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sábado, 8 de setembro de 2007

Amor, saudade, cíúme

"Amor é sede depois de se ter bem bebido"
(Guimarães Rosa)

"A saudade mata a gente, morena, a saudade é dor pungente"
(Antônio Almeida e João de Barro)

"Mas na voz que canta tudo ainda arde/Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?/Tanta gente canta/Tanta gente cala/Tantas almas esticadas no curtume/Sobre toda estrada, sobre toda sala/Paira monstruosa/A sombra do ciúme"
(Caetano Veloso)


Era apenas o vazio a sua companhia. O vazio e a insônia, que lhe visitava apenas nos finais do dia, quando dormir era redenção. O cansaço pesava-lhe os olhos, mas não conseguia dormir: havia tanta ausência que dormir não lhe deixaria tempo para sentí-la toda. Não que não dormir fosse uma escolha deliberada, não que este sentido, o sentido do "para quê" não dormir, estivesse claro para ele, mas, sim, podemos arriscar e dizer que, apesar de dizer que não gostava da dor da ausência, não dormia para melhor sentí-la.


E, além da ausência, havia ainda outra dor: é que na cama do outro não havia vazio. Tentava contentar-se com a idéia de que não havia vazio, mas que havia ausência uma vez que ele não estava lá, mas não tinha como garantir que o outro, com sua companhia nos braços, na cama, na hora de dormir, pensava nele, nele que estava sempre tão distante no espaço.


Assim sendo, não dormia, nosso pobre rapaz. Pensava e sentia as dores provenientes do pensar. "Pensamos muito", dizia o outro às vezes, mas como não pensar nas coisas quando elas não são tão simples?


Esta já era a quarta noite consecutiva que, percebendo-se incapaz de dormir, decide levantar-se e passar a noite à janela, olhando o céu e as estrelas, imaginando que estes desciam do céu e vinham fazer-lhe companhia. Mas eram companhia que não lhe bastavam, mesmo que de fato descessem do céu: não era elas que queria. Além do mais, se bastassem, ele teria já voltado para a cama e conseguido pregar os olhos, mas ainda está ali, na janela, fitando o céu.


Ali, era como se as idéias se encaixassem. Era como se pudesse, olhando idéia por idéia, compreender as possíveis conexões, estabelecer paralelos e ir montando o quebra-cabeças do vivido. Foi assim, nesse brincar lúdico com as idéias que lhe afligiam que concluiu e disse em voz alta: "Algo deve ser feito!". A dor era muito grande para simplesmente tentar suportá-la, para ir lidando com ela repetidas vezes, todas as noites em que o outro tinha companhia, todos os finais de semana ou sempre que ambos, por algum motivo, não pudessem se falar.


Não moravam longe, contudo a distância era certamente um fator que contribuia para que as coisas ainda estivessem no pé de complicação em que estavam. Ela era certamente um dos fatores para que nosso solitário rapaz deixasse o outro livre para seguir com seu relacionamento antigo: melhor velar o amor que enterrá-lo de vez, constatando seu óbito. Mas o outro certamente diria, caso ouvisse esta frase: "Mas meu amor por este que me acompanha não morreu!".


- É que aos humanos é dada a miserável percepção da miséria como um considerável ganho, que ser miserável é melhor que nada ser - responderia nosso rapaz no ímpeto de justificar-se e defender sua idéia (que, por si só, já é defesa), apesar de saber que, de fato, o amor do outro por aquele que o acompanhava não deve mesmo ter morrido. Exatamente por isso, seria preciso, agora, fazer algo.


Por não morarem distantes, decidiu que estava a pôr um ponto final em toda sua dor, pegou a mochila por sob a cama e, nela enfiando algumas mudas de roupa, partiu para a rodoviária.


Foi no meio do caminho entre sua casa e a rodoviária que lembrou-se de que havia esquecido o principal: o instrumento que, ao fim e ao cabo, lhe extirparia a dor do peito. Assim, decidira improvisar: comprara um pequenito canivete, diminuto porém bastante afiado, num dos camelôs próximo à estação de ônibus, os olhos vidrados na lâmina e a mente planejando o futuro.


Nada mais tinha consigo a não ser o canivete, as mudas de roupa na mochila, a dor que lhe mantinha em contato com o outro e com seus propósitos e indicações parcas de onde o outro morava. Não sabia nem sequer o que ele estaria fazendo a esta hora em sua cidade, mas isso não era problema: tinha na cabeça um plano e na mochila um instrumento. Havia ainda, contudo, o mais importante: a certeza de que levaria até o fim aquilo que planejara. De que levaria até o fim e com êxito.



No ônibus, repassava as cenas, as falas... Tudo estava ensaiado já para o grande encontro.

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