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terça-feira, 4 de setembro de 2007

De:Fernando Sabino Para: Clarice

"Não acredito que você tenha chegado a um ponto de onde não possa mais sair. (...) Não acredito porque ninguém chega a ponto nenhum, Clarice, com uma entrada e uma saída. Você está simplesmente passando, como a Elianinha passou por aqui. Está sofrendo e chorando como a Elianinha, porque tomaram o seu brinquedo. E ninguém te engana com um maço de cigarro, você de repente não é criança mais. É uma fase: e você vai saber o que dizer, quando fizer uma confissão que salve tudo. Nem que seja para você mesma. É horrível mesmo ver você presa num círculo de giz. Sei que é uma fase porque você diz que interrompeu o seu trabalho, achando que é talvez para sempre. Acredito que outras vezes você já deve ter interrompido o seu trabalho achando que era para sempre. Se fosse mesmo, todo mundo perceberia, até no seu jeito de olhar, no jeito de sobrescritar um envelope. Menos você mesma. Você própria não notaria, teria "tranferido", outra coisa teria nascido em você. Mas não vejo jeito de você ter mudado. Na sua carta diz mesmo que não vê começo de uma coisa nascendo. Eu não vejo nada morrendo. O que você deve ter não é um problema, mas muitos problemas, que podem ser horríveis, mas são muitos, portanto não são você, apenas te prendem - e eu gostaria mesmo que você pudesse abrir seu coração e se libertar, Clarice. Creio muito em você, tanto quanto às vezes em mim mesmo. De repente descreio violentamente: tenho medo de nós falharmos. Tenho os meus problemas, e outras vezes é meu livro que me desespera"

Fernando Sabino para Clarice Lispector, em 3 de agosto de 1946.

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