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sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O passado e a escolha (um texto quase teórico)

Ao homem é dada a possibilidade de reflexão. Heidegger, por isso, nos chama de "entes privilegiados", pois só à nós é dada a possibilidade de refletirmos sobre o nosso próprio existir. É por conta dessa consciência que temos de nós, aliás, que somos. Kierkegaard dirá: o eu é relação que se estebelece com a relação estabelecida entre mim e eu mesmo, ou seja, o eu é reflexão acerca daquilo que faço e sou.

Há, contudo, que haver um momento originário, um momento em que percebemos que nós somos algo com o qual nós mesmos dialogamos. Há que se haver uma diferenciação entre mim e aquilo me circunda. Não há separação, posto que não há homem sem mundo, mas há, sim uma diferenciação. Para Sartre, "é no contato com o outro que tomo consciência de minha própria existência". Por isso, aliás, "o inferno são os outros", pois eles nos fazem ver quem somos a todo momento, seus olhares são testemunhos daquilo que fazemos de nós.

O caráter reflexivo do homem lhe confere outra peculiaridade: a liberdade que somos nos permite escolher. Podemos decidir o que viremos a ser a cada novo instante. Mas como se dá cada decisão?

Sartre destacará o que chama de "circuito de ipseidade": o homem, ao escolher no presente, passeia por seu passado, lugar onde "já-fui", e divaga por seu futuro, espaço do vir-a-ser, do lançar-se. Ao vermos uma escada parada em um prédio, podemos escolher passar por debaixo dela ou não. Ao nos depararmos com esta situação, podemos seguir tal caminho: sabemos que algumas escadas caem e podem ferir; lançamos para o futuro este pensamento passado e assim decidimos dar a volta na escada, para não corrermos o risco de sermos atingidos.

Kierkegaard dirá também: escolhas são feitas, mas não sem temor e tremor. O homem, ao decidir, decide-se por si, escolhe aquilo que vai ser neste momento. E o faz sem garantias: não sabe se o que escolhe é o melhor, trará os melhores resultados, se é o mais correto etc. Assim, somos tomados pela angústia (o tremor) e tememos.

No "circuito de ipseidade" há um risco: e se escolho apenas pelo passado? Ao homem é dada também esta possibilidade. Por não conseguir lidar com o temor e tremor que Kierkegaard nos diz de abrir-se para um novo futuro, o homem, ao olhar para seu passado no momento de uma decisão, prefere negar a possibilidade de um novo futuro, prendendo-se à certeza que o passado, que a história construída, é capaz de lhe dar.

Existir é correr o risco de ser si mesmo.

Há sempre a escolha que nos compete: podemos ou não nos manter em determinada posição ou situação. Mas é que, algumas vezes, quando se trata de gostar, a escolha é mais difícil e nem aparece diante de nós, porque os sentimentos a embotam e vemos apenas um caminho: esperar por quem se gosta. Poderia escolher sair. Mas simplesmente não consigo. Não consigo... E há ainda a outra escolha, a do outro, e esta não me compete.

Queria poder resolver todos os problemas. Diminuir as distâncias. Estreitar os laços. Não me comunicar apenas através da tela fria. Queria poder estar perto e acompanhar este processo, estar ao teu lado. E queria dizer (e digo) que sim, quero que a escolha me favoreça (mesmo que admitir isso soe um tanto quanto egoísta, mas a atitude diplomática tem seus limites).

Escolho permanecer ao teu lado, mesmo que, de fato, ao teu lado nunca tenha estado. Escolho a esperança assassina: aquela que quer matar os dias para que logo chegue a noite... A noite, este momento em que, sedentos, partilhamos nosso dia.






PS.: Enfim, queridos que lêem este blog, o texto é apenas uma proposta de reflexão. Talvez tentem descobrir algum sentido e de que escolhas eu falo... Bem, aproveitem apenas as reflexões que, quem sabe (é o que espero) o texto é capaz de suscitar

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