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terça-feira, 14 de agosto de 2007

Do diálogo ou Sobre como escrever o que se sente

Quando mais as coisas são necessárias é que elas nos faltam, como o ânimo que se esvai em uma semana de trabalho intenso ou como quando o amor mostra-se fraquejante diante de uma crise conjugal. Vejo-o ali, sentado à mesa, e é na ausência que penso. Sua presença me lembra a ausência, a privação, a negação do presentificar-se: tenta, rabisca, traceja letras, chega a desenhá-las, passando e repassando o lápis por sobre as poucas palavras que conseguira escrever, mas a criatividade, aquela tão necessária nesse momento, decidiu não dar as caras no dia de hoje.

É frustrante. Sinto daqui que há tanto para exprimir, há tanto para pôr no papel... Mas ele não encontra meios.

Sim, acabou de passar-lhe pela cabeça comprar uma idéia. Como se estivesse em uma feira livre, perguntaria um a um de seus amigos: "Você! É capaz de me vender uma idéia? Preciso de algo como um mote para uma história, uma pequena frase, uma imagem simples, que de sentimentos estou cheio. O que me falta é história para que estes entrem no papel. É isso: preciso de uma história em que caiba o que sinto. Alguém tem desse produto para vender?".

Logo desistiu da idéia. De nada lhe valeriam história compradas. Ele cá tinha a sua. Aliás, fora por isso que se propusera a escrever. Contudo, não encontrava o melhor modo de escrever. O problema, como disse, era simplesmente de criatividade... Pois como falar daquilo que de há muito se fala sem que se repita? Como não cair ou recorrer a clichês? E será melhor cair nos clichês, como que por acaso, ou aceitá-los e lançar mão deles deliberadamente? Se decidisse por aceitá-los poderia começar o texto com um: "Era uma vez numa sala de bate-papo...", pois reinos distantes não existem e estamos na modernidade. E no caso de querer evitá-los poderia começar com algo como... Como... Pronto, achamos o cerne do problema! É por querer fugir dos clichês que nada consegue escrever.

Talvez um café ajude. Acho que vou sugerí-lo isso:

- Ei! Você...
- Sim? Quem fala?
- Eu, o narrador.
- AH! Oi... Estou ocupado. Seria bom não interromper. Combinamos que você só ia ficar me olhando, sem me atrapalhar.
- É, eu sei, mas é que não consigo... Você aí, sem conseguir escrever palavra e, ao mesmo tempo, com tanto para dizer! Só queria dar uma sugestão. Porque não pára um pouco e toma um café? Vai lhe aliviar a tensão.
- Não estou tenso! - respondeu-me rispidamente.
- Sim, percebo pelo tom de sua voz que anda bem tranquilo - retruquei em tom de ironia.
- É... Desculpe-me... Tem razão. Estou nervoso. É que isso nunca me aconteceu antes. Ou bem não queria escrever e não escrevia ou bem queria escrever e as palavras me saiam facilmente da ponta do lápis. Isso que hoje se dá nunca aconteceu!
- Talvez seja um dia em que não queira escrever, de fato. Um dia em que pensa que quer, mas se engana.
- Não há enganos. Quero escrever. Preciso pôr os sentimentos em ordem. Iam bem, os coitados. Agora perdem-se como um cavalo estourado em campina: vagam por todos os pensamentos que me habitam e voltam, velozes, ao mais recorrente de todos. É sobre este último pensamento que preciso escrever.
- E do que se trata?
- Pois se eu te disser, promete nada contar?
- Isso não posso te garantir. Estou aqui para escrever sobre você. Aliás, cada palavra que dizes, as letras correspondentes a ela se formam na tela do computador em que eu escrevo. Sou o narrador, esqueceu-se e você é minha história.
- Verdade... Bem, assim sendo, se te conto minha história, a terei escrito de alguma maneira, mesmo que seja com suas palavras!...
- Sim! Melhor ainda: com tuas próprias palavras! Sou fiel aos diálogos. Acho que sempre são enriquecedores... Sem contar que pode-se lê-los mais rápido do que se lê um parágrafo denso de prosa.
- Pois bem. Conto-lhe. É que conheci uma pessoa...
- Sim, uma pessoa...?
- É, pois é... Por enquanto isso é tudo. Acho que devo deixar rolar para que tenha mais o que dizer.
- E o que há de difícil em escrever sobre uma pessoa que se conhece? O que há de tão complicado se a cada dia conhecemos várias?!
- Não há não nada no mundo que se conheça que seja igual aquilo que já se conheceu um dia.
- A velha história de que cada um é cada um ou então o velho clichê das ondas do mar, que nunca são iguais... Mas todos são pessoas. É tudo uma mesma humanidade.
- Para cada humano, um sentimento diferente, narrador! Oras! Não esperava tanta falta de sentimento de sua parte! Pensei que se tratasse de alguém com um pouco de "amorosidade".
- Não sou dado a sentimentalismos.
- E histórias de gostar são sentimentalismos?
- Depende da história.
- Bem, esta é mais ou menos assim: conheci essa pessoa que te falei pela internet, sabe? Uma dessas salas de conversa. E conversamos um par de vezes e...
- E...?
- E hoje é a segunda vez que acordo e penso nela. Não sei... É estranho. Não nos conhecemos. Mal nos vimos. Poucas fotos e parcos segundos de vídeo. O senhor deve saber como são essas coisas de internet. Nem ao menos as vozes foram ouvidas. E é o segundo dia que acordo pensando nesta pessoa. Sinto-me bem como há algum tempo não me sinto e, ao mesmo tempo, tenho medo.
- Como digo: tudo uma mesma humanidade! Pois qual é o homem que não teme diante daquilo que deseja?
- E quem falou em desejo?
- Oras! Poder até ser afeito à volteamentos da lógica, a uma boa retórica, mas o senhor não me engana. É impossível escapar aos olhos de quem vê aquilo que salta na cena vista, aquilo que nela grita. Há o desejo.
- Somos apenas amigos... Apenas amigos.
- Admiro-me o senhor, o senhor, aquele que defendeu que cada pessoa é uma, querendo dizer que toda amizade é a mesma! Nesta amizade, nesta entre você e a pessoa em que pensa, há o desejo. É isso que a faz diferente de todas as outras. É isso que diferencia o amor fraterno dos outros - após alguns momentos de silêncio, em que o vi refletir sobre o que acabara de ouvir, emendei - Se não for invasão demais, o senhor pode me dizer o que mais te atrai nessa pessoa?
- Ah, claro! É "amorável".

Assim prosseguiu a conversa, por horas. Contou-me cada detalhe, cada volteamento das conversas com a pessoa. Falou-me do estranho sentimento que tinha ao longo do dia, misto de ansiedade, medo, vazio, preenchimento e felicidade angustiante. Refletimos juntos acerca do que poderia vir a acontecer. Refletimos sobre o que já havia acontecido também.

Agora acabara de sair do trabalho. Leve. Não mais precisaria prender-se a mesa e tentar escrever e compreender tudo o que sentia. É que ao longo da conversa, lembrou do que lhe disse a pessoa no dia anterior: "DEIXA ESTAR. Foi você que me disse isso" e sentiu em si o peso da leveza da espera por aquilo que se deseja.

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