Esse blog parece estar virando uma extensão do espaço terapêutico. No final das contas, acabo, toda semana, falando de como me sinto logo após a terapia.
Claro, nunca havia deixado isso claro. Mas é exatamente isso. Terapia e... Post. Acho que nem precisa dizer o porquê.
Hoje pensei em algo mais como uma pequena descrição-conto ou conto-descrição:
O dançarino e o palco
Era um teatro sujo, desses quase falidos, já construídos na época dourada em que a Cinelândia não tinha esse nome por acaso. A madeira que cobria o pequenito palco já mostrava sinais do avanço do tempo. As cadeiras, algumas já nem mais tinham acento; outras, o encosto.
De qualquer modo, acento não importava. Era um desses teatros feitos pela vanguarda sessentista, em que as peças eram representadas bem no meio do público.
O público de hoje estava já a postos, de pé ao redor do pequeno palco. Ansioso. Os corpos invadiam o espaço de encenação. À direita, os de direita: retos, corretos, direitos; à esquerda, os de esquerda: revolucionários, rebeldes, sonhadores, idealistas, comunistas, socialistas e o cidadão comum com senso libertário.
O bailarino, trajando uma calça jeans, havaianas e camiseta preta, entra pelo meio do público e coloca-se no centro do palco. A dança já vai começar.
Um som estranho sai pelas caixas de som. O chiado era ensurdecedor no começo, mas o fenômeno da acomodação sensorial viria a ajudar: os alto-falantes já estavam velhos e não aguentavam uma música tão potente quanto essa, que deveria, em-si, remeter à própria condição da vida.
Murmúrios espocaram por toda a platéia. Era o bailarino girando sobre seus pés. "Narcisista! Individualista!", diziam ao vê-lo rodopiar. E ele, o bailarino, que não tinha espelhos mas via-se no olhar de cada um daqueles que o olhavam, percebeu que deveria mudar o passo.
Caminhou a passos lentos para a direita. Seu andar preso, seu ritmo arrastado, sua precisão e seu método: cada um de seus gestos perdia-se em si e na busca da ética "direitista". A retidão, o ser correto, o ser certinho, o ser perfeito, o ideal de perfeição realizado em si era aprovado pelo olhar daqueles que o olhavam daquele lado do palco. E ele dançava.
Contudo, caiu na besteira de olhar para o outro lado do palco, aquele lado em que estavam os "de esquerda". E deu-se conta de que ele, o próprio bailarino, não era tão reto assim. Não era tão correto assim. Não era tão perfeito assim.
Decidiu arriscar-se. Embrenhou-se na mata escura do incerto. Arremessou seu corpo para o lado esquerdo do diminuto palco e soltou passos esdrúxulos: ora pulava como macacos, ora usava o braço para imitar a tromba de um elefante, ora erguia o dedo médio e mostrava para todos na platéia. E ficava satisfeito.
Entretanto, olhando para a direita, viu-se refletido nos olhos da platéia "do lado de lá". E se eles o abandonassem? E se eles preferissem buscar outro dançarino, algum que dançasse eticamente, detidamente, metodologicamente? Vagarosamente, esgueirou-se para o outro "lado de lá", voltando à dança milimetricamente medida, comedida, milimetrada.
No entanto, olhou para a esquerda e viu que aquele lado do palco o aguardava...
Uma vida de espetáculo. O movimento continua. O mais interessante é que, até agora a platéia não dormiu. Mais interessante ainda, todavia, é que o bailariono, ele mesmo, continua movendo-se para lá e para cá. Acreditava ele ser melhor mover-se dos dois lados do que dizer de que lado se prefere ficar.