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terça-feira, 14 de julho de 2009

Arraiá do Sórrindo


"O alcance de um trocadilho, de uma boa inversão frasal
ou de um bom uso de regionalismo é incalculável"
(Empregados da empresa X, organizadores do Arraiá Sórrindo)

Fernanda é uma gestora em uma grande corporação. Rogério, seu subordinado. Trabalham na área de Recursos Inanimados e Anti-Idéias Criativas da empresa que, há anos, é responsável pela maior fatia no mercado de devastação ambiental da América Latina (este nicho, considerado ilegal nos idos anos 00, agora era abertamente considerado altamente rentável pelo gorverno que, por sua vez, conseguiu convencer a ambientalistas e humanistas que o ideal seria acelerar o processo irreversível de destruição do planeta).
Quando chegou no setor a notícia de que uma área da companhia iria fazer um Arraiá Julino, Fernanda colocou Rogério no encalço da idéia.

- Pois os empregados podem perceber como uma festa é agradável! Impeça! - disse ela.

Rogério esboçou uma cara de insatisfação. Há tempos não concordava com as mudanças ocorridas no seu setor, outrora conhecido como "Setor de Recursos Humanos e Idéias Provocadoras", e, infeliz, apertou mais uma vez o botão vermelho ao lado de seu laptop, sobre o qual lia-se "Botão das Anti-Idéias".
Imediatamente, gases obnubiladores de consciência vazaram pela tubulação até atingir todos os empregados do setor festeiro e o arraiá desfez-se.
Rogério não conseguiu dormir aquela noite... Ficou pensando em todas as transformações que aconteceram em seu setor, na postura de Fernanda naquele dia. E foi então que teve uma idéia anti-anti-idéia: iria propor à Fernanda um arraiá, garantindo-a que isso serviria como anti-arraiá para todos os demais setores, pois tudo que o setor de Recursos Inanimados e Anti-Idéias Criativas fazia tornava-se imediatamente idéia abominada por toda a empresa.
E assim foi feito. No dia seguinte apresentou sua idéia à Fernanda que, apesar da resistência inicial, abraçou a proposta.
Foi assim que aconteceu o Arraiá do Sórrindo, nome que fez todos os empregados da empresa rirem desesperadamente. Apenas Fernanda e os demais executivos acreditaram que eles riam de medo da comemoração e que a lição estava ensinada. Mas Rogério e todos os outros sabiam que "O alcance de um trocadilho, de uma boa inversão frasal ou de um bom uso de regionalismo é incalculável". E sorriram desesperados: pela primeira vez em anos debocharam de seus executivos, exorcizando bons velhos fantasmas.
Depois daquela data, todos os empregados da empresa X passaram a referir-se ao Arraiá do Sórrindo como "o dia em que fomos felizes novamente" e Rogério e os demais não ficaram por muito tempo na empresa X, pois pensavam diferente.
Devagar, a empresa X saiu do mercado: não encontrava sequer um profissional disposto a trabalhar com eles: era a semente de Rogério e dos demais dando frutos.