Ele e ela. Um bar. Sentados numa mesa de bar. "Garçom, por favor, a de sempre", pediu o rapaz. Ele olhou em seu próprio pensamento novamente e viu a menina sentada na cadeira em frente a dele, do outro lado da mesa. Acenou para o garçom novamente e Dois copos, hein! Por favor!.
Sem nada entender, o garçom levou à mesa a cerveja de sempre e dois copos, colocando todo o pedido em frente ao rapaz. "Está esperando alguém, senhor? Precisa que eu pegue outra cadeira?", perguntou ele ao freguês de modo polido, na tentativa de descobrir porque era necessário um outro copo quando ali havia apenas uma pessoa e um acento.
- Não, não é necessário... Certamente ela não virá. Tampouco a convidei. Mas o copo será para mim o representante dela aqui, o meu mais valioso símbolo. E o que é o amor senão símbolos?
"Certamente é só mais um daqueles casos de separação com os quais lido quase todas as noite", pensou o pobre atendente. Mas não sabia o pequeno e franzino moleque-servidor que aquele não podia ser caso de separação, uma vez que entre aqueles dois, aquele rapaz a quem ele servia e a menina em que aquele rapaz pensava, nunca houvera nada além de ausências: cada um faltava repetidamente ao encontro nunca marcado e, por isso mesmo, nunca ocorrido dos dois.
Sentada numa mesa de bar, ela ouvia os amigos falarem sobre coisas em geral. "Falar sobre coisas em geral é 'legal'", ela pensou e, inevitavelmente, lembrou-se de como o rapaz usa legal para, modestamente, falar de coisas boas que ele possui.
Falar sobre coisas do geral faz com que a menina sinta-se viva, pois entende que viver é ser intencionada por alguém, é ser figura para a consciência de outrens. Tendo deixado vir à tona a lembrança do rapaz, pensou em como tinha dúvidas sobre gostar ou não do modo como ele a intencionava: faz poucos dias que deu-se conta de que, apesar de temer a solidão, seria uma boa escolha ficar sozinha por um tempo, mas conheceu o rapaz e este começou a gostar dela, estragando toda a possibilidade de algo legal e, ao mesmo tempo, toda a possibilidade de solidão que ela queria. Não sabia se, de fato, não gostava do modo como o rapaz a intencionava. Não sabia, contudo, também se estaria ou não disposta a intencioná-lo do mesmo modo, a retribuir aqueles gestos. E ficava paralisada e perdida na imensidão de suas dúvidas.
De cá de fora, eu, autor e criador destas personagens que nunca existiram mas que devem haver aos montes por aí, penso que a menina teme correr o risco: intencionar o rapaz do mesmo modo que o rapaz a intenciona é correr um risco muito grande. E admitir que não se permite intencionar o rapaz do mesmo modo é admitir que não consegue arriscar, colocando assim em risco o que ela mesma vem sendo.
Mas, continuemos, que opinião de autores nunca importam de verdade. Melhor que elas é a ilusão de que as personagens vivem por si só.
Em dois lugares diferentes, em dois lugares distantes, pensam um no outro:
- Gostaria que ele estivesse aqui, pois sinto falta de seus gestos, que perdem-se no ar e encerram-se em si - pensa ela.
- ... já que meus gestos não se encerram no ar, trazendo em si todo o mundo de sentimentos que tenho em mim - concluíra o rapaz um de seus pensamentos. Gosto quando ela usa suas gírias.
- ADORO quando ele me mostra músicas que me fazem sentir o momento - pensou ela, usando suas gírias.
- Na verdade, queria que ela estivesse aqui mais do que eu estar aqui. Estar aqui não importa. Estar aqui perde-se no instante de estar. Ela estar aqui é idéia, é pensamento, é símbolo.
- De fato, temo que esteja aqui. Não quero perder-me em conversas sobre o gostar. Não quero admitir-me perdida. Perder-me é algo incômodo. Há algo de errado. Não sei o que. Prefiro manter distância. Queria que ele estivesse aqui. Como amigo. Não gosto do jeito com que ele busca definições: "Somos o que? Amigos?" Não gosto quando ele busca esse tipo de definições. Mas já o defino como amigo e só assim consigo relacionar-me com ele, pois eu também preciso de certezas para saber em que chão piso.
E mesmo longe, conversavam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário