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quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Do medo e seus empecilhos

- Que assim seja!, pensou quando entrava no ônibus. Era melhor não dizer uma só palavra. Melhor não abrir espaço para o diálogo.

Guardou a idéia para si. "Que assim seja!", seguiu o caminho até sua casa pensando. Não é que uma decisão importante tenha sido tomada. Apenas questão de convicções...

Havia tempo que deixava doer em si uma dor. Fora forçado, desde pequeno, a se tornar um indíviduo. Por mais que pedisse à família: "por favor, me engulam", aos 6 anos de idade, no dia do aniversário, ainda assim, pedindo, havia de ser só no mundo. Não, sem antes, tentar desesperadamente agarrar-se ao que lhe viesse ao encontro.

Foi assim, na busca por portos a que pudesse atracar seu barco de indivíduo e torna-se, no mínimo, dois, foi assim que aprendeu a amar. Ou fora assim que nunca aprendera a amar.

Aos 12 anos, conhecera Carla. Carla, adorável, gostava de ver novelas. Passara então, a assistir ao lado dela, todos os capítulos da das sete e das oito, "as melhores", segundo ela.

Aos 13, apaixonara-se por Quintanilha. Não que a menina tivesse esse nome. Família tradicional, Quintanilha. Mesmo amantes, não se sentia à vontade para chamá-la pelo nome, Laurinda, e chamava-a pelo sobrenome da família.

Vivia a família Quintanilha e foi assim que começara a se interessar pelos assuntos da matemática e da economia. Era preciso saber conversar com o Sr. Quintanilha nos jantares de família. Era preciso, desesperadamente, fazer parte daquele mundo que, na verdade, era apenas um mundo: o que importava era fazer parte.

Muitos anos ficou com a menina. 3. Foi quando aos 17 conheceu Paulinha. Quanta amabilidade! Paulinha! Ah! Que saudade daquela época em que corriam que nem loucos de cinema a cinema na cidade em busca dos melhores filmes nos festivais! E do melhor lugar para sentar!

"Paulinha era louca", ele diria! Na verdade era apenas mais velha que ele. Encarava a vida de outro modo. Estudava teatro na federal. Grupo de amigos. Maconha aos finais de semana. E aquele pensamento leve de quem não tem compromissos a não ser consigo mesmo.

Depois, amargou dois anos só. Casa-trabalho, trabalho-casa e muitas sessões de terapia para aprender que não precisava ser o outro para ser gostado pelo outro. E muitas sessões de terapia para aprender que ser indivíduo nem era tão pesado assim.

Como nem tudo, porém, muda, a couraça do indivíduo que ele era permanecera igual em alguns pontos.

E aí foi quando conheceu Daniella num desses sites de relacionamento. Começaram a trocar mensagem esparsas, depois, se falar por um desses programas de conversa... Até que trocaram telefones, endereço... Até que marcaram de se ver... E se viram.

Muito havia em comum! Talvez nunca tanto! Nem era preciso ser outro para ser dela. Ela nem precisaria ser outra para ser dele. Haviam sido feitos um para o outro (?). Os gostos eram iguais. Não surpresa quando, no dia do encontro, por exemplo, a menina exclamara: quando mais nova eu achava que tinha que ser outra para que gostassem de mim e ia mudando de roupagem a cada relacionamento que arrumava. Ou então: desde muito nova eu achava que era pesado ser eu... então, fiz terapia.

No entanto, nem tudo é igual, que seria como lidar com um espelho. Daniella morava próximo ao local deste primeiro encontro. Levou o rapaz até o ponto, sem saber o que ele pensava.

- Como pode? E agora?! Terei que ser eu simplesmente?!!! E como esconder-me de alguém que é tão eu quanto eu mesmo?! Sim... Se gosto? Gosto! Como gosto! Seu cheiro, sua pele, seus olhos! Seus cabelos e seu sorriso! Seu toque... Seu calor... Como gosto! Como dói ter de andar ao lado dela e ouví-la falar sobre as coisas que viveu, sabendo que vamos para o ponto de ônibus e que não mais nos veremos esta noite!... O que fazer, meu Deus?! O que fazer?!... Sim... Que assim seja!

- Que assim seja!, pensou quando entrava no ônibus. Era melhor não dizer uma só palavra. Melhor não abrir espaço para o diálogo.

Acenou um tchau quando ainda passava pela roleta. Daniella sorrira da calçada e acenara de volta. Um beijo? Sim, ela jogara um beijito célere, sem nem ao menos saber que, de hoje em diante, o rapaz decidira: se esconderia dela.

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