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sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Carta de Amor*

É que quando desacostumamos a sentir, qualquer sentimento é dor. Vem, rasgante que é, estraçalhando nossos interiores. Há aqueles que são capazes de aguentar, mas eu, eu, que sou fraca, eu, que me envergonharei de mim por isso, não aguento. Por isso escrevo-lhe mais estas linhas, apesar de ter-me prometido e ter-te dito que não mais o faria. É que não consigo não pensar em você quando a tarde cai e a noite vem, trazendo a lua e a solidão para dentro do meu quarto e do meu peito.
Agi de má-fé comigo mesma. Não há como enganar-me e fugir de mim, daquilo que sinto e que agora me dói. Como podemos fazer tanto mal a nós mesmos? Quão ingênua fui ao pensar que poderia me esconder de mim! E agora, novamente, coloco-me a teus pés: é que já não sei o que fazer de mim sem que mo digas.
E agi de má fé contigo. Nem tudo que é teu e que estava aqui lhe devolvi. Vejo agora como fui tola. Talvez a posse de algo seu pudesse me ajudar a manter a raiva que conseguia manter por estar sendo ignorada, eu pensei. Talvez se você percebesse que eu ficara com algo, viesse me procurar, eu pensei. Qual nada! Tudo o que consegui foram lembranças! Tolas lembranças... Como no dia em que você chegou de mansinho, abriu a porta devagar, pisando leve e me surpreendeu na cozinha, me abraçando pelas costas e me deixando com as pernas bambas pelo susto e pelo prazer.
Sim, me afastei. Fiz de tudo o que pude. Sei que tudo o que fiz fora, também, fruto de uma decisão tomada apenas por mim, nunca a propósito de qualquer pedido seu. Julguei o que era melhor e assim o fiz. Com isso, aprendi que nem todos os julgamentos, por mais que sejam bem feitos, são corretos. A justiça é cega e assim o é, do mesmo modo, o amor. Não há como querer exatidão ao unir os dois. Não passei de uma boboca infantil querendo ser adulta e senhora de minha vida, a mesma que pertence a ti - agora bem sei.
Talvez não receba bem estas palavras. Talvez precise rasgar esta carta para que uma outra mulher não a veja ou não a descubra no bolso do casaco, quando o "acaso" acaba servindo ao propósitos ocultos que temos, aqueles que escondemos de nós mesmos. Não há problemas. De cá, tento satisfazer-me simplesmente com o fato de tê-las escrito e de crer que consegui fazê-las chegar a ti.
Queria poder dizer, como Pessoa disse a sua amada: "Quanto a mim, o amor passou", mas seria mentir novamente. Amo-te, querido. Amo-te, mesmo que, por isso, sinta dores. Aliás, estas me são bem quistas, uma vez que são o único motivo que tenho para amar-me a mim: o amor que tenho por ti e que faz doer-me o peito.
Da sua,
Beatriz

* Para os que não leram, há em Julho o post "Carta de (des)Amor", também de autoria da Beatriz, ao qual o presente representa continuação.

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