É do escuro que escrevo estas linhas. Bem de cá. Do escuro.
A dor esbraseia-me o peito. Arde. Torna-se difícil segurar e não deixá-las rolar. As lágrimas. É que insistem no limite entre o que há dentro e o que há fora e fazem força para sair. Querem-se ver, como tudo, livres de mim.
Queria também, como as lágrimas, poder livrar-me de mim. Não encontrei meios, que nem a morte me vale. Se morto, já não existo, mas quero livrar-me de mim em vida. Nessa vida em que já nem há unhas para que eu roa.
A dor. Mais como um incômodo. A felicidade dói. É como uma escada grande apoiada em um muro: a qualquer balanço, pode cair para trás e dói: a frustração. Tenho pouca resistência a esses tombos cotidianos.
A qualquer tombo, desisto. Sim, fácil dizer: pegue a escada, escore-a novamente no muro e galgue os degraus em mais uma tentativa. É que o medo de que caia novamente é maior. Não é para mim a felicidade.
Escrevendo, a dor se apacenta e parece nem ter estado por perto. Mas é que as lágrimas já me fugiram, todas as rebelditas que queriam escapar daqui. Há ainda algumas delas, mas prendo-as com força no fundo da garganta. Não é como um nó, assim como dizem, é mais como um pequeno depósito de lágrimas quentes. E as seguro, presas, dentro em mim.
É do escuro que escrevo estas linhas. A luz não vai bem em todos os momentos. E há sempre o dia. O maldito dia. Não há como escapar da luz em dias de escuridão. Da escuridão escrevo, mesmo com as luzes acesas, que a escuridão é de dentro.
Estou em um dia de avesso. Estou num dia em que o dentro está ao avesso. E escrevo sobre ele, que ele se mostra.
Tomo meu pequeno depósito de lágrimas quentes. Engulo-o à força. Sinto o incômodo passar pelo esôfago e bater forte, como fruta caída do pé, no estômago. O suco gástrico jorra e agora queima-me o esôfago, que duramente abrira passagem para o agrupamento de lágrimas engulidas. É ele que sofre agora junto a mim. A queimação.
Que o corpo sente o que é dele e o que a ninguém pertence. Não há mal pior que o corpo, pois dele não podemos nos livrar sem que deixemos de ser nós mesmos, sem que haja um convite para a fuga alucinada daquilo que nós fomos: a morte. Pertenço a meu corpo ou é ele que pertece a mim? Perteço-me a mim ou sou pertencido por mim mesmo? O si-mesmo... Este que não existe. Pura idealização. Prefiro esse platonismo: sou pertencido por mim.
É do escuro que escrevo estas linhas. Bem de cá. Do escuro. De onde nem eu consigo enxergar qualquer sentido.
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