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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A Imagem Morta

Tendo metido desperançadamente seu pau na buceta úmida da mulher, pegara a espingarda no velho armário embutido no alto da parede suja do corredor, escurecido pelas sombras de um final de tarde, trancara-se no banheiro e disparara a arma enfurrajada pelo tempo.
Aquela espingarda havia pertencido ao bisavô, conhecido caçador de lebres no interior, de onde a família toda viera. Depois passara para o pai de seu pai, e para seu pai: sem serventia, restou à arma ficar guardada e escondida, como uma lembrança vergonhosa, nos armários das casas porque passara. Agora pertencia a Ernesto e soltava fumaça pela ponta do cano duplo, quente e cheirando a pólvora.
As paredes do corredor, que iam dar no banheiro, ficaram alvoroçadas com o barulho: o que havia acontecido ali ainda não sabiam e nem lhes seria permitido saber.
A moça no quarto ainda dormir e não fora, surpreendentemente, acordada pelo barulho no cômodo ao lado. Havia muito que não se entragava a um homem e o labor fastidioso lhe exaurira. Dormir lhe acenava após sexo infindo como uma possibilidade melhor do que a de conversar com Ernesto.
A companhia do homem lhe era bastante agradável e ainda há uma hora, teria preferido continuar no restaurante a ir para a cama, mas algumas opções não nos são apresentadas quando mais precisamos delas e teve de levantar-se quando Ernesto retornou do caixa com um sorriso leve nos lábios.
- Quer alguma coisa antes de voltarmos para casa? - ele perguntou.
- Não. - respondeu secamente. Teria preferido ficar no restaurante, mas agora já era tarde.
Ernesto, ao chegar em casa, abriu as cortinas da sala para deixar a luz alaranjada do fim de tarde iluminar os cômodos e encaminhou-se para o quarto. Helena seguiu-o, um pouco ansiosa, um pouco sem vontade. Sabia o fim que aqueles passos teriam.
Não passara muito tempo até que sentisse as mãos áridas dele tocando-lhe a bunda e o vão entre as pernas. Ernesto nunca tivera muito jeito para o sexo. Era-lhe difícil respeitar a feminilidade de uma mulher e, por isso, dificilmente conseguia fazer com que suas parceiras gozassem.
Sua sorte é que nascera brasileiro: esse lugar de mulheres sexuadas, mas dissimuladas no jeito. Nunca tivera dificuldade em conseguir levá-las para cama, entretando nunca conseguira delas o que lhe seria útil: uma verdade.
Sentindo a mão pesada de Ernesto em sua buceta, Helena só conseguiu tirar de si um gemido, menos de prazer que de dor. E logo que olhou para baixo, viu que Ernesto se sentava na beirada da cama de casal, seu pau rígido debaixo das calças; aquele pau conhecido de Helena, que mesmo ruim no sexo ela acabava cedendo aos encantos e necessidades do antigo parceiro de bar e ideologia política.
Quando ligara para Helena aquela manhã, Ernesto tinha uma idéia em mente. Ainda jovem prometera a si que, caso não tivesse constituído família até os 47 anos de idade, e constatando então sua inutilidade para o mundo, não apenas pela falta da paternidade ou conjugalidade, mas também por qualquer outro motivo que lhe viesse à lume nesta idade, riscaria-se da vida sumariamente.
No entanto, tinha seus orgulhos. Aos 47, muito eles haviam crescido e, fiel à sua promessa, viu-se, como dizem, entre a cruz e a espada, ou entre o fracasso e a possibilidade de reparação. Muito difícil era para ele extinguir-se do mundo sem haver, mais uma vez, tentado.
Entre as frases trocadas com Helena pelo telefone, perguntas feitas e respondidas, deu-se o convite para o restaurante. Helena entrevira na fala o sexo ao final da tarde. Com Ernesto, ela sabia, as coisas eram mesmo assim: os desejos ficavam subtraçados no discurso; tinha-se que adivinhá-los caso não se quisesse correr o risco de surpresas. Ainda assim, com a promessa pouco convidativa de uma trepada até o começo da noite, aceitou o convite e foi almoçar com o antigo amigo.
Tão logo pode, Ernesto pediu a conta ao garçom. Queria logo terminar com tudo aquilo. Queria logo a consciência de que, ao menos antes do fim, tentara verdadeiramente mais uma vez, ao menso, procriar.
Em casa, já no quarto, foi logo esfregando a mão rude na bunda de Helena e, deixando-a correr pelos quadris largos da mulher, apalpou aquela buceta já conhecida, mesmo por cima da calça, esperando que já estivesse molhada. Não gostava de enrolações. O sexo era algo a ser consumado rapidamente, talvez por culpa cristã, talvez por uma necessidade gritante. Ernesto confiava boa parte de seus atrativos sexuais ao poder de sua mão de homem.
Helena abriu o fecho de sua calça e deixou-se cair na cama. Ernesto despira-a rapidamente. De pé, despiu-se de súbito e deixou seu corpo cair sobre o da mulher. Sentiu seu pau roçando a carne levemente úmida de Helena. Ela, com os olhos fechados, pensava em Fernando, sua paixão de adolescência, quando sentiu a carne abrutalhada dele aferroando-lhe fundo o ventre, e agarrou-se à imagem de Fernando como um moribundo à vida, ao passo que Ernesto, o verdadeiro moribundo, percebeu o ridículo de seu esforçoe decidiu puxar seu pau para fora do corpo de Helena, ao que disse:
- Ah! Helenita, me desculpe... Não posso... - e deixou sua cabeça cair no colo da mulher.
Sem saber o que fazer, Helena agarrou-lhe os cabelos e começou a acaricíá-lo, em parte satisfeita pelo fim, em parte temerosa dos motivos que impediam Ernesto de ter um orgasmo: seria ela? Poderia continuar uma conversa, mas talvez fosse melhor não dizer nada.
Pouco tempo seria necessário para que Helena adormecesse e não acordasse com o barulho alto no banheiro ao lado do quarto, nem como o barulho sussurrante das paredes do corredor, curiosas por saber o que estava acontecendo.
Havendo pegado a espingarda no armário do corredor, Ernesto trancara-se no banheiro. Cinco segundos fora o tempo necessário para que percebesse duas qualidades que não sabia ter: era um grande covarde e um esperançoso, se é que esperança e covardia não são frutos de uma mesma temerosidade.
Levantou os olhos, as mãos trêmulas de medo, a morte sentada na banheira a espiá-lo de longe, mas já entediada e certa de que perdia tempo como quase sempre com os suicidas. Ernesto pode ver, então, sua imagem refletida no espelho por sobre a pia e, segurando firmemente a arma de herança, disparou um tiro contra a imagem de um Ernesto antigo, que acabara de morrer ali, mas sem que a morte pudesse tirar proveito.
Já não havia espelhos para que ele pudesse ver a imagem de um novo Ernesto. Mas havia ouvidos e lábios e ainda um filete de voz, trêmula e fraca por tudo o que ele acabara de viver naquele pequeno cômodo. Com este ouvido e esta voz fraquejante, Ernesto abrira a porta do banheiro, voltara cambaleante para o quarto e, sacudindo Helena para que ela acordasse, disse-lhe:
- Helena, me ensine a amar.
Ela puxou-o para si e começou a acariciá-lo novamente e morrera 15 anos depois sem saber que fora ela quem dera aquele que ainda veio a ser seu marido, Ernesto, uma chance de viver novamente.

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