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sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Nome da Cidade (Caetano Veloso)

Onde será que isso começa
A correnteza sem paragem
O viajar de uma viagem
A outra viagem que não cessa
Cheguei ao nome da cidade
Não a cidade mesma espessa
Rio que não é Rio: imagens
Essa cidade me atravessa
Ôôôô êh boi êh bus
Será que tudo me interessa
Cada coisa é demais e tantas
Quais eram minhas esperanças
O que é ameaça e o que é promessa
Ruas voando sobre ruas
Letras demais, tudo mentindo
O Redentor que horror, que lindo
Meninos maus, mulheres nuas
Ôôôô êh boi êh bus
A gente chega sem chegar
Não há meada, é só o fio
Será que pra meu próprio Rio
Este Rio é mais mar que mar
Ôôôô êh boi êh bus
Sertão ê mar

terça-feira, 23 de junho de 2009

Pequeno Acontecimento Anti-Cotidiano

Quando acordei do sono profundo em que estava, ouvi o barulho. Ou talvez tenha sido acordado pelo barulho e o sono não era tão profundo assim. Era a realidade do mundo me convocando: "volte! volte!".
O prédio era alto, quase um arranha-céu carioca, e eu estava no sétimo andar. Meu computador brilhava diante de meus olhos. Uma planilha me olhava e, sedutora, pedia: "Me preencha! Me preencha!". Inebriado por aquele pedido sedutor, eu inseria números, nomes, combinações alfa-numéricas y otras cositas más. Estávamos, eu a planilha, quase no momento de gozo quando então, com a vista cansada, eu me levantaria e tomaria mais um café com água gelada.
A empresa andava calma por estes dias. Sim, era um prédio corporativo e eu... Eu estava no trabalho.
Que não me venham com absurdidade ético-morais. Nada de questionamentos sobre meu papel nem ao menos sobre o que eu deveria ou não fazer. Acho que já deu para ficar claro que, em verdade, nunca dormi no trabalho. Não consigo. Por mais que eu tente, sentado na privada de uma das cabines do banheiro, relaxar e tirar um cochilo, nunca consegui sequer deixar meus olhos fechados por mais que um minuto.
Bem, mas voltando a mim e à planilha, estávamos quase no gozo. Foi quando ouvi o barulho. O suave ruflar de asas canoras. E um pio tímido. Tímido. Tímido. Que foi crescendo, crescendo, crescendo, crescendo, cres-cen-do, c-r-e-s-c-e-n-d-o! E mais, e mais, e mais! Todos do andar escutaram. Era um pássaro. Preso no gesso do teto rebaixado. Preso naquela escuridão.
Eu e os outros, nós estávamos à luz do dia e da luz branca corporativa. Estávamos sob o júdice das câmeras de segurança. Ele estava na escuridão daquele espaço entre o teto e o gesso. Ele cantava. Eu preenchia minha planilha. Eu e os outros, todos preenchíamos planilhas. Alguns falavam ao telefone.
Ao piar do pássaro e ao ruflar de suas asas, tudo parou. O mundo suspendeu-se de si. Ouvimos uma voz vinda do mesmo espaço entre o teto e o gesso. Alguns diziam que era apenas o cantar daquele pássaro, mas eu e outros dizíamos: "É ele! É o mundo! E ele nos chama: 'voltem! voltem!".
E sem pegar nossos objetos pessoais, sem desligar computadores, sem avisar aos familiares, descemos em disparada pela escada, ultrapassamos as catracas do prédio, perfuramos as ruas apinhadas de carros e atingimos certeiramente o mar, onde nadamos até perder nossas forças e morrermos em liberdade.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

No caminho, com Maiakóvski

(Eduardo Alves da Costa)

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.