nós mesmos na fantasia-outro que criamos para o outro. O que tivemos foi recíproco, pois dei ao você-fantasia de você tudo o que eu queria. Recebi tudo em troca naquele tempo em que estivemos juntos.
Você... A pessoa com que sonhei desde pequeno, quando imaginava as luzes vermelhas de uma cidade grande esfumacenta, e suja, e cheia de ruídos e de dinheiro. Me imaginava em uma casa grande, um apartamento cosmopolita de uma cidade cosmopolita e minha esposa cosmopolita. Você-fantasia era essa esposa e dei a você-fantasia tudo o que eu precisava em você e recebi tudo em troca, mesmo sem você ter, de verdade, me dado qualquer coisa. Somos nós que nos damos o que queremos. Isso é tudo. Errados são os que esperam que o mundo e o outro entreguem aquilo que desejam. Errados são aqueles? Talvez eu mesmo é que esteja errado, mas como foi bom acreditar que você me dava tudo, você que não era você-concreto, agora sei. Me relacionei com o você-fantasia de você e é dele que sinto falta.
Qual a vantagem em se relacionar dessa forma? Se nada é concreto... Se mesmo distantes eu ainda pudesse dar ao você-fantasia de você tudo aquilo que eu desejo. O problema é que a fantasia de você, que é sobre o que falo, é criada a partir de você. Necessito de sua corporeidade. Não preciso de nenhum ato seu, de nenhuma entrega. Quero apenas você ao meu lado, mero objeto que eu possa mirar e dotar daquilo que necessito e crer que recebo de volta o que na verdade sou eu quem me dou.
Mas, queride, esqueça toda essa profusão sem fim de palavras. A verdade... A verdade... A verdade é que sinto saudades de você, que nem existe.

Nós

Como nascem os nós? Tem um nó em mim. Tenho nós em mim, eu que sou um só. E não fui eu quem o atou. Para que servem nós? E para que os atamos? Tem um nó em mim e não sei o que fazer dele sem que ele me escape. Os nós são rápidos e fogem de meus dedos. A cada toque, sinto-os mais apertados, como nosso ser que quanto mais o procuramos, menos encontramos e mais nos afundamos neles. A interioridade é complicada. Viver para dentro é nunca saber onde se chega, porque depois do fim há um recomeço. E o recomeço, apesar de "re-", nunca é o mesmo começo. É um começo novo, de outro ponto. Dentro de mim há um ponto que não entendo. Ele está na minha garganta e é um nó. Tenho um nó na garganta. Para que serve o meu nó?
A cada toque, penso: ele não irá atender. A cada toque, meu nó se ata mais. Se me volto para mim, são dois toques: o do telefone - e o nó aperta a cada tom na linha sem resposta do outro lado - e o meu toque, este de quando olho para dentro - e o nó aperta em mim a cada nova tentativa de desatá-lo. E se os toques parassem? Para que servem os nós atados pelos toques? E se os dois toques são ruins, para que os deixo tocarem?
Desligo o telefone. Deito em minha cama. Desisto.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O Camelô

Senhores, boa noite!
Antes de tudo, eu gostaria de pedir-lhes desculpas por atrapalhar a calmaria de suas viagens, o silêncio deste ônibus... Mas eu poderia estar matando, roubando, assaltando ou qualquer coisa que o valha... Não, senhores! Nunca! Em vez disso, estou aqui e, mais uma vez, humildemente peço-lhes desculpa pelo incômodo.
É que o amigo traz aqui, hoje, para os senhores, uma novidade. Antes de tudo, já vou logo para a parte final: é que estas coisinhas que lhes trago não são vendidas em loja. Quer dizer, em qualquer padaria, mercado, loja de doces, em lugar algum os senhores encontrariam o que o amigo traz aqui hoje.
Por isso, senhores, elas não têm preço. Sim, não tem preço. E isso, então, os senhores já devem ter percebido, não se trata de comércio, que eu tenho meus meios de ganhar a vida honestamente sem precisar incomodá-los.
A bem da verdade, senhores, essas pequenitas bençãos vendem por aí sim. Mas quem as vende, não as têm de fato e tudo não passará, portanto, de malogro nas mãos de outrem que não eu.
Afianço-lhes que o que digo é verdade e os senhores irão concordar comigo ao final, espero. Quem as vende, não as têm e, eu mesmo, por alguns instantes cheguei a crer não tê-las mais. Sim, quase saí pondo-lhes um preço: o preço da atenção que precisava sentir a mim sendo dispendida pelos outros.
Estes outros, todos, me cobraram. Preço alto. Mas as dores passaram - ou passam, ainda.
Pois, senhores, o que lhes trago hoje são apenas coisitas diminutas e muito fora de uso. Peço, contudo, que não se envergonhem em usá-las e em pedí-las, por mais que lhes soe estranho e que os outros passem a olhar para vocês como se vocês fossem parte de um passado muito distante e sombrio, quando estas coisas que lhes trago ainda eram de uso corrente.
O que lhes trago, senhores, são coisas simples e diminutas, sim, e não têm valor algum, por isso é errado vendê-las, afixar nelas preços altos e dores que escondem-se na parte de "efeitos colaterais" da bula que - pasmem! - nunca nos entregam quando compramos tais produtos. Pois é... Temos que descobrir o texto da bula experimentando. E posso dizer-lhes, com a sapiência de quem pagou para ver e viveu: os efeitos são lancinantes.
Pois que o que lhes trago hoje, senhores, esta noite são coisas bobas, tolas e piegas: carinho, atenção, amor e disposição.
Agora, o amigo vai passar pelo corredor e quem quiser...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Necessidade do Grito

Tudo o que quero é ver-me livre. Livre de tudo e que em tudo esteja, também, eu. Ah! Sinto-me como um bicho perseguido por dezenas de caçadores: cercado, acossado: sou um bicho perseguido. E tudo o que eu queria era ver-me livre de todo o peso, Senhor! Ah Deus meu, para que lado corro? Queria achar-me e perder-me de mim, tudo ao mesmo tempo: isso é a verdadeira liberdade. Ser e não ser eu: eis o meu desejo, que é mais mesmo uma necessidade. Sou bicho de bueiro perseguido por outros bichos de bueiro, raposa perseguida pelos caçadores. Mas tenho carne ruim e, valha-me Deus!, que eles desistam.
Tento bravamente fugir, mas não sou bravo. O que me falta é coragem. Há faltas que são como dores e há aquelas que causam dores. Não tenho coragem e dói-me. Sinto doer por dentro: a dor da culpa e da solidão são as que mais doem. Doem tanto que, por vezes, penso que sucumbo. Mas volto e recomeço a sentí-las sempre e de novo e volto à fuga incessante, infinda, injusta e insana: fujo de todos e de mim. Queria olhar-me e não ver.
Tenho a sensação de que, como bicho, sou visto a cada momento. Tenho olhos pesando sobre mim e trago comigo um peso. Já são dois os pesos que carrego, que trago por sobre mim olhos e expectativas. Muito se espera de um bicho em fuga. Primeiro, espera-se coisa boa e por isso se quer capturá-lo (ou capturar-me, que é o que se dá). Depois, há o que há de ruim e que, para os outros, se confirma com a fuga: se foge, é que tem culpa, pensam eles.
Não tenho culpa. O que tenho nem sei. O que tenho? Talvez o que tenha seja essa necessidade de nada ter. E que no nada inclua-se tudo. Não quero ter que ter tudo. Ah! Como as obrigações são maçantes! Como é chato ter que ser presente quando tudo o que se precisa é de ausência. Retiro-me do mundo e o mundo me caça. Nas distantes cavernas em que eu me escondo de mim, o telefone me acha e toca logo cedo, de manhã, eu ainda na cama, o corpo mole e a cara inchada. Toca e eu atendo: alô, eu digo, não estou nem para mim mas estou para a voz do outro lado da linha, que responde, que responde, que responde, que sempre responde e liga novamente, e desliga e religa e me liga sempre!, sempre me querendo à disposição minha atenção meu olhar minha voz meu alento eu atento mas não estava agora mesmo nem para mim e digo alô pois não do que precisa e dou minha voz amiga e dou minha compreensão mas é sempre pouco: tudo é sempre pouco quando o que querem é você todo, quando o que querem são eles mesmo, eles que não se acham e pensam que vão se achar em outro. Pior é quando o outro é você e hoje, o outro de que precisam sou eu: bicho acossado, bicho foragido, bicho.
Então, tenho de acordar todos os dias e, além da roupa e da vida, tenho de vestir o peso da vida dos outros, tomar-lhes as escolhas como se fossem minhas. Tenho mesmo?, penso eu, e toca o telefone e digo alô pois não do que precisa e dou minha compreensão e ouço o choro soluçante e a cobrança nas entrelinhas "quando você vem vem em casa" perguntam e eu respondo que em breve e "breve é quando" perguntam e eu não tenho o direito de ficar com raiva pois se dizem isso é de saudade e saudade deve ser premiada e não punida que saudade é sentimento bonito. Mas não me censuro, não me controlo e, bicho que sou, respondo que não sei, que pode levar dias, semanas ou meses. É difícil de saber dessas coisas da vida. Eles, contudo, sempre tão indecisos, têm apenas uma certeza: a de que a vida deles é a minha, a de que somos uma amálgama, uma coisa estranha. Por vezes sinto que devo dizer que não sou eles, que eu sou eu, mas quero me ver livre inclusive deste eu que tenho de afirmar diante deles. Por vezes sinto-me sujo pelo incesto não cometido, sujo pelo incesto cometido, pelo não cometido que cometi e deixei de cometer. Sinto-me sujo, bicho de bueiro, bicho acossado e perseguido e sujo.
Ah! Valha-me Deus que me esvaio de mim num grito. Minha voz me liberta, mas menos de mim, que minha voz ainda sou eu. Valha-me Deus que me atiro do alto deste prédio que sou eu mesmo, valha-me que atento contra mim, que tento ser eu e viver sozinho, ah! valha-me senhor que agora corro o arriscado risco de existir.
Sabe? Tem momentos em que a dor muda e vira dor mesmo. Sim, a dor da falta de coragem de que já falei antes, ela vira dor de verdade e agora me aperta o peito. Ai! que sinto dores no peito e penso na morte. Será a morte o caminho?, Decerto, um caminho, mas ainda não me enveredo por ele e me enveredo por ele todos os dias. Desse caminho, sei, não tenho escolha: percorro-o sempre, e que chegue sem demora, que chegue sem demora essa solução. Eu preciso de uma vida. Eles precisam de outra, mas não percebem que vivem a minha como se deles fosse. Quero viver por mim, somente, por mim e quando decido isso toca o telefone mais uma vez e digo alô pois não posso lhe ajudar e sempre solicito ouço do outro lado a voz que me cobra que me ajuiza que me aconselha em tom paternal e me diz para nao gastar com comida para gastar com comida e não gastar com comida para não ir a restaurantes caros e nao ter a vida que tenho que a vida é a que eles tem humilde frugal modesta isso sim é vida e não os restaurantes caros a que os levo sempre que posso. Para os diabos! Sou bicho acossado mas sou bicho do capeta e mando todos para o inferno. Que a vida e minha e deixem-ma viver.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Do Pequeno Príncipe

Coincidências há que não se compreende. Certos acontecimentos devem permanecer calados no canto da parede de tempo em que aconteceram para que, de onde estamos agora, possamos olhá-los em busca de compreensão. Por mais que se olhe, contudo, as percepções sempre mudam e assume-se tarefa impossível essa de dar conta de todo o surpreendente acontecido:
Pois que foi em uma noite suja que se falaram pela primeira vez e na primeira noite suja em que não se falaram vez alguma, metade deles (que é o mesmo que dizer "um inteiro") sentiu falta da palavra do outro, que não vinha, que não vinha.
Lembrou-se então, súbito, da raposa e do príncipe: "venha sempre todos os dias no mesmo horário", ela disse, "pois assim cria-se a expectativa", ela disse, "e com o tempo, virá... a saudade".

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Compreensão (Resposta à Amira)

Quanto mais gostava de alguém, menos era ele mesmo.
Quanto menos gostava, mais se revelava.
Os primeiros, por isso, o abandonavam.
Os segundos, por isso, se encantavam.
Pelos primeiros, morreria.
Dos segundos, sempre fugira.
E agora, você pode encontrá-lo numa esquina ou dentro de seu quarto lamentando todos os amores que amara e deram errado e todos os não-amores que o amaram e que ele rejeitara sumariamente.
Na percepção de que, sendo si mesmo, algum amor lhe é devotado, sente-se bem. Mas sente-se mal pelo medo que tem de ser ele mesmo quando mais lhe é necessário, diante de quem ele gosta. E pensa: "Se sei que sendo eu, conquisto... Se sei que não sendo eu, gero repulsa... Percebo que meu projeto de não ser sozinho no mundo, em verdade, é apenas a máscara do meu projeto de ser fracassado no amor, porque mesmo sabendo o caminho (que é ser eu mesmo diante de quem gosto), insisto em não seguí-lo e há aí, então, uma escolha deliberada pela solidão e pelo sofrimento amoroso".

A Imagem Morta

Tendo metido desperançadamente seu pau na buceta úmida da mulher, pegara a espingarda no velho armário embutido no alto da parede suja do corredor, escurecido pelas sombras de um final de tarde, trancara-se no banheiro e disparara a arma enfurrajada pelo tempo.
Aquela espingarda havia pertencido ao bisavô, conhecido caçador de lebres no interior, de onde a família toda viera. Depois passara para o pai de seu pai, e para seu pai: sem serventia, restou à arma ficar guardada e escondida, como uma lembrança vergonhosa, nos armários das casas porque passara. Agora pertencia a Ernesto e soltava fumaça pela ponta do cano duplo, quente e cheirando a pólvora.
As paredes do corredor, que iam dar no banheiro, ficaram alvoroçadas com o barulho: o que havia acontecido ali ainda não sabiam e nem lhes seria permitido saber.
A moça no quarto ainda dormir e não fora, surpreendentemente, acordada pelo barulho no cômodo ao lado. Havia muito que não se entragava a um homem e o labor fastidioso lhe exaurira. Dormir lhe acenava após sexo infindo como uma possibilidade melhor do que a de conversar com Ernesto.
A companhia do homem lhe era bastante agradável e ainda há uma hora, teria preferido continuar no restaurante a ir para a cama, mas algumas opções não nos são apresentadas quando mais precisamos delas e teve de levantar-se quando Ernesto retornou do caixa com um sorriso leve nos lábios.
- Quer alguma coisa antes de voltarmos para casa? - ele perguntou.
- Não. - respondeu secamente. Teria preferido ficar no restaurante, mas agora já era tarde.
Ernesto, ao chegar em casa, abriu as cortinas da sala para deixar a luz alaranjada do fim de tarde iluminar os cômodos e encaminhou-se para o quarto. Helena seguiu-o, um pouco ansiosa, um pouco sem vontade. Sabia o fim que aqueles passos teriam.
Não passara muito tempo até que sentisse as mãos áridas dele tocando-lhe a bunda e o vão entre as pernas. Ernesto nunca tivera muito jeito para o sexo. Era-lhe difícil respeitar a feminilidade de uma mulher e, por isso, dificilmente conseguia fazer com que suas parceiras gozassem.
Sua sorte é que nascera brasileiro: esse lugar de mulheres sexuadas, mas dissimuladas no jeito. Nunca tivera dificuldade em conseguir levá-las para cama, entretando nunca conseguira delas o que lhe seria útil: uma verdade.
Sentindo a mão pesada de Ernesto em sua buceta, Helena só conseguiu tirar de si um gemido, menos de prazer que de dor. E logo que olhou para baixo, viu que Ernesto se sentava na beirada da cama de casal, seu pau rígido debaixo das calças; aquele pau conhecido de Helena, que mesmo ruim no sexo ela acabava cedendo aos encantos e necessidades do antigo parceiro de bar e ideologia política.
Quando ligara para Helena aquela manhã, Ernesto tinha uma idéia em mente. Ainda jovem prometera a si que, caso não tivesse constituído família até os 47 anos de idade, e constatando então sua inutilidade para o mundo, não apenas pela falta da paternidade ou conjugalidade, mas também por qualquer outro motivo que lhe viesse à lume nesta idade, riscaria-se da vida sumariamente.
No entanto, tinha seus orgulhos. Aos 47, muito eles haviam crescido e, fiel à sua promessa, viu-se, como dizem, entre a cruz e a espada, ou entre o fracasso e a possibilidade de reparação. Muito difícil era para ele extinguir-se do mundo sem haver, mais uma vez, tentado.
Entre as frases trocadas com Helena pelo telefone, perguntas feitas e respondidas, deu-se o convite para o restaurante. Helena entrevira na fala o sexo ao final da tarde. Com Ernesto, ela sabia, as coisas eram mesmo assim: os desejos ficavam subtraçados no discurso; tinha-se que adivinhá-los caso não se quisesse correr o risco de surpresas. Ainda assim, com a promessa pouco convidativa de uma trepada até o começo da noite, aceitou o convite e foi almoçar com o antigo amigo.
Tão logo pode, Ernesto pediu a conta ao garçom. Queria logo terminar com tudo aquilo. Queria logo a consciência de que, ao menos antes do fim, tentara verdadeiramente mais uma vez, ao menso, procriar.
Em casa, já no quarto, foi logo esfregando a mão rude na bunda de Helena e, deixando-a correr pelos quadris largos da mulher, apalpou aquela buceta já conhecida, mesmo por cima da calça, esperando que já estivesse molhada. Não gostava de enrolações. O sexo era algo a ser consumado rapidamente, talvez por culpa cristã, talvez por uma necessidade gritante. Ernesto confiava boa parte de seus atrativos sexuais ao poder de sua mão de homem.
Helena abriu o fecho de sua calça e deixou-se cair na cama. Ernesto despira-a rapidamente. De pé, despiu-se de súbito e deixou seu corpo cair sobre o da mulher. Sentiu seu pau roçando a carne levemente úmida de Helena. Ela, com os olhos fechados, pensava em Fernando, sua paixão de adolescência, quando sentiu a carne abrutalhada dele aferroando-lhe fundo o ventre, e agarrou-se à imagem de Fernando como um moribundo à vida, ao passo que Ernesto, o verdadeiro moribundo, percebeu o ridículo de seu esforçoe decidiu puxar seu pau para fora do corpo de Helena, ao que disse:
- Ah! Helenita, me desculpe... Não posso... - e deixou sua cabeça cair no colo da mulher.
Sem saber o que fazer, Helena agarrou-lhe os cabelos e começou a acaricíá-lo, em parte satisfeita pelo fim, em parte temerosa dos motivos que impediam Ernesto de ter um orgasmo: seria ela? Poderia continuar uma conversa, mas talvez fosse melhor não dizer nada.
Pouco tempo seria necessário para que Helena adormecesse e não acordasse com o barulho alto no banheiro ao lado do quarto, nem como o barulho sussurrante das paredes do corredor, curiosas por saber o que estava acontecendo.
Havendo pegado a espingarda no armário do corredor, Ernesto trancara-se no banheiro. Cinco segundos fora o tempo necessário para que percebesse duas qualidades que não sabia ter: era um grande covarde e um esperançoso, se é que esperança e covardia não são frutos de uma mesma temerosidade.
Levantou os olhos, as mãos trêmulas de medo, a morte sentada na banheira a espiá-lo de longe, mas já entediada e certa de que perdia tempo como quase sempre com os suicidas. Ernesto pode ver, então, sua imagem refletida no espelho por sobre a pia e, segurando firmemente a arma de herança, disparou um tiro contra a imagem de um Ernesto antigo, que acabara de morrer ali, mas sem que a morte pudesse tirar proveito.
Já não havia espelhos para que ele pudesse ver a imagem de um novo Ernesto. Mas havia ouvidos e lábios e ainda um filete de voz, trêmula e fraca por tudo o que ele acabara de viver naquele pequeno cômodo. Com este ouvido e esta voz fraquejante, Ernesto abrira a porta do banheiro, voltara cambaleante para o quarto e, sacudindo Helena para que ela acordasse, disse-lhe:
- Helena, me ensine a amar.
Ela puxou-o para si e começou a acariciá-lo novamente e morrera 15 anos depois sem saber que fora ela quem dera aquele que ainda veio a ser seu marido, Ernesto, uma chance de viver novamente.