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quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Correspondência 3

Esta é a terceira de uma série de cartas encontrada às margens do rio de Águas Turvas num domingo à tarde, em uma caixa amarelada pelo tempo.
Clarice, não tendo recebido respostas de Bruno após tê-lo mandando, em um rompante de raiva, foder-se, escreve-lhe mais uma vez.
(O autor)
Águas Turvas, 02 de setembro de 1972.

Meu pequeno Bruno,
Hoje faz 15 dias desde que te escrevi pela primeira vez. Não sei de onde tirei forças para aquela primeira carta. Menos ainda sei de onde saíram tantos sentimentos confusos: raiva e amor, agora penso, andam mais próximos do que imaginamos.
Hoje faz 20 dias desde que nos falamos pela derradeira vez.
Hoje faz também 12 dias desde que mandei-te foder e sou eu quem me fodo a cada momento longe de ti, sem tua presença, sem tua palavra, sem ouvir de você notícia que seja. Dei-me conta de que a primeira carta, aquela mal-criada, foi apenas uma tentativa desesperada de fazer contato, de receber algo teu, mesmo que fosse ruim.
Teu silêncio depois de minha última carta me apavora até agora. Desculpe-me. Não quis dizer o que disse.
Agora tento desesperadamente te esquecer. Sei que fazes o mesmo nos braços da outra. Não penses que isso me chateia. Cada um usa seus artifícios para esquecer o que deseja. Mas não tenho nem ao menos garantias de que ainda tentas esquecer-me. Talvez isso tenha sido, para ti, mais fácil do que vem sendo para mim. Talvez mesmo, desnecessário.
Tuas coisas ainda estão pela casa. Por favor, me diga o que fazer de cada uma delas. Teu chinelo ainda está na mesma sacola. Hoje abri-a e estava cheio de formigas. Lavei-os penitentemente, entre jorros de água da torneira e gotas de lágrima que me rolaram pela face.
Tua roupa de banho ainda está no armário, no mesmo lugar que deixamos naquele último dia.
Acreditas? Hoje fui ao mercado e encontrei do chocolate que tu gostas! Comprei duas barras. Sei que não devia, mas comprei-as. Estão na prateleira da cozinha. Aguardam por ti ou por minha coragem em desfazer-me delas. Por enquanto, servem para que me lembre de ti a cada vez que por ali passo.


Já pensei tantas vezes em te escrever nestes poucos dias! Resisti a todas. Mas sou fraca. Por isso escrevo-te mais esta vez.

Sabe? Hoje estive lembrando do dia em que nos vimos pela primeira vez. Era como se tudo fosse um reencontro. Senti-me tão à vontade ao teu lado!

Memórias são como fotos. Espero que com o tempo, assim como as fotografias, minhas lembranças se apaguem. E tenho tanto medo: já não sei o que são lembranças do que aconteceu e o que são criações minhas na tentativa de preencher os espaços vazios do vivido. Já disse, repito: não quero esquecer-te. Devo esquecer-te. Nem sei!

Desejo-lhe muitas coisas. Desejo que o feriado próximo seja feliz. Desejo que você seja feliz, mesmo sem feriados. Desejo que consiga o que quer com o retorno para ela. Não é o que eu queria, você bem sabe, eu bem sei. Mas sabemos também que, cedo ou tarde, isso iria acontecer, pelos motivos que sejam: pequena recaída, grande necessidade e outros que agora não consigo listar.

Termino a carta sem saber ao certo o porquê de tê-la começado. Acho que era apenas para dizer mesmo que tenho saudades. Muita saudade.

A esperança, este mal, é o último a morrer. Morrem todos os sentimentos, ela permanece, resistente, teimosinha. Talvez até o amor passe antes que ela. É daí que surgem as ilusões, os platonismos. A esperança persiste... Persiste...

Guardando comigo tudo o que ainda sinto por ti,
Da tua,
Clarice

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu comentário sádico: pelo bem da literatura, eu desejaria que vc permanecesse neste estado de espírito por mais tempo, pois sua produção é superior em estado melancólico.
Por outro lado, o ser humano sofre suas dores de amor de um modo tão igual...deixa pra lá; posso ler o que já há escrito sobre o tema-que não é pouco- de outros autores...e desejar que vc saia dessa dor...
Conheço-a bem e sei que dói pra caralho...
beijo no seu coração partido...