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terça-feira, 9 de outubro de 2007

O misterioso caso das portas

Pois já fazia tempo que o rapaz trabalhava nessa empresa. Bom lugar para se trabalhar, a bem da verdade, mas ultimamente não estava muito satisfeito. Mesmo diante do olhar estranho das pessoas ao ouvirem sua fala cheia de um tom sincero e carente de compreensão, ele não podia calar-se, tendo que contar o que de fato vinha lhe acontecendo.
Não que fosse uma necessidade vital, mas era quase urgente. Dava-lhe uma aflição de doer as gengivas como quando estamos nervosos e os dentes parecem ter uma arrelia. Talvez o que melhor descreva a sensação seja uma caneta gasta roçando um quadro branco. Enfim, o que realmente importa é a urgência que fez com que ele decidisse, mais uma vez, abrir o bico:
- Oi - disse uma de suas colegas de trabalho, abrindo a porta da sala dele.
- Oi - respondeu em tom pouco amistoso.
- Por que você está trabalhando com a porta fechada?
- É que preciso.
- Ah! Sim, desculpa. Não queria incomodar... - disse ela, ruborizando.
- Não, que isso. Eu é que peço desculpas... Sendo muito sincero - apontando uma cadeira -. Sente-se aqui. Pois então, sendo muito sincero, há um motivo que me faz fechar a porta.
- Sim...?
- Se eu te contar, jura que não ri?
- Sim, juro.
- E que não espalha...
- Tá bem, não espalho. Mas do que se trata? Alguma coisa muito importante? Trabalho confidencial?
- Quase isso... Mas as confidências não são minhas... São sobre mim. E eu não posso ouví-las.
- Como?!!!
- É! Pois é! Momentos há que nem eu acredito, mas é que as portas, todas elas, não me respeitam mais.
- Hein?!
- É isso mesmo! As portas. Todas elas. Veja você: hoje acabo de passar na catraca e corro para pegar o elevador que, vazio, aguardava alguém com a porta aberta. Foi só eu me aproximar que a porta fechou.
- Ah! Mas isso acontece!... Vai ver o tinham chamado em outro andar.
- Qual nada! Eis que chega outro empregado, aperta o botão e imediatamente a porta se abre para ele. E quando eu vou entrar para subir na mesma viagem... A porta fecha-se novamente... Tive que subir de escada.
- Sei... - o tom de desconfiança... O que estava acontecendo com ele? Talvez, muito trabalho, estresse, problemas familiares...?
- E mais. Aproxime-se - e fez sinal para que ela chegasse mais perto para lhe falar ao ouvido - Esta aqui, ó, esta desta sala de reunião. Acho que ela é a líder do movimento.
- Mas não entendo... De que lhe adianta fechar a porta se é ela mesma que está contra você?
- Oras... Também não sei. Mas o que se faz quando não se sabe como agir?
- Hum. Entendo. - decidindo entrar no jogo - E o que as portas têm contra você?
- Não sei. Mas ainda descubro. Acho que o movimento todo ainda está muito na surdina. Ás vezes, quando saio do banheiro, ouço a porta rangendo atrás de mim. Sei bem que elas tramam algo, ainda não sei o quê, porém.
- Coitado... E como vão as coisas em casa? - perguntou, na tentativa de colher dados para um bom diagnóstico.
- Ah! Em casa... Não sei... Ainda tenho lá minhas dúvidas. Acho que o movimento já chegou ao ouvido da porta de frente! Veja você: ela entrou lá em casa e não sai de jeito de nenhum. Empenou! Fica agora o tempo todo voltada pro lado de dentro e não há nada que dê jeito.
- É, rapaz, vejo que você está mesmo no mato sem cachorro. O que fazer com todas essas portas então? - disse a moça, já levantando-se da mesa e preparando o discurso para o gerente, onde apresentaria o caso do colega de trabalho, sugerindo que o levassem para uma avaliação psicológica.
- Sabe que ainda não sei? Estou tentando esse negócio de deixar fechada. Amanhã deixo aberta. No último caso, vou chamá-las para uma conversinha aqui na sala. Papai sempre dizia: conversa e fé removem montanhas.
- E portas.
- Sim, e portas!

Da soberba

- Oi.
- Oi - respondeu em tom pouco amistoso.
- Por que você está trabalhando com a porta fechada?
- Porque as pessoas simplesmente não respeitam meu espaço... Usam a porra da sala como se fosse de reunião, quando não é mais. E ficam aqui na minha frente berrando como se eu não existisse!
Visivelmente assustada com a resposta, ruboriza-se e diz:
- Ah, tá.
- Posso te ajudar?
- Ah... Não... É que... Bem, eu precisava usar a sala.

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- (risos) Olha, sabe aquele e-mail que te passaram?
- Sim...
- Pois é claro que eu preciso que você faça o mesmo...
- Mas lembra que eu te passei o e-mail ontem? Era pra você ver o que precisava ser feito... E agora bem assim, em tom de cobrança?!
- Olha, preciso pra hoje...
- Vem cá... QUanto você ganha?
- Que é que tem?
- Não... É só que às vezes fico me perguntando: quanto você ganha pra fazer o que eu faço?!

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- Por favor, naquele relatório... Faltou uma área...
- Faltou uma área ou você disse que não precisava?
- Eu disse que não precisava, eu sei... Mas agora precisa e você não fez.
- Eu não fiz porque não precisava. Ou agora proatividade virou sinônimo de vidência?


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Ainda no mesmo dia:

- Ai, desculpa, to usando sua sala... É uma reunião breve, mas se você quiser, pode entrar.
- Ah! Tá... se eu quiser eu posso até trabalhar... Entendo.
- (Risos amarelos) É que precisaram da outra sala e me disseram que eu poderia usar essa aqui.
- Sim, disseram que poderia usar a sala de reunião que não é mais de reunião. Engraçado! Veja só! E agora me parece que isso aqui É uma reunião...

E o silêncio reina.

Gente, alguém sabe de vaga de estágio?