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domingo, 17 de junho de 2007

A Solitária Dá Culpa

- Ôo, Maria! Tô bem não...
- Que foi, hômi?
- É que tô com uns aperto cá dentro - disse apontando pro peito.
- Já te disse, 'Jão'. Tu tem que ir no dotô quando ele tivé lá na cidade. Ói. Nós nem fica tão longe di lá. Tu que é um hômi leso mermo.
- Mas, muié, eu num sei que qui se passa aqui, mas duma coisa te agaranto: não é mal do peito.
- Se não é mal do peito, do que que se trata então?
- Ara! Eu que vô sabê? Só sei que é mais um incômo assim, uma coisa chaaaata.
- E o que que cê pensa? - que Maria não tinha estudo, mas sabia de Psicologia.
- Sei lá, muié. Mas que pergunta! Que é que eu penso! (risos. Um trago no cigarro de palha) Agora vai querer saber que é que eu penso tamém?
- Mas que hômi mais grosso! Até o marido da Joaquina é mais delicado...
- Por isso que é mal falado aí. 'Sas coisa de delicadeza! Vê lá se hômi nasceu pá isso.
- Mal falado?
- Ué, vai dizer que cê num sabe? Andam dizendo por aí pelas redondeza que ele tá de caso com o filho do dono da fazenda.
- Com o Marquim?
- Sei lá de Marquim, muié. Tá me estranhanu?!
- Ah! Acho melhor tu ficá é quieto que com o tempo essa dor passa.
- Que passa que nada... Me faz é lembrar... Lembrar de paim, de mainha, das coisa errada...
- Vixe, mas que dor estranha!
- Lembro das veiz que paim pedia preu ir na venda e eu imbirrava no canto da sala. Aí ele olhava pá mainha e dizia: "ô meu amô, tá vendo que eu te digo? Si menino que eu cuidei com tanto carinho não me gosta!".
- E o que é que cê fazia?
- Ué, levantava, pegava o dinheirimque eu tinha conseguido juntar roçando pasto e ia na venda comprá de tudo que sabia que faltava.
- Mas então não era mal...
- Mas tamém não era bão.
- E é essa dor que...?
- É, desde que ela veio que to tendo essas lembrança. Inhantes eu me arrecordava de nada não... Agora só vejo mainha... Mainha cozinhando seu almoço no fogão de lenha. Aquele fumacêro todo na cozinha. E aí ponhava a comida no meu prato. Ôoo coisa ruinha. Aí tinha dia que eu comia. Aí tinha dia que eu é cuspia aqueles treco tudo de vorta no prato.
- E ela?! (assustada com as revelações do marido)
- Ah! Mainha chorava. Dizia que eu não a amava, que nem o que ela fazia eu queria colocar pá dentro que era pá num tê nem um cadiquim dela comigo. Aí eu reculia tudo de novo e comia.
- Comia os cuspido tamém?
- Os cuspido era o de menos. O pior é quando ela achava que então eu tinha era gostado e enchia o prato de novo e dizia que aquele prato era pra eu mostrar que gostava de paim...
- Cruz, hômi! Tira esses pensamento triste. Por isso que fica aí, assim, no canto...
- É a dor, Maria. E aí que ela me passa pá barriga agora. Meus tistino parece que tá tudo briganu. Tu tem jornal de embrulho aí ainda, muié?
- Toma cá - entrega pedaços de jornal cuidadosamente cortados em retângulos.

- Muié, mas vem vê cá a bicha que saiu de mim!
- (vendo uma Solitária no jornal em meio à um pouco de fezes) Ai, 'Jão', que nojo! Já te disse que tu tem que ir no dotô. Oh! O nome disso aí é suzinha... Suzinha não! Solitária! E eu bem ouvi dizer que ela dá o que tu tem.
- E o que é que eu tenho?
- Culpa! Solitária dá culpa.

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