Google

domingo, 1 de abril de 2007

Re-velar

O homem revela-se em cada ato. Ato indica ação. A cada ação, o homem revela-se.
Minha irmã faz um curso de fotografia e está encontrando sua praia. E fala sobre como o processo de revelação é interessante. Tirar do papel o que ali nunca esteve deve, de fato, ser uma experiência divertida.
Estamira, por sua vez, a mulher que trabalha no lixão de Gramacho (digo "trabalha", mas imagino que já não trabalhe mais lá e que o diretor do documentário tenha dado algum dinheiro a ela), diz que veio ao mundo revelar a verdade, nada mais que a verdade (e somente a verdade, perante Deus... Se ela acreditasse em Deus).
E o que é o revelar??? Parece que há aqui dois processos diferentes.
Uma amiga me diz: sinto-me vazia, apesar de ter algo. Penso que o outro algo, que eu não tenho, é o que realmente me faz falta.
Revela-se ou esconde-se com a frase?
O revelar da fotografia é o processo em que se coloca no papel aquilo que se colocou no filme. O filme, outrora branco, agora está impresso com aquilo que o fotógrafo quis lhe imprimir. Com todo o processo, revela-se no papel a foto. Mas a foto não estava no papel... O processo todo colocou-a ali, colocou ali o que ali não havia.
A Estamira veio para revelar: veio para dizer o que ninguém sabe. Veio para colocar no mundo o que no mundo não há: a verdade.
Parece que esse "revelar" comum nos fala de algo que nunca foi mas que passsará a ser, a partir do momento em que se "revela".
Usemos, para nos ajudar, o hífen. É preciso, contudo, deixar claro que isso que faço com o hífen nunca é correto (não, ao menos, até que provem que é). O processo é mais ou menos assim: pego uma palavra, tento encaixar um hífen e compreender algum sentido que possa haver na palavra que antes eu mesmo não percebia. Desta vez é o re-velar.
Velar significa movimento de esconder. Re-velar seria, portanto, esconder de novo. Mas há também quem vele os mortos. Penso que velar, nesse caso, seria algo como "cuidar" (é, amigos, por mais engraçada que seja pelo fato de sempre abrir numa palavra de sentido positivo que nunca traz "Rodolfo" na definição, a edição eletrônica do Aurélio ajuda muito e, hoje, me faz falta). Portanto, re-velar seria "cuidar de novo".
Pensemos no primeiro caso. Re-velar seria esconder. Logo, indica que algo fora des-velado, ou seja, que algo fora "colocado para fora" e que precisa retirar-se de novo. No Lao Tse Tung, livro de uma das religiões indianas, há algo como "é no silêncio que as palavras falam". É escondendo-se, retirando-se, que a fala vigora e faz vigorar seu conteúdo. Fala-se, des-vela-se, e retira-se. E o ser fica claro pelo "escondimento" que faz de si.
No outor sentido, vemos o cuidado. Se pensarmos na palavra, é como se cuidássemos dela mais uma vez. Disséssemos e cuidássemos para que o sentido permaneça.
No caso de minha amiga, ela me diz: não sei, mas algo me falta.
No entanto, em momento algum ela me disse isso. É que, no retirar-se de sua fala, há um conteúdo que vai velar-se de novo. Mas eu posso, pelo próprio "escondimento", aproveitar a luz que ela lançou sobre ele. Posso pegar esse conteúdo no colo e cuidá-lo. Dar a ela todo o carinho e atenção do mundo.

Nenhum comentário: