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quinta-feira, 31 de maio de 2007

A Carta ou Sobre os Mecanismos de Libertação

Conto antigo. Tem no mínimo 9 meses que escrevi aqui na empresa mesmo. Mas quase não divulguei então... aí vai.

A Carta ou Sobre os Mecanismos da Libertação

Seus dedos tocavam as teclas rápida e rispidamente. As teclas não mereceriam carinho. Mais que isso: a mensagem deveria ser desprovida de carinho e isso a começar pelas letras. Certamente pensas agora, como eu mesmo pensei, que as letras em uma máquina de escrever nada tem a ver com as letras rabiscadas em um papel. Enquanto estas podem ser leves, doces, meigas ou fortes, biliáticas, enraivecidas, aquelas podem apenas ser de acordo com a marca da máquina comprada.
Ainda assim, batia nas teclas como que com asco. E com força. E com rispidez. Era como se seus dedos clamassem por não tocar aquele lugar e, ao mesmo tempo, tocassem-no brutamente. Era esse o tom que a carta deveria ter exalando de si. O tom das palavras poderia ser ainda pior, mas o tom do impacto das letras aos olhos de quem vê deveria transmitir essa atmosfera hostil de Não, você logicamente não é amado deste lado de cá, do lado de quem lhe escreve.
O texto formava-se em sua mente e conforme ia espremendo as pequenas teclas pretas contra o fundo do teclado em sua frente, o sentimento de que fazia a coisa certa lhe invadia. Era disso mesmo que precisava: palavras. Há vezes em que estas ferem mais que um bofetão, pensou. Palavras cortam e dilaceram por dentro. Por isso escrevia e não ia pessoalmente dar o tapa derradeiro.
O que escrevia? O que colocava naquele papel em que as letras deveriam exalar o sentimento que sentia ao imprimi-las ali?
Seus olhos vidrados sobre a máquina. Suor escorrendo pela face. As mãos ávidas caçando pelo teclado as letras de que precisava. O nariz sorvendo todo o ar que conseguia para que conseguisse seguir o mesmo ritmo que o coração acelerado infligia em todo o corpo. Tum tum. Batia o coração. Tum tum. Os pêlos eriçaram-se ao término de mais uma linha. Tum tum. As pupilas dilataram-se com o fechar-se repentino da cortina: era o vento agitando-a e tranzendo-a mais para perto da janela, deixando que pouco sol entrasse. Tum tum. As costas envergadas, dando ao seu corpo um estranho formato. Tum tum. A adrenalina liberada em boa quantidade no sangue. Tum tum. Os hormônios sexuais intumesciam seu órgão de tanto prazer que sentia em escrever aquelas palavras de ódio. Tum tum. Tum tum. Tum tum. Silêncio se não fosse por essas batidas aceleradamente ritmadas em seu peito. Acabara sua obra. Acabara de colocar para fora tudo aquilo que sentia e que aguardava por ser exprimido.
Abriu a gaveta da escrivaninha. Retirou dali um envelope. De supetão, arrancou a carta do rolo em que estava enrolada na máquina de escrever e, dobrando-a, enfiou-a no envelope e lacrou-o a saliva quase ausente de sua boca, pois ficava sem saliva sempre que nervoso.
Ainda com a boca sedenta, saiu de casa. Andava às pressas pela rua. Faltavam alguns minutos para que os Correios fechassem. Precisava apertar os passos.
A agência já se avistava à distância. O funcionário à porta, à espreita de um provável último cliente. O tempo abafado e úmido fazia com que o tempo de espera, porém, se reduzisse. Ele já pegava o puxador para abaixar as portas, quando entrou nosso personagem esbaforido porta adentro e dirigiu-se ao balcão.
O rapaz da porta retornou à cadeira em que deveria estar. Pois não, senhor, posso lhe ajudar, perguntou, Uma caneta, respondeu o cliente arrogantemente. Rabiscou o endereço de entrega no envelope em letras sem prumo. Pagou os centavos cobrados. Saiu do estabelecimento com a certeza de ter sua vingança garantida.
Dormiu aquela noite sem paz. O que aconteceria quando recebessem a carta? O que fariam?
No dia seguinte, levantou-se empolgado. O grande dia havia chegado. Foi à padaria da esquina e Dois pães franceses, por favor. Aproveitou e pegou um punhado de balas de hortelã no caixa para depois do café.
Passou o café. Tomou-o sem nem sequer gosto sentir. Engoliu os pães. Foi sentar-se à janela.
Às onze e vinte e três da manhã olhou o relógio de pêndulo na parede branca, em cima do sofá de couro preto e surrado. Olhou para a calçada e lá vinha sua redenção. Em uma bolsa azul ela vinha, carregada pelo homem de amarelo.
Carta para o Senhor E. E. D., Pois não, aqui estou.
Voltou para a cozinha. Abriu o envelope. Retirou a carta que ainda ontem escrevera. Abriu-a por sobre a mesa. Pegou a faca com que cortara o pão e cravara-a duas vezes na altura do estômago e ainda uma na altura do peito antes que se deixasse cair ao chão e agonizasse pelos próximos cinco minutos.
Na carta, por sobre a mesa, aberta como que para a vissem tão logo ali entrassem: “Já não posso ficar a seu lado... Já não queria mais ter você comigo.. (...) Estou com outro. Passo bem. As crianças também estão em bom estado. (...) Te amo, mas já não poderia viver ao seu lado. Acho que você é capaz de entender-me. (...)”
O sorriso em seu rosto denunciava: morreu. Morrera. Falecera sem culpa. A culpada? Ela.

Leave out all the rest

Nem parece Linkin Park a música. O modo como é cantado, enfim. Mas gostei.
Leave out all the rest - Linkin Park
I dreamed I was missing
You were so scared
But no one would listen
Cause no one else cared
After my dreaming
I woke with this fear
What am I leaving
When I’m done here?

So if you’re asking me
I want you to know

When my time comes
forget the wrong that I’ve done
Help me leave behind some
reasons to be missed
And don’t resent me
and when you’re feeling empty
Keep me in your memory
leave out all the rest
Leave out all the rest
Don’t be afraid
I’ve taking my beating
I’ve shared what I’ve been
I’m strong on the surface
not all the way through
I’ve never been perfect
but neither have you
So if you’re asking me
I want you to know
Forgetting all the hurt inside
You’ve learned to hide so well
Pretending someone else can come
and save me from myself
I can’t be who you are

Snapshots I

Fila do supermercado. Ela se aproxima do mostrador de revistas e agarra afoita a "Marie Claire" que traz em letras garrafais na capa "Como continuar gostando de transar com seu marido".

M - Amooor, vamo levá!
H - O que?
M - A revista, olha...
H (com cara de quem não gostou do que leu) - Como assim? Para quê isso? (Olhando ao redor e falando em tom alto para que todos ouvissem) Você sabe que a gente não precisa disso!
M - Mas, benhê, toda mulher precisa disso. Tá uma droga ultimamente!
H - Lucília, fala baixo (puxando-a para mais perto pelo braço) Não vê que tá envergonhando a nós dois enquanto casal?
M - Mas, ué, que é que tem eu querer novos penteados e ver novos modelitos?! Tá vendo? São 24 cortes diferentes! E ainda tem a nova dieta da Jul...
H (interrompendo) - Não se faça de sonsa, mulher!
M - Como assim "sonsa"?
H - Olha, eu já expliquei! Aquilo foi um só dia! Não acontece mais! Eu tava cansado, tive um dia estressante. (Falando ao pé do ouvido) Mas você é minha periquitinha azulada, você sabe disso!
M - De que é que você tá falando, Omar?
H - Ué, do mesmo que você, (muito ao pé do ouvido e com cara de porco reprodutor) minha molecota!
M - Ih! Agora vi tudo! Tu tá pensando que eu quero a revista por conta do que tá escrito em destaque na capa?
H (vendo que o senhor atrás deles na fila estava segurando o riso, fala novamente para todos) - Claro, amor, eu sei que é pelo que está na capa. Olhe bem! (Toma a revista da mão da mulher e com gestos bem largos e prolongados, aponta para a parte que fala dos 24 cortes de cabelo) Pois então! 24 novos cortes! Vem cá, e essa revista não é aquela que deixa a mulher inteligente e chique, né?
M - É o que dizem, né, Omar? Tu num desgruda o rabo da tevê e ainda não decorou as propagandas todas?!
H - Como assim? Como não desgrudo o rabo da tevê, periquitinha? (olhando de esguelha para o senhor, que já não ria, como que para se certificar que o senhor ouvia) E todo o tempo que a gente passa na cama? Não conta?!
M - Vem cá, Omar! Você bebeu? Abre a boca! Vai! Baforeja aqui no meu nariz!
H - MInha coisinha, não precisa disso! Mas conta, não conta?
M - Claro que conta, meu playground!
H - Então vamos levar a revista!
M - Claro! E você viu essa matéria aqui em destaque? (aponta para a manchete "Como continuar gostando de transar com seu marido")

Na última olhada que dei, ele já tinha rasgado a revista e o senhor atrás já não se aguentava prendendo o riso.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Que sendo

Tenho medo de que não gostem de mim. Dizem que letras pequenas indicam depressão, mas quando eu digitar este texto já não fará muita diferença o tamanho da letra, mas sim o sentimento que expresso através da junção delas: as letras encontram-se e me expressam.
Mas o que expresso? Me mostro e há modos diferentes no mostrar-me. Não sou uma constante, mas queria achar-me em algum matema: sou ax+by=cz; onde mesmo que a, b e c variem, mesmo que os coeficientes mudem, haverá algo constante.
Ao menos se me olhassem sempre do mesmo modo! Mas as pessoas não ajudam. Me confundem e perco-me em mim. O que sou? Pudera ser um "o quê" e talvez tudo estaria resolvido. Sou "quem?".
Meu nome não sou eu. E nem meu trabalho, onde "vou sendo" na maior parte do meu dia todos os dias. Não sou minha família, embora seja muito do modo como ela me enxerga. Nem sou do modo como me vejo, pois os outros me vêem de um modo diferente.
Sou algo em que o mundo vem à luz. Sou o meu momento. Mas tenho meu passado e ali há luz às vezes e o enxergo. Sou meu futuro e sua luz às vezes se apaga, mas volta. Sou luzes intermitentes que iluminam o que venho sendo.
Venho sendo. Tenho sido. O meu passado diz que ela não vai mais me olhar. No meu passado, elas riem de mim (até no presente). No meu presente, crio as chacotas e as entrego de mãos beijadas.
Por medo, sou meu próprio escárnio. Sou meu próprio bálsamo. E me afogo na poça formada por minhas excretas.
Parei de amar-me, sabiam? E não falo de amor próprio, que se não me amo, é porque do amor próprio ainda me resta algo.
Meu corpo dói e não me deixa esquecê-lo. Livrarei-me dele, porque ele eu não quero que seja eu!

domingo, 27 de maio de 2007

O grito

Não há lugares para gritar nessa cidade. Os lugares de se gritar já estão cheios de pessoas querendo gritar e, por estar cheio de gente, mesmo todas elas tendo o mesmo desejo, elas ficam caladas, porque gritar do nada não pega bem.
Quero gritar do nada hoje. Se quero, já não é do nada, mas quero gritar sem hora marcada.
Andei pelo aterro. Até atrás do Porcão. As pessoas que não gritam querendo gritar não entendem que simplesmente num dia frio você totalmente pode ir de casaco vermelho e calça jeans para a praia. Estranho é ir de sunga ou biquíni! É uma puta incongruência. O lugar não é o grande ditador de congruências. É o contexto que dita! Pelo amor de deus!
A música no meu ouvido era boa. "Open your eyes", do Snow Patrol. Musiquinha de filme de adolescente, dessas que faz você olhar a paisagem e querer mergulhar dentro dela mesmo estando perto das pedras e o mar sendo sujo.
E teve esse labrador lindo, amarelo, que veio correndo todo desimpedido e esbarrou a barriga forte do lado da minha perna e voltou fanfarrão para brincar. Adoro cães. Tão livres. E corria. O engraçado era que ele olhava pra trás, via o dono, e corria mais rápido ainda para a frente. Acho que eles estão tendo algum problema de relacionamento...
Quero gritar que eu não tenho desses! Era por isso que eu estava ali nas pedras olhando o mar e ouvindo "Open your eyes", mas as pessoas que também foram ali para gritar me impediam de gritar porque não gritavam. Detesto essas pessoas que não gritam porque tem gente olhando! E não! Não tenho espelho!

A descoberta Científica!

Cientistas britânicos descobriram (e isso deve ser algo a ser levado em conta: não era qualquer cientista): a histeria é uma doença viral (ou bacteriana, ainda não conseguiram precisar) e é epidêmica.
Trata-se de um tipo até então desconhecido de microorganismo que se reproduz com muita facilidade, mas que mesmo só, faz um bom estrago na vida de seu hospedeiro. Ainda não conseguiram precisar contudo se se trata de um vírus, bactéria, protozoário ou, até mesmo, alguma espécie vegetal que cresce dentro do homem, pois o microorganismo muda com muita facilidade (de humor).
O caráter epidêmico da histeria já era conhecido há tempos: os fenômenos de histeria coletiva sempre assolaram a humanidade. Agora, contudo, está explicado: é o tal microorganismo, que é capaz de passar rapidamente para outros indivíduos. Tudo indica que o corpo humano não consegue criar anticorpos capazes de matar tal ser, pois ele, como já dito, muda muito facilmente.
Foi possível também compreender porque Freud tratava tantas histéricas: ele era histérico e passava a doença para elas!
A grande dificuldade da pesquisa (pasmem!) não tem sido a falta de verba (que na Inglaterra isso não existe! rs). O grande problema é que o microorganismo, altamente sedutor, chama a atenção dos cientistas com seus atributos sexuais muito bem aplicados na hora certa e quando os cientistas se aproximam para vê-lo, ele sai correndo. Estranhamente, o movimento contrário acontece: quando os cientistas saem e desistem de ver o ser, ele volta e seduz.

(Esta genial idéia foi roubada de Lucas! Mas ele me emprestou para eu escrever, pq tem medo de ser contaminado pelo microorganismo só por mencioná-lo. rs)

sábado, 26 de maio de 2007

Tá bom

Senta aqui que hoje eu quero te falar.
Não tem mistério, não!
É só teu coração que não te deixa amar

Você precisa reagir.
Nãoo se entregar assim como quem nada quer!
Não há mulher, irmão, que goste dessa vida!
Ela não quer viver as coisas por você!
Me diz: cadê você aí?
E aí não há sequer um par pra dividir!

Senta aqui! Espera que eu não terminei!
Pra onde é que você foi que eu não te vejo mais?
Não há ninguém capaz de ser isso que você quer!
Vencer a luta vã e ser o campeão...
Pois se é no não que se descobre de verdade o que te sobra além das coisas casuais
Me diz se assim está em paz, achando que sofrer é amar demais.

(Hermanos)

De onde vem a calma?

De onde vem a calma daquele cara?
Ele não sabe ser melhor, viu?
Como não entende de ser valente! Ele não sabe ser mais viril!
Ele não sabe, não, viu? E às vezes dá como um fio...
"É o mundo que anda hostil. O mundo todo é hostil"

De onde vem o jeito tão sem defeito
Que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão!
"Não vão embora daqui! Eu sou o que vocês são!
Não solta da minha mão! Não solta da minha mão!"

"Eu não vou mudar, não! Eu vou ficar, sim.
Mesmo se for só! Não vou ceder!
Deus vai dar aval, sim. O mal vai ter fim.
E no final, assim, calado, eu sei que vou ser coroado rei de mim!"

Los Hermanos

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Conto de uma frase só.

Possibilidades entristecem... Mesmo assim, devem ser aproveitadas!

terça-feira, 22 de maio de 2007

O desespero humano

Deve haver um ponto para o qual não há retorno. De algum modo, aliás, todos os pontos não têm retorno, já que não podem ser esquecidos. Quero retornar ao ponto em que não havia pontos, nem ao menos esse ponto inaugural de que falo. Seria perder-me no infinito da busca pela pureza da vida e do momento. Queria viver o momento, sem pontos.
A morte não é o final dos pontos. Ela é o último ponto, mas depois dela, seremos tomados como cada um dos nossos atos em vida. Todos os atos: pontos sem retorno.
Ajo e não volto mais para o não agir. A liberdade existe e o homem existe. Mas não existe a liberdade de não se ter um passado. Ele nos espeta e incomoda. Tanto quanto o olhar dos outros. O passado, aliás, só é passado como é porque há o olhar dos outros. Do contrário, poderia ser passado esquecido, um segredo escondido e recalcitrante no fundo de um ser e que pode ser ignorado, como a moeda velha num bolso de um casaco: lá deixada e lá esquecida.
Sempre há a possibilidade de encontrarmos tal moeda novamente, porém. Não há saídas. O passado é um ponto.
Quero existir numa existência em que o passado não conte e em que o futuro não me esteja aberto. Quero usar antolhos! E antolhos especialíssimos que me fariam não ver apenas adiante. Ao contrário, não quero ver adiante! Quero antolhos que me deixem viver apenas o momento presente, como se não houvesse futuro ou passado.
O futuro é assustador, com sua boca aberta e devoradora. O passado é o grande esôfago. O presente é o palato, as papilas gustativas... Mas nem sempre sinto os sabores da ingesta diária. E a vida passa. Simplesmente. Desse corpo estranho que sou, dessa conjunção de tempos, das diferentes flexões verbais, fujo.

"(...) A contemplar as multidões à sua volta, a encher-se com ocupações humanas, a tentar compreender os rumos do mundo, este desesperado esquece-se a si próprio, esquece o seu nome divino, não ousa crer em si próprio e acha demasiado ousado sê-lo e muito mais simples e seguro assemelhar0-se aos outros, ser uma imitação servil, um número confundido no rebanho." (Kierkegaard. O conceito de angústia. São Paulo: Hemis, p. 66, 1968)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Pequeno conto censurado

Não há nada mais atraente na vida que a não vida. E mesmo mais atraente, não a quero. Desejo viver. Se bem que a não vida não seja a morte, mas não quero negações!
Ontem andei na chuva. Gotas finas e frio. Senti as gotas e as vi nas lentes de meus óculos. Tirei-os e os guardei no bolso do casaco, que não gosto de enxugar as lentes. Sempre sujam!
E continuei andando, mesmo não conseguindo reconhecer os rostos dos desconhecidos que passavam. As linhas que marcam cada um dos rostos... Tenho rugas e as vejo mesmo sem os óculos. Queria entender o que elas dizem... Acho que zombam de mim: "Ele não viveu o bastante". Elas zombam de mim. No entanto, eu as zombo mais e exatamente porque não vivi o bastante. Para que servem rugas se não se viveu o bastante?
Atravessei ruas a esmo. Corri o risco. Mas conseguia ver as luzes dos faróis sem os óculos e, por isso, nem foi tão arriscado.
No mercado, comprei tudo para dois. Pão e circo. E só em casa me dei conta de que sou só.
(Censurado)
Não me envergonho do que fiz. Do que faço. A não vida é atraente, mas não me atrai. O que me atrai é a possibilidade de viver. A não vida... Já a tenho.

A sessão

Tenho medo de publicar o que escrevo. E se escrevo, é porque temo exatamente.
Acho que minha terapeuta perguntaria:
- O que teme?
- Não sei... (penso) Acho que temo que venha a público. Por outro lado, sei que se escrevo e não apenas penso, há sempre a possibilidade de que alguém leia. Mesmo assim, escrevo.
Ela acena com a cabeça. Parece concordar. Continuo:
- Quero fazer-me público mas tenho medo que me julguem.
- Você sempre fala do olhar dos outros. Se publica o que escreve, o que acha que verão?
- Eu penso que entenderiam que é arte e que nada do que escrevo aconteceu comigo. Mas o que escrevo não é arte e se escrevesse pedindo para que não pensem que o que escrevo é de fato o que aconteceu comigo, eles entenderiam que estou querendo dizer que o que escrevo é arte. Me veriam como um esnobe! Mas não sou e nem pretendo ser esnobe. E também não quero mais escrever como se tudo fossem fábulas. Fiz isso por muito tempo e eram textos confusos! Metáforas demais enquanto que a vida é simples e pontiaguda e nos arranha. É dessa vida que quero escrever, com simplicidade. E tem como fingir que essa vida não é de verdade?
- E o que te leva a temer que vejam sua vida de verdade?
A sessão acabou.

A ligação de Lucas

Lucas me ligou ontem: "e aí?". Ele torce por mim, mesmo achando que a tal história já está chata. Nem quer mais ouvir dizer. Mas ainda torce e tem esperanças por mim.
Adorei o fato dele ter ligado. Aliás, Lucas é meu melhor amigo. Nunca dividi tanto com ninguém. E nem é por isso. Não há porque explicar porque é meu melhor amigo. Acho que essas coisas apenas se sabe. Quase "Jules e Jim", sem Truffaut para dirigir e as coisas simplesmente se dão na vida: a verdadeira nouvelle vague (e sem a Catherine no meio, claro!).
Estava no ônibus quando me ligou. Pensava sobre como ia ser duro passar um final de semana inteiro sozinho e ouvia a voz da menina dizendo: "Pare com essa solidão aceitada!".
Não é que aceite! O problema é que fico só esperando e não consigo levantar-me da mesa do bar quando o garçom não atende ao chamado e ir ao balcão pegar eu mesmo a cerveja: não ajo.
O mais engraçado: é Lucas! Lucas me liga e pergunta: "e aí?", referindo-se exatamente a isso. Torce por nós sem saber que Lucas nos atrapalha.
Lucas, desculpe! Não estou falando de você... É confuso... (e essa é a idéia).
Esse texto é para poucos. Só o entenderemos eu e Lucas. Os outros irão pensar que entederam, mas não entendem. E se não entendem, é que consegui.

Como usar o banheiro?

Será que eu uso o banheiro corretamente? Acho que minha mãe nunca se preocupou com isso. Ela nunca me mostrou como. Como se usa o banheiro?
Cansei das regras. A vida presa. Quero liberar meus ímpetos numa existência. Uso o banheiro. E só.
Quando criança vi um gato pular sobre o telhado. Quanta astúcia! E aqueles olhos... Me encho de medo só de pensar: ali havia vida. Não sei correr riscos!
Na rua, uma mulher fala comigo. Quero mandá-la calar-se. Mas não sei medir as consequências. Não arrisco.
Anteontem minha avó ligou. Do nada disse "Quem não arrisca, não petisca". Assusto-me com o modo como o mundo entra em sintonia conosco às vezes. Essa coisa tão rebelde que é o mundo às vezes me entende e nos encontramos fortuitamente pela vida.
Quero alguém para ter por perto. Só as coisas podemos ter e nem todas. Não quero a responsabilidade do amor. Mesmo assim, amo. Amo uma idéia e só uma idéia: basta!
Penso: se eu encontrasse o amor da minha vida, fugiria. Já fugi muitas vezes de coisas ruins. E o amor da minha vida, em estando na minha vida, não pode ser bom.
Quero refurgiar-me desse mundo. Morrer não é refúgio. E solidão não é refúgio, já que sou também meu próprio mundo. Livrar-me do mundo deve ser algum mistério que Deus ainda não me revelou.
E não! Não conseguiria ser iogue! Além do mais, ser iogue é um modo de relacionar-se com o mundo. Não há saídas.
Não há como não usar o banheiro corretamente. Não há... O correto é a correção diária. Sempre faço errado, mas daí corrijo e corrigir é o correto. Sim! Sei usar o banheiro! É muito mais fácil que lidar com o mundo.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Tirinhas... Os Malvados

Enfim, amigos, tenho escrito muito! Bastantíssimo! Estou com mts novidades para postar aqui. A questão é só digitar. Em geral crio no computador, no blog mesmo (falar sobre método de criação é mt esnobe! hahahaha). Enfim, vou digitar, mas estou numa boa fase, cheio de idéia legais!

Só pra não dizer que não coloco nada aqui (e eu não esqueci do blog! Acho q é tempo mesmo que tem faltado...) estou postando umas tirinhas q gosto.


Acho que eu sou um dos mais espertos!!! rs






































quarta-feira, 9 de maio de 2007

A mesma história..

Contei essa história que aconteceu comigo. Emprestei pra Lucas e ele escreveu. Mas aí eu decidi escrever tb pq é sempre bom e tem gnt que lê aqui e não o blog da Lu.

Com "x" ou "ch"?

- Sim?
- Estou ligando sobre uma vaga...
- Ah! Ok (com sotaque espanhol, argentino, o que quer que seja!)! (minutos depois) Então te aguardo aqui para a visita.

Copacabana. Prédio antigo. Porteiro sisudo. Elevador pequeno. Apto anunciado. Campainha.
Abrem-se as portas da cozinha, que não era a da campainha e sai um senhor com barbicha-motoqueiro-americano com shorts curtos:

- Oi, meu nome é "Xorgennnn"
- Nossa! Que legal! Com "x" ou "ch"?
- Não, com "xotannn" "mesmonnn".
"Meeedo. Mt medo"... rs

sábado, 5 de maio de 2007

Sobre a solidão e as fugas III (do Criador)

- Porra! Dá pra parar?! E em pensar que a idéia era ficar mais tranqüilo, arrumar companhia, ter uma ocupação e a puta que o pariu!
- Hein? - disse Orlando.
- Foi você quem falou?
- Claro que não - respondeu Orlando à Débora.
- Porra! E vai dizer que acreditou que você é que tinha criado Débora mesmo? (ataque de risos. Retoma a fala sem fôlego) Ai, ai, sempre ingênuos. Mas ao menos pensam que têm vida própria. Sempre pensei: quero que um dia minhas personagens criem vida própria. Até que elas criam e vira essa merda de pandemônio que virou isso aqui!
- E quem fala daí? - pergunta Débora assustada.
- Ora, senhorita. Andei sendo visitado por um "anônimo" e prefiro fazer o mesmo jogo. Mas certamente não sou esse bundão aí que fala com você de dentro da cabeça dele. Nem nome ele tinha... Orlando! Sugestão de Lucas. E inspirada em uma autora que duvido que conheçam. Aliás, não conhecem esta autora. Eu os criei e digo o que conhecem e o que não conhecem. Mas... Respondendo-lhe a pergunta, digamos que eu seja a caixa fora da caixa fora da caixa. Ou então que você seja a caixa dentro da caixa dentro da caixa , que sou eu.
- A porra das caixas de novo? Orlando, quer fazer o favor de se explicar?! - gritou Débora para Orlando.
- Mas também não entendo...
- Oras, explico então eu. Vejamos... Por onde começo?
- Que tal por quem somos nós, então? - sugeriu Orlando.
- Oras, personagens! Sempre preocupados com essas definições. É certo que nós, humanos de verdade, também nos preocupamos com as "essencialidades", mas é aquela coisa, não é? Não dá pra ser personagem sem ter a vida bem definida no livro, no conto, na crônica, ou no que quer que seja! Mas, tudo bem, cedo à necessidade de vocês! Vocês sou eu distorcido. São as idéias que tenho e a vida que pensei pras pessoas.
Débora, por exemplo, é a mulher que desceu do ônibus num ponto lotado perto de Xerém. Nenhuma das pessoas que estava lá naquele ponto era para ela. Eu estava no mesmo ônibus que a mulher, que talvez não se chame Débora. E não havia ninguém por mim no ponto em que desci. Talvez Débora não tenha dado para o taxista que a pegou ali onde descera. Penso mesmo que ela não faria isso. Mas você, a Débora que eu decidi colocar no papel, fugiu do que eu penso da "Débora" da vida real. E é por isso que criei Orlando, ou Paulo, ou o nome que for porque nomes aqui não importam. Queria livrar-me de meu nome e ver se eu seria alguém diferente! Mas Orlando então fora criado para tentar dar conta da "fuga" de Débora. Ele era o amante, o criador apaixonado, aquele que tentaria resgatar a idéia amada da fuga que ela cometera. Se é que fugas são coisas "cometidas", como crimes. Mas decerto essa fuga que você fez, Débora,é crime, pois não te criei para isso. Criei-te para refletir sobre a solidão daquela mulher que vi descer do ônibus. Criei-te para que eu aprendesse a lidar com a minha solidão.
- Alto lá, seu merda! Então está dizendo que eu fui mero instrumento?! Um caralho de tentativa de você resgatar sua idéia de "Débora", que se desvirtuou e fugiu do planejado bem no meio da trajetória?!
- Não sei! Acho que talvez você tenha sido um pouco mais que isso. Você, Orlando, certamente sou mais eu. Digo "sou" porque, mesmo sendo separados de mim, ambos são "eu" mesmo. Não que sejam o desejo que tenho. Detesto quando as pessoas se vangloriam como o que os outros dizem. Tudo mal entendido! Portanto não pensem que eu estou querendo dizer que vocês fazem o que eu desejo faze e não consigo colocar na realidade. O problema é exatamente esse: vocês nasceram para realizar meus desejos ocultos, mas desvirtuaram-se. Não deixaram que minha vontades seguissem seu livre curso. O final que construiram para vocês é diferente do final que eu desejo.

(continuo amanhã a noite... Por agora é só isso, pessoal. Mas a conversa continua...)

A bota

aí eu virei na cara dela e falei assim, você tira meleca, sua roupa é amarrotada e eu não confio em mulher que usa bota.

aí ela falou pior você que tá ficando careca.

aí eu mandei ela tomar no cu e levantei o dedo do meio e falei assim, ó, tu até pode querer, mas eu nunca mais te como. mas eu acho que era mentira minha.

aí ela riu e falou eu vou virar sapatão mesmo, porque homem é tudo filho da puta. ou viado. ou ambos.

aí eu disse que se fosse pra ficar ouvindo ela falar merda o dia todo o melhor era virar viado mesmo. mas sem querer eu babei no finalzinho e falei assim, eu babei.

aí ela riu de um jeito fofo e disse, a minha bota não é tão feia assim. tem um lacinho aqui do lado, ó.

aí eu ri de um jeito fofo e falei assim, nossa, tem mesmo.

meu deus do céu do perpétuo socorro, ainda por cima a bota tinha um lacinho, cê acredita?!

aí, ela ficou quieta. e eu fiquei sério. e falei que se ela tava mesmo indo embora da minha vida é pq ela era burra. poxa, a gente tinha acabado de rir fofo, caramba!

burra não. insensível, ela disse.

insensível é pior do que burra, falei.

(autor desconhecido. peguei no orkut de uma pessoa)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Sobre a solidão e as fugas II (da autoria)

Também me sinto só em rodoviárias. Lugares públicos sempre foram incômodos. Parece que para todos há contato. Fico só. Mas não é por isso que criei Débora. Nem ao menos foi por isso que a fiz fazer o que fizera.
Quisera eu escrever num ímpeto tudo conforme penso. Quando escrevo, o que penso já passou. Não consigo seguir o ritmo da idéia. A idéia é o próprio ímpeto. Um gravador talvez ajude. Mas se falo, já não é pensamento. O pensamento é anterior à fala. Pensei Débora e ela foi outra.
Minhas idéias são livres de mim. Elas me invadem e já não as controlo. Débora foi uma idéia. Hoje é um pensamento abjeto que repete-se a cada nova leitura. Repete-se como a vida vai e vem: parece ser diferente mas é sempre a mesma merda fodida todos os dias.
Eu a amei da primeira vez em que a vi. Era perfeita em sua solidão.
Quero evitar dizer, mas tudo é sexo. Todas as relações estabelecidas. Débora: a não relação. Ela não era sexo. Era só meu sexo, se muito. Nascera pura. Lamentava a solidão ao mesmo tempo que a admirava. Eis a pureza. Mas era fraca. Cede às tentações de não sentir-se só. Não aguenta a dor.
Amei-a. Odeio-a. Não há como negar que tudo é sexo.
Meus pensamentos vagueiam e chegam ao sexo, mas não é disso que quero falar. Quero falar de mulher apenas. E o que são elas? E o que sou eu?
Se Débora saísse do papel penso que ela não foderia comigo. Seria pouco demais para ela. Ela prefere rapazes frágeis e que se sentem enraivecidos quando ela não os responde. Eu me enraiveço com ela porque a desejo mas sei que ela compreenderá que meu ódio, minha raiva, são desvios do que sinto.
Quero afastar-me dela. Mas ela é sempre minha idéia. "Orlando, pare de escrever", me ordeno. É impossível. Tenho um compromisso com a escrita. Doloroso compromisso e por isso fiz questão de livrá-la do mesmo peso.
Meu corpo seria o único peso para Débora. Imagino-me deitado sobre ela. O peso de meu corpo. O furor das palavras ditas na hora do sexo. "As sacanagens todas, idiota", desejo poder gritar para ela. No entanto, sei que ela não me ouve. Se quiser que ela me ouça, eu mesmo devo ir falar-lhe.
- Ei, você!
- Sim?
- Sou teu deus. Dei-te vida, sabias?
- E como fala-se com deuses? Espia... Há um homem sobre minha cama. Não posso perder-me em trelelês.
- Pois retiro o homem de sua cama. Veja:
"Como podem ser bobos os homens! Imagina que não percebi seus pensamentos.
- Mas já não é bom com ele. Preciso de mais... Sinto-me só.
Obviamente o rapaz entendeu. Cláudio. Gente finíssima. Conversamos all the way até meu prédio.
- Você pode me ajudar com as malas?
- Claro, madama.
Nesta noite, não importam rodoviárias, aeroportos ou pontos de ônibus para mim. Não mais."
- Pois veja que acrescento ao que tinha outrora escrito: "E Débora fechou os olhos, percebendo que aquele homem, aquela viagem, aquela rodoviária e tudo o que pensara, eram apenas pensamentos.". Viu? Controlo-te!
- Mas sinto minha carne invadida por ele. O fato já consumou-se.
- Tudo fantasias!
- Vais dizer-me que eu sou também fantasia?
- Diria apenas que é uma caixa dentro da caixa...
- E você? A que caixa pertence?
- Não pertenço à caixas. Eu as crio. Sou seu autor. Orlando, o prazer é todo meu.
- Ah! Sim, Orlando. Débora. Mas se dizes a verdade, imagino que já me conheça. Melhor que eu mesma, talvez.
- Criei-te para conhecer-me. Perdi-me mais ainda em mim, contudo. Você é fugidia!
- Fugidia? Pois então tinhas planos escritos para mim?
- Não escritos. Ia exatamente pô-los no "preto no branco", mas você apressou-se a mim e escapuliu-me.
- E o que pretendias?
- Podemos ser menos diretos?
- Oras, sou apenas uma idéia em sua mente... Podes ferir-me. Não sou qualquer mulher com quem você tenha que ter maiores pudores.
- Pois queria foder-te. Criei-te para aliviar-me as tensões. Desde que a vi em minha mente naquela rodoviária pensei "é essa que fodo!".
- Mas como? Não existo! Que idéia disparatada!
- É que prefiro foder idéias.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Sobre a solidão e as fugas

De todos os lugares, o mais solitário pode ser uma rodoviária. Ou um ponto de ônibus. Ou ainda um aeroporto. Há muito lugar para a solidão nos encontros e reencontros. Nos desencontros. Estive na rodoviária. Havia pessoas, umas pelas outras, ali. Ninguém por mim. Dei-me conta de que sou só. E fico feliz. Consigo lidar com o fato de que sou só, não precisando de pessoas que disfarcem minha solidão.
Pego minhas malas no guardador do ônibus. Gosto do modo como o rapaz verifica cada etiqueta. Seu olhar procura pela confirmação de que sou dona daquela mala. Ao menos poderá dizer: "Ela, essa senhora, é dona daquela mala". Mas que sou? que coisa me define?
Sou Débora. Não há ninguém por mim na rodoviária. Sou aquela que olha para as pessoas e que fica feliz e que fica triste.
Li Clarice. As frases soltas. Perdidas, como que separadas umas das outras. É impossível não seguir o estilo. É como se escrevesse o que desejo falar. É como se falasse apenas. Sem compromisso. Qualquer coisa sem compromisso fica mais fácil. O compromisso é um peso que não consigo carregar. Se tivesse que comprometer-me com a escrita, certamente não escreveria.
A moça do guichê de táxis acena. "Quanto é a corrida até o Leblon?", "Ao Leblon... Com todas essas malas... R$27".
O taxista não me olha a cara. Olhar a cara é importante para o contato. Não gosto de falar com quem não me olha na cara. "Leblon?". Sim, Leblon, eu pensei. Preferi não confirmar. O que será que se passa em sua cabeça? Talvez tenha raiva de mim.
Quando chegar em casa, vou me arrepender de tê-lo deixado com raiva. Talvez ele até prolongue um pouco mais a viagem para descontar em mim aquilo que fiz a ele. Quem perderá? Ele, certamente! Perderá tempo e combustível.
Quando chegar em casa, vou pensar: alguém está com raiva de você hoje, babes. E ele pensará em mim toda a noite, a cada vez que um novo passageiro abrir a porta.
Sônia me liga no meio do caminho. Qualquer coisa sobre como seu marido não lhe ouve. Melhor não lhe alertar sobre como ninguém ouve hoje em dia. A rodoviária é só um falseamento. As filas de banco também e toda aquela conversa sobre "como demoram a atender nessa agência".
Queria falar sobre mim. Mas tenho dificuldades. Falar do mundo é como falar sobre si? será? Penso que eu seja uma mulher com dificuldades de falar sobre si mesma. Mas então como seria falar sobre outra pessoa?
Sônia continua ao telefone. Também não a ouço. Mas digo "sim", "claro" e algumas interjeições no meio do percurso. Já estamos na Lapa. O caminho que ele pegou não é o mais curto. Poderia ter ido pelo Rebouças. Não gosto de túneis, de qualquer modo. Menos ainda gosto de pessoas falando no meu ouvido sem que me olhem na cara: "Não, Sônia, não estou te dando atenção!" e ela desligou.
O retrovisor. E ainda estamos passando pelo Aterro. Tenho bastante tempo.
- Está calor nessa cidade...
- Sim -respondeu-me contrariado. Fato: ficou com raiva.
- O senhor trabalha a noite toda?
- Depende, madama. A senhora mudou de idéia? Quer ir pra outro lugar?
- Não se trata disso, bobinho - e aproximo-me. Nenhum anel em seus dedos.
- Bem, tem dias em que paro mais cedo. Hoje é um dia bom. Acho que fico até o sol raiar sem problemas. É que não gosto de comprimidos, sabe?
- Entendo. Eu também não me dou com remédios...
Silêncio. Momentos assim me incomodam. Ok, rapaz, continue a conversa.
- A senhora está chegando hoje de viagem?
- Sim. Poucos dias fora da cidade.
- Isso é sempre bom, né? A madama chegou aonde?
- Nada demais. Fui apenas encontrar com o marido de uma amiga, essa que acabou de me ligar.
- Entendo...
Como podem ser bobos os homens! Imagina que não percebi seus pensamentos.
- Mas já não é bom com ele. Preciso de mais... Sinto-me só.
Obviamente o rapaz entendeu. Cláudio. Gente finíssima. Conversamos all the way até meu prédio.
- Você pode me ajudar com as malas?
- Claro, madama.
Nesta noite, não importam rodoviárias, aeroportos ou pontos de ônibus para mim. Não mais.

Música

Era casa da Sá. Todos conversando e depois, tentando dormir. E o cd tocando. Até que todos se deram conta de como a música era agradável. Ela fez uma cópia do "Amplified Heart" para nós e a música que sempre me chamou a atenção foi "Troubled Mind". Não sei porque, mas me peguei cantarolando essa música esses dias e como na separação de bens o cd ficou com ela, eu acabei baixando novamente o cd todo só para verificar como era a música. Aqui segue a letra.

Troubled Mind

Don't say one thing one day,
then something else the next day.
I'm trying to keep up with you -
it's hard enough when you speak clearly,
but when you're confused,
it's like a goods train running through these rooms.

And I'm reading more into your words than you have put into them,
and that's my problem,
but you tied these knots, now you undo them.
You undo them.
Oh and think before you speak my darling.

Cause with your troubled mind,
you're like a goods train running through my life.

We all walk through this world alone,
we keep ourselves untouched, unknown.
You look up to the sky above you,
read this there - I love you.
Oh it's written there, you know
I love you, love you, love you.

But with your troubled mind,
you're like a goods train running through my life.

And when you're down,
you bring me down too,
and babe that's something I would not do.
I know it's hard, yeah I know it's hard,
and baby that's something I don't disregard.

Houve um tempo...

Sim, houve um tempo (bem distante) em que eu escrevia poemas ao invés de livros (sim, houve um tempo em que eu tentava escrever livros ao invés de contos). Este é um deles.
O que eu mais gostava.


Capitalismo

Foda-se a amizade que você tem para me dar
A falsidade que exala dela,
Que se desprende, é maior que o valor do apreço que tenho.
No mundo capitalista em que vive e que é onde me ensinou a viver
Tua amizade não é lucrativa
Você não vale a pena
E mais uma vez desperdiço por você meu bem mais precioso
Que são as palavras livres
De você e de mim
Mas cheias daquilo que eu penso
E o que eu penso se afasta daquilo que sou, já que não sou o que eu penso
Sou o que as pessoas pensam que eu seja
Elas me fazem e eu me conformo.