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quinta-feira, 27 de março de 2008

O Amor e a Idéia ou O retorno de Clarice ou Da raiva que veio depois ou Amou sem ser correspondida ou Do sorriso no final ou Dos medos de ser autor

Queridos todos,
Só queria dizer, antes do texto (que é também algo que tenho para dizer) que não sumi.
Sam,
Não me esqueço de você, dear.
Sei que você visita o blog e aproveito para deixar pública (sim, algumas pessoas visitam o blog rs) a saudade que sinto de você. Não me esqueci da promessa de te visitar nos próximos dias. Creio que possa ir até o final de abril ou bem no começo de maio, quando recebo, por fim e por graças (rs) o meu primeiro e suado salário rs.
Te ligo num dia mais tranquilo, quando eu sair tarde da noite, para podermos nos falar direitinho.
Beijão!
Ro
O Amor e a Idéia
ou O retorno de Clarice
ou Da raiva que veio depois
ou Amou sem ser correspondida
ou Do sorriso no final
ou Dos medos de ser autor
ou Do amor que vem no fim
ou Sobre como terminar um parágrafo e um texto
ou Sobre viver como o mar
ou De uma existência infantil
ou Ai, meu Deus, que fazer deste texto?!


Clarice, quando deu-se por si que era possível amar sem que fosse amada, chorou compulsiva e renitentemente por 3 horas seguidas. Bom mesmo seria se sempre houvesse um retorno, pensou ela, mas aí seria como nas lojas: produto, valor, pagamento, recebimento... E acresceu ao choro mais quinze minutos de lágrimas. As relações não podiam ser tão mercantis. Haveria um amor puro? Tal coisa como um amor puro lhe fora vendida desde menina pela mãe. Ela dizia: minha filha, não existe o príncipe encantado, mas para cada pé sujo há um chinelo gasto, o que Clarice entendia como a promessa esperançosa de que no mundo havia alguém para ela, somente para ela, a espera do encontro que, por sorte ou acaso, poderia acontecer ao longo dessa vida ainda. E se não acontecesse, perguntava-se a menina; Se não acontecer será assim bem triste, respondia-se ela, e fechava os olhos tentando imaginar como seria ele, o infante.
Talvez estivesse do outro lado do mundo. E talvez não estivesse nesse mundo e aí seria triste. Clarice não é menina mais e fico pensando porque não consigo escrever sobre Clarice como se não se tratasse de uma criança. Clarice não é criança. Nem eu sou mais criança. Mas é bom pensar que as pessoas ainda sejam crianças, e que falam como crianças, e que agem como crianças. Há pureza nisso. Pureza e um certo deslocamento que torna tudo leve e fácil. Clarice traz muitos pesos consigo. Poderia falar dos pesos e ser pesado. Como é bom poder falar da leveza de Clarice, que chora e diz que pensar que não há amor puro seria "assim bem triste", como diz uma criança que não entende que o "tem" é separado do "que" e diz "você temque ou não temque?". Clarice tem vinte e dois anos e trabalha para se sustentar. Clarice mora só e é sozinha, apesar dos amigos. De fato, Clarice não pensa nisso o tempo todo e apenas segue sua vida pensando que se não houvesse a esperançosa promessa de que há alguém apenas para ela no mundo tudo seria assim bem triste, sem dar-se por conta de que muitas coisas já o são.
O infante de Clarice poderia viver na esquina, na casa ao lado, ou mesmo ser um dos mendigos de rua que ela destratava quando realmente não tinha dinheiro para dá-los. Ela não gostava de dar dinheiro, trabalhara tanto por ele... Quando chegava em casa, sozinha e com o peso da mochila nas costas, pensava que tanto trabalho seria de mais valia se pudesse ter a quem contar: “Querido, - pensava ela em poder dizer e dizia em voz alta às vezes para as paredes de seu apartamento – hoje o dia foi cansativo. Quero um abraço”, e então ela deitava-se, ligava a tevê e esquecia-se de si e do dia que tivera. Por vezes, recebia uma ligação de seu melhor amigos, Lucas, que não lhe falava nada ou lhe contava tudo. Lucas era assim bem engraçado, pensava Clarice. Conheceram-se por conta de uma autora que Clarice gosta e que carregara por toda sua vida o mesmo nome que ela: Clarice. Lucas não era o infante de nossa Clarice. E mesmo que o tal infante morasse na esquina, na casa ao lado ou fosse um dos mendigos de rua, Clarice não o veria. A solidão a cegara.
Todas as noites, antes de dormir, ela ligava seu computador e digitava algumas palavras. Por fim, chamando o que escrevia de “conto”- na verdade relatos do que ela vivia mas de um modo bem escamoteado para que nem ela soubesse que se tratava apenas dela todos aqueles personagens e todas aqueles dores de que ela tanto gostava escrever – ela os publicava num sitezito que havia criado para si por sugestão de Lucas. E lia. Lia um bocado antes de dormir todas as noites.
Uma vez, outro amigo lhe dissera: “Clarice, porque não busca alguém pela internet?”. A idéia lhe parecera, de primeira, um bocado disparatada. Pessoas não são textos, assim como seus textos não eram ela. Como já tinha ouvido falar que as pessoas mentiam nestes sites! Seria impossível – sim, impossível! – conhecer seu galante infante em qualquer lugar que não fosse as ruas da cidade, por onde andava cega de solidão.
A resistência da moça durara tanto quanto as espumas salinas de um mar bravio. Tendo tomado coragem, Clarice criou um perfil para si e entrou para um dos sites de relacionamento que seu amigos lhe havia indicado.
Pela primeira vez em seus vinte e um anos (porque isso se sucedera num tempo diferente desse em que escrevo, um ano antes do choro copioso de Clarice), escrevera sobre si: “Sou uma menina bonita, atraente e sexy”. Isso era tudo. Ela não era sexy e nem se achava bonita e atraente. Questões de boniteza e atratividade, contudo, não se devem aos olhos do escritor, mas aos olhos de quem vê, pensou ela e por isso decidiu deixar o texto medíocre no ar e clicou sobre o botão “enviar” no canto inferior direito da tela. Ela certamente podia ter escrito coisa melhor, mas por vezes tem preguiça. Eu também tenho preguiça e penso em como me pareço com Clarice. Agora mesmo tenho certeza de que deveria falar mais sobre o que Clarice pensa do que sobre o que Clarice fez. Ah! A realidade... Tão maçante escrever sobre ela, que por horas me sinto um jornalista em seu trabalho. Este texto sobre a realidade da vida de Clarice, sobre cada um de seus atos desde o dia em que decidiu aceitar o apelo de seu amigo para que navegasse pela internet em busca de um amor, me parece um erro. Clarice é um erro. Mas nisso não sou Clarice, apenas escrevo sobre ela. Seus atos fogem de mim e tudo o que de interferência tenho neles é o modo como os conto. Sei que poderia fazer melhor, assim como Clarice poderia ter escrito melhor sobre si. Não sei para quem escrevo, entretanto, e deixo o texto como ele me saiu, sem correções, sem adendos. Se algum outro detalhe me vier em mente, dilacero a história de Clarice e saio insertando-os no texto. Não tenho nenhum compromisso com ela, com a moça de quem falo. Meu compromisso é apenas comigo, quero escrever sobre ela do modo como a história dela me vem. Ai! Que Clarice não fuja de mim! Não saberia o que fazer se ela fugisse. É tão ruim quando um personagem nos escapa. Vários já me escaparam e os perdi de vista, mas Clarice ainda está diante de meus olhos e a vejo tensa em frente ao computador aguardando uma resposta ao seu “Sou uma menina bonita, atraente e sexy”.
Seu texto medíocre lhe rendera sua primeira paixão.
Amara o rapaz tão fulminantemente que nem se dera conta de que era possível amar sem ser amada. E continuou amando-o em si, mesmo quando o corpo dele já não estava dentro do dela. E continuou amando-o em si mesmo quando os olhos dele não olhavam o dela e sim o de outra mulher. Clarice fantasiava que o via antes de dormir. Deixara de ler e deixara de escrever seus contos. Perdera o rumo que seguia em sua vida de tanto amor que sentia. Algumas vezes exclamava para si: “Que boba você é! Bobinha!” e ria olhando-se no espelho antes de tomar um banho quente. Amara o rapaz mesmo depois que ele sumira de sua vida e acreditou nunca mais ser capaz de amar outra pessoa. A solidão, que outrora a cegava, fora substituída então pela fantasia da companhia. Clarice vivia com a presença etérea de Felipe, o rapaz, ao seu lado. Conversava com ele longamente sobre a vida e o encaixava em todos os seus sonhos e planos. Felipe era a certeza de que precisava para seguir a vida. Chegara mesmo a deletar seu perfil medíocre do site, já que de nada mais precisava quando já cria ter tudo o que lhe era necessário. Tudo que lhe era necessário era nada. O rapaz existia apenas para si. Nunca para Clarice. Sem perceber, Clarice amaa uma idéia.
Amar uma idéia é diferente de amar uma coisa real. Tenho medo de me apaixonar por Clarice, que é uma idéia. Se me apaixono por ela, como me distanciar se nenhuma relação real se estabelece? Se em minha idéia só vejo e crio perfeição? Felipe era perfeito na idéia de Clarice. Como ter raiva de uma relação perfeita? Como afastar-se daquilo que, de tão nosso, apesar de crermos estar fora da gente, acaba sendo nós mesmos? Quero terminar a história de Clarice por puro medo de amá-la e cegar-me como ela cegou-se. Clarice não é minha companhia. Clarice é meu expurgo.
Quando escrevemos, escrevemos sobre o quê? Escrevo sobre Clarice. Ela sou eu. Eu sou Clarice. E a vejo em frente ao seu computador após ter chorado compulsivamente por três horas e quinze minutos. Ela sorri. Há tempos não a via sorrir daquele modo.
Um ano se passou. A paixão pela idéia de Felipe perseguia Clarice como as ondas do mar. A imagem suave de Felipe ia e vinha em sua mente. Sentia saudade, não sentia saudade, sentia saudade, não sentia saudade, sentia saudade... Clarice era, ela mesma, um grande mar cheio de ondas. Foi ver-se a si na praia. Sentou-se nas pedras do Arpoador, onde estivera com Felipe um dia. Olhava o horizonte e se via. Compreendeu ali que ela era um mar, assim com eu acabei de dizer. O mar era de água. A água não era o mar, pensou ela. O mar é o mar. A água é a água. Não há mar sem água assim como há água sem mar. Eu escrevo e não existe minha escrita sem que exista Clarice, mas existe Clarice sem mim e meu amor por ela seria amar uma idéia, seria nunca ser correspondido, por isso corro e em mais dois parágrafos termino a história de Clarice, a moça que, olhando num final de tarde o mar deu-se conta de que amara Felipe sem ter sido amada por ele. Felipe, seu primeiro amor, nunca lhe amara. Não era, então, amor de verdade e os olhos de Clarice continuaram sem ver. Mas não mais pela fantasia da companhia é que ela era cega e sim novamente pela solidão obscura.
Foi neste dia que chegou em casa e chorou compulsiva e renitentemente por três horas e mais quinze minutos, quando pensou que as relações eram como um mercado. Conseguiu então, distanciando-se da idéia perfeita que fizera de Felipe e com que se relacionara por todo este tempo, ter rava do rapaz. Não do que imaginara e criara apenas para si, mas do de verdade, aquele que a abandonara e que estava, provavelmente, nos braços de outra. Sentou-se em frente ao computador e esboçou um novo perfil de si: “Sou Clarice e não existe amor”. Enviou seu perfil para o site e logo recebeu uma resposta.
Era Alex. Conversaria com ele por toda aquela noite. E por outras que ainda não viveu, mas que eu já sei que irá viver. Clarice, desde esse dia, voltou a sorrir. Um sorriso de canto de boca, um sorriso de lado a lado de face. Um sorriso de dentro. Não mudou o texto que a definia, mas se o fizesse, certamente agora escreveria algo como “Sou Clarice. Já desacreditei do amor. Agora, amo.”, mas ela não faria isso porque já não precisava do site. Do outro lado da tela do computador, falava com o seu infante, aquele que sua mãe lhe falava quando nossa moça ainda era criança e pensava que uma vida sem amor ia ser assim bem triste. E termino o último parágrafo e apago Clarice de mim para que não me cegue com a esperança da companhia dessa moça por mais algum tempo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gosto de sua Clarice, sua solidão me toca. Mas não só por ela ser sozinha: isso todos somos. Talvez mais pelo fato de ela reconhecer isso como parte de sua dor.

Já leu "Um Sopro de Vida" ? É da Clarice...

Rodolfo Souza disse...

Claro que li!!! rs E o diálogo do autor consigo mesmo sobre sua personagem tem um pé nesse romance da Clarice, aliás.
E, aliás, a Clarice tem um pé na Clarice rs, pq é uma personagem que surgiu há tempos por conta da minha paixão pela autora. rs
Abraços

Anônimo disse...

Já percebi sua profunda afinidade com ela. :-) Mas não mata a Clarice ainda não, please... Deixa ela sonhar mais, deixa esse vazio dela ficar maior. Deixa chegar o desespero. Pedido de leitor, vai.

Abraço. Escreve sempre!