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segunda-feira, 16 de abril de 2007

Sobre como contar histórias

Se há algo que muito me inveja é quem sabe contar História como se fosse uma simples estória, um mero caso, como se fosse o fato engraçado acontecido no final de semana na praia.

Estava voltando do 3º Juízado Especial Cível. Fui fazer companhia à minha irmã antes dela entrar para resolver um pequeno caso com o banco. Na volta, havia essa menina na rua andando com uma mulher mais velha e ela, a menina, contava para animadamente essa história para a mulher.

Imediatamente pensei: são os hormônios da adolescência fervendo o final de semana e deixando resquícios na segunda-feira. E apressei o passo para não ouvir as besteiras que imaginava serem ditas.

Foi quando ultrapassei-as e aí já era tarde demais para diminuir a velocidade sem que percebessem que eu queria mesmo era o ouvir o que contavam: "E aí o cara, puto, chamou o Estácio de Sá para ajudá-lo. Estácio de Sá, guerreiro!, veio em sua ajuda e guerreou, levando uma flechada na cara. Ficou agonizando por um mês e faleceu".

Nem sei se há veracidade histórica. Fato é que era interessante. Eu já logo comecei a imaginar os índios que habitavam aquele naco de chão do centro da cidade e um Estácio de Sá (que não era, graças ao meu bom Deus, uma grande rede de universidades) guerreiro lutando bravamente em auxílio de seu amigo.

Quando eu estava no segundo grau tive a sorte de ter bons professores de história. Teve aquela que não me lembro o nome que levou um texto de um líder de movimento de resistência na América Central e chorou imbuída pelo espírito da revolução. Teve a outra que passou "Ilha das Flores" e fez quase todos os alunos saírem cabisbaixos de sala mas também pensando em fazer algo para mudar aquilo. Mas a vencedora foi a Rosângela, professora lá de Além Paraíba.

Nunca havia visitado a Paris da Revolução Francesa tão bem quanto com ela. Eu me senti cada um dos personagens. O próprio rei. Depois um dos sans-culottes (é assim que escreve?). Depois um preso da Bastilha. Depois um mero plebeu e assim vai.

É uma dádiva contar História como se fosse estória, como se fosse essa coisa que aconteceu com a gente mesmo em algum tempo remoto que a gente nem lembra mais nem quando, nem como exatamente.

Enfim, e aí estou no trabalho ouvindo Cordel do Fogo Encantado. Não tem nada a ver com o post, mas o cara recita esse poema do Zé da Luz e diz que uma vez disseram para o poeta que para falar de amor precisava de palavras rebuscadas e um português correto (aliás, tem a ver com o resto do post sim, porque o que seria desse poema tão simples se não fosse essa breve história sobre como surgiu?). Foi então que o poeta escreveu:

Ai Se Sesse*(Zé da Luz)

Se um dia nós se gosta-se
Se um dia nós se quere-se
Se nós dois se emparea-se
Se jutim nós dois vive-se
Se jutim nós dois mora-se
Se jutim nós dois drumi-se
Se jutim nós dois morre-se
Se pro céu nós assubi-se

Mas porém se acontece-se de São Pedro não abri-se
A porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
E se eu me arrimina-se
E tu com eu insinti-se
Prá que eu me arresouve-se
E a minha faca puxa-se
E o bucho do céu fura-se
Távez que nós dois fica-se
Távez que nós dois cai-se
E o céu furado arria-se
E as virgem todas fugi-se

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