Esperava-o todas as noites. Os olhos seguiam os instantes passados no diminuto relógio na tela. Sentia o tique-taque no peito. É que no peito havia a esperança, aquela que alimentara ao longo de todo o dia, e que agora era devorada a cada novo segundo. O deus Chronos era um bom pai: comia seus filhos a cada novo instante.
Apesar do frio, gotículas de suor brotavam-lhe da pele. As mãos gélidas moviam o cursor na tela em movimentos repetitivos que lhe reduziam a ansiedade, distraindo-lhe.
Foi assim que começara a usar as pessoas: buscava por elas em todos os lugares, as seduzia, as mantinha entretidas e, ao menor sinal de que ele viria, as abandonava.
Contudo, isso era no tempo em que a esperança de falar com ele não era de novo e a cada vez frustrada, em que a esperança era sempre satisfeita ao final do dia. Agora, neste momento em que a frustração é o senitmento que mais se presentifica nesta relação, manter-se nesse movimento com as outras pessoas era um risco que não conseguia correr. Muitos são os riscos de viver, ainda mais por sermos seres relacionais. Assim sendo, o que poderia lhe garantir que continuaria a devotar sua espera e seu afeto aquele que se fazia ausente? O que lhe garantia que se manteria fiel a seu desejo? Mesmo que este, o desejo, nunca tenha encontrado vias de se concretizar ainda, mesmo que todos lhe dissessem que o melhor seria esquecer e seguir adiante, era isso o que queria: manter-se fiel a seu desejo.
- Ei! E o que lhe garante que ele se mantém fiel ao que disse desejar? - pergunto-lhe - E o que lhe garante que este afastamento não serve a ele como um moo de decidir-se e sair paulatinamente desta situação de enamoramento?
- Perdão...?
- Quem te garante que ele ainda gosta de você como você dele? Vejamos... Ele tem alguém além de você?
- Er... Ahn... Sim, tem. Namora há algum tempo.
- Pois então... Não teme que ele te esqueça com esse distanciamento?
- SIm, é tudo o que mais temo!
- E se é exatamente isso o que ele quer?
- Distanciar-se?! Não!
- Ué, já imaginou?
- Quam é você que chega assim e vem me falando essas crueldades?
- De que importa?! O que realmente importa é que agora sente-se inseguro! O que mais sente? De qualquer modo... Sou sua própria consciência, por assim dizer.
- É... Sinto-me inseguro. Mas sinto mais é saudade, sabia? Saudade... Assim mesmo, reticente.
- Como é uma saudade reticente?
- É uma saudade que sabe o que falta apesar de não o conhecer. E mesmo sem conhecer o que falta, não há espaço para a falta, porque o sinto aqui, ao meu lado. É como se enquanto estou no computador esperando por ele que não vem, é como se nessa hora ele estivesse ali, sentado na cama e me olhando, e penso: "é por isso que hoje, mais uma vez, ele não vem. É porque não há como vir se ele já está aqui".
- Mas você sabe que ele não está aqui...
- E nem eu estou lá, mas penso que ele pensa em mim.
- E tem certeza?
- Sim! Bem... Talvez. Agora, com tantas perguntas, já não tenho mais certezas, eu acho. Sabe? É como se eu estivesse à beira-mar, bemonde as ondas começam a voltar para as águas. Eis que surge essa grande onda, que me derruba e me suga para dentro do mar, que já não é mar e sim, poço. Essa onde que me suga é você, minha consciência. Quer me levar para o buraco, este em que o mar se abriu. E não há raízes, nem gramíneas, nem gravetos na beira da praia: não há nada em que eu possa me agarrar...
- Pois vejo que é assim mesmo... Vejo, porém, que ainda assim, se agarra a algo. É este algo aliás, que me impede de atingir minha meta de levá-lo para o tal buraco. Que algo é este que te sustenta?
- O que me sustenta é o que já se deu e o que espero que ainda se dará. O que me sustenta é o passado e a esperança, o que já vivi com este que se ausenta e aquilo que sei ainda ser possível viver. São dois: passado e esperança. São eles que me dão o sustento necessário. Eles e o objeto de meu afeto. Mesmo que não o conheça de fato, desconheço mais ainda o que sinto por ele. Isto que agora sinto e que nunca senti antes do mesmo modo. Sabe? Por exemplo, nunca tive ciúme...
- Verdade?
- Pois sim... É isto que sinto que me sustenta, mais que todas as coisas.
Foi assim que decidi retirar-me e parar de questioná-lo. É que nisto que ele sente não há espaço para mim, não há consciência que se sustente diante de tais sentimentos. Não há razão que dê conta.
Ao sair, ainda o ouvi dizer, mais uma vez:
- Certo, mais uma noite... Vem logo, poxa! - para si mesmo, crendo que o outro, por acaso do destino ou do muito querer, seria capaz de ouví-lo.
Sábado
Há 10 anos
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