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terça-feira, 24 de julho de 2007

O viandante

Quero perder-me de mim e no perder-se, deixar-me ver a mim mesmo, como que distante.

O que veria?

Imagino que veria um viandante. E que este ia errante pela estrada. Uma estrada longa, um pouco sinuosa, mas que tinha sempre um mesmo caminho, uma mesma direção: adiante. E que nessa estrada, veria o viandante zigue-zagueando, em busca de troncos e coisas seguras na beirada, coisas a que pudesse se prender e tomar como garantias, parando assim de caminhar.

Mas se parasse de caminhar, não seria viandante. E sabia-se viandante. Foi por isso, por saber-se sem saber que sabia-se, que deu-se conta um dia de que não era necessário correr para as margens em busca de algo a que pudesse se prender: bastava caminhar e ir conhecendo estas coisas que lhe passavam pela lateral, relacionar-se com as coisas e deixá-las seguir o rumo próprio ao passo que ele mesmo seguia o seu.

Foi assim que decidiu (e isso, posso ouvir e precisar o momento exato em que ouvi): Vou deixar-me viver.

Viu passarem árvores, troncos, pequenas ramagens, pedregulhos. Aproximou-se deles. Deixou-se ali ficar. E partiu, sem medos, sem arrependimentos.

Foi quando lá na frente, bem lá na frente na estrada, avistou uma grande lagoa.

Apressou o passo para chegar mais rapidamente ao lugar, tão interessante e certo visto assim de longe.

Lá chegando, avistou toda a extensão daquele lago, dando-se conta de que não se tratava de um lago, mas apenas de um grande rio que passava por ali. Aquele amontado de água que vira lá de longe era nada mais que um remanso do rio que, lenta e placidamente, seguia seu rumo em busca da foz onde, um dia, de fato se entregaria e de fato se deixaria ficar.

Nosso viandante, outrora decidido a não aprisionar-se a nada que lhe aparecesse no meio do caminho, decidira deixar por um instante suas bolsas e despojar-se de suas vestes e banhar-se tepidamente nas águas plácidas e limpas do rio.

Aquela água era tão prazenteira. O modo como lhe tocara o corpo num primeiro instante, fazendo os pêlos eriçarem-se e pequenos calafrios subirem pelo dorso. E o modo como ela, a água, tirara dele as sujeiras que lhe embaralhavam as vistas, deixando-o ver a estrada que ele deveria seguir de modo mais claro.

Aquela água, tão prazenteira, fizera o viandante querer prender-se novamente a algum lugar. Mas e sua decisão anterior? De que lhe valeria se se deixasse ficar ali, abandonado às margens do rio?

Decidiu então por um dia entregar-se ao rio. Como seria? E passou toda a extensão de um dia banhando-se naquelas águas.

Ao final desse dia, porém, deu-se conta de que a água que por ele passava, passava e segui seu curso, em busca da tal foz a que se entregaria no fim. Não era o mesmo rio, o filósofo já lhe alertara um dia, não era a mesma água; quiçá aquela ali era a mesma margem, que a brisa leve carregava folhas e um pouco da terra.

Assim, nosso viandante despediu-se do rio, vendo toda aquela água deixar-se ir pelo portão formado pela margem na parte em que se estreitava, cinco metros mais abaixo de onde ele e o rio haviam se encontrado e sido cúmplices.

Vestira sua roupa, pegara suas bagagens. Hoje, tenta andar novamente pela estrada, resistindo de novo e a cada segundo ao desejo de retornar ao remanso regozijante do rio que segue.

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