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quinta-feira, 2 de agosto de 2007

O Silêncio

Pior do que a voz que cala,
é um silêncio que fala.
Simples, rápido!
E quanta força!
Imediatamente me veio à cabeça situaçõe
sem que o silêncio me disse verdades terríveis,
pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega.
Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca.
Silêncios que falam sobre desinteresse,
esquecimento, recusas.
Quantas coisas são ditas na quietude,
depois de uma discussão.
O perdão não vem, nem um beijo,
nem uma gargalhada
para acabar com o clima de tensão.
Só ele permanece imutável,
o silêncio, a ante-sala do fim.
É mil vezes preferível uma voz que diga coisas
que a gente não quer ouvir,
pois ao menos as palavras que são ditas
indicam uma tentativa de entendimento.
Cordas vocais em funcionamento
articulam argumentos,
expõem suas queixas, jogam limpo.
Já o silêncio arquiteta planos
que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.
Quantas vezes, numa discussão histérica,
ouvimos um dos dois gritar:
"Diz alguma coisa, mas não fica
aí parado me olhando!"
É o silêncio de um, mandando más notícias
para o desespero do outro.
É claro que há muitas situações
em que o silêncio é bem-vindo.
Para um cara que trabalha
com uma britadeira na rua,
o silêncio é um bálsamo.
Para a professora de uma creche,
o silêncio é um presente.
Para os seguranças de um show de rock,
o silêncio é um sonho.
Mesmo no amor,
quando a relação é sólida e madura,
o silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.
O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.
E fala alto.
É quando ninguém bate à nossa porta,
não há emails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem.
(A Voz Do Silêncio - Marta Medeiros)

E há o silêncio. Há o silêncio como esta coisa pesada entre os dois. A distância. O silêncio da distância. Ele, sentado do lado de cá, ela, do lado de lá de uma mesma mesa de bar.
Ao redor, todos falavam humoradamente. Ser homem é estar em disposição para o mundo e relacionar-se com tudo a todo o momento. Sentados, encaravam-se e, no entanto, ignoravam aquilo que os rodeava, inclusive o barulho, assim como ignoravam um ao outro. Mas ignorar o mundo não seria lidar com ele? E o que se não nos apresenta que não seja a incômoda ausência, já que é no vazio entre as paredes que se está em casa? O que, se não a frustração, é que nos coloca em contato com aquilo nos vem ao encontro?
A privação do silêncio, portanto, é que os fez perceber que entre eles havia os rumores do calar-se.
- Mais uma cerveja? - perguntou o garçom, quebrando o silêncio e fazendo com que este fosse imediatamente percebido.
- Ah... Sim? - respondeu ele em tom inquisidor, questionando a mulher com o olhar.
- Sim. Pode ser. - Ela sempre tinha esse modo direto de encerrar os imbróglios.
A linguagem é limitada. De que nos vale algo que não nos serve em todos os casos? De que nos serve algo que precisa de complementos outros que não estão a nosso alcance? Não há em nossa língua uma só palavra que descreva a contento o sentimento que pesa agora sobre a mesa. Talvez, uma imagem, uma metáfora, mas nem estas seriam suficientes para descrever o familiar estranhamento da cena.
Melhor seria dizer coisas óbvias, falar de coisas comuns... Jogar palavras fora, vomitá-las, se assim fosse necessário.
Ele, irriquieto, procurara pelos olhos dela que, inertes, miravam a espuma da cerveja que se agarrara na parede do copo após o gole anterior. Subitamente então, ele fora tomado pelo desejo de dizer o que sentia, de abrir o peito, extravasá-lo. Assim, subitamente, é que fora tomado pelo ímpeto de fazer-se aberto, desnudar-se, correr o risco de dizer que, mesmo homem, sente. Desse modo, é que tivera a vontade infantil de dizer o que lhe vem à mente, sem censuras, e de arriscar ser visto como um menino. Sim, apesar da idade semelhante de ambos, ela lhe dissera numa das raras ocasiões em que o silêncio não os constrangera a ponto de instalar-se como uma visita entre eles: "às vezes, quando nos falamos, sinto-me tão envolvida por você que me esqueço... Me esqueço que você é apenas um menino". Era preciso pesar bem, era preciso determinar exatamente o que colocava a perder mostrando-se dominado pelo ímpeto, como só as crianças se permitem, mostrando-se incapaz de controlar seus impulsos, assim como se espera de um adulto.
Ela, ainda olhando o copo, calada, pensava sobre como o silêncio era bem vindo nessas situações desconfortáveis em que não se tem o que dizer. Ou naquelas em que o que se tem a dizer não é exatamente agradável. Preferia ficar calada.
- Que ele não fale nada! - pensava ela.
- Será que devo dizer o que sinto? - ruminava ele.
- Se ele disser algo, respondo secamente e ele se cala.
- Se eu falar como me sinto, talvez ela se abra para dizer como se sente...
- E se não se calar, eu fecho a cara.
- Mas porque será que ela não disse nada até agora?
- Pensando bem... Talvez se eu dissesse que não tenho mais interesse em me encontrar com ele vez ou outra... Bem, talvez ele parasse de me ligar e insistir para que saiamos.
- Será que ela não gosta mais de minha companhia? Mas é que... Bem...
- Nem é que não goste mais da companhia dele. Sim, da companhia gosto. Mas não quero ter a obrigação do sexo vagabundo que fazemos depois do bar.
- É que... É sempre tão bom quando saímos. Nunca encontrei alguém com que me desse tão bem! Somos tão parecidos... No entanto, eu desejo falar e ela, bem, ela permanece em seu silêncio.
- Acho que é melhor dizer logo.
- Se for para dizer que não quer mais nada... Melhor manter-se como um corpo insepulto a minha frente.
E assim, a noite se findou. O sexo vagabundo se consumou. E cada um foi para sua casa, mais uma vez.

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