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terça-feira, 4 de setembro de 2007

Gridin' e o amor

- Era capaz de tudo por aquele homem! Não era qualquer um. E aquele macacão, garantiu-me ela, faria toda a diferença em meu corpo e poderia, quiçá, salvaguardar alguns momentos extras de felicidade conjugal. Ouvia no trabalho e na família que, para que os problemas pretéritos não se repetissem, deveria cuidar-me. Cuidar-me, penso eu, certamente inclui vestir-me bem e disso assegurou-me – dizia ela.
Era um dia comum. Andava pelo shopping. Vendo as vitrines, lembrava-se de como não poderia viajar nestas férias por precisar economizar para a compra da casa e do carro. Tivera certos problemas ao longo do ano e o que menos queria era vê-los repetidos. Cuidaria melhor de sua vida afetiva e isso certamente incluía a idéia de uma nova casa e de um carro Sem os quais não é possível conseguir felicidade conjugal, repetiu para si mesma enquanto andava em frente às lojas.
Tudo se lhe figurou como tentação. Cada vitrine era um convite ao desbunde. A casa, lembre-se da casa, repetia mentalmente, O carro, lembre-se do carro. Ao pensamento dos dois, recordava-se do marido no trabalho e pensava O casamento, lembre-se do casamento.
Então viu o macacão e o modo como se apaixonou por ele já o sabemos por palavras dela mesma. Aquele pedaço de pano rosa com aplicações de swarovskis legítimos caberia exatamente em seu corpo e, certamente, assegurariam mais alguns momentos de felicidade ao casal. É necessário reconquistá-lo, senão de que adiantarão casa e carro?, pensou.
Entrou na loja. O preço. Vou dar uma voltinha e ver mais coisas e, não achando nada que agrade mais, volto para comprar, disse à vendedora, que já estava cansada de ouvir essa mesma frase dita por clientes que achavam que a roupa, mesmo que bonita, não é mais que pano.
Não era, contudo, este o caso de nossa personagem. A roupa, mesmo que de pano, era mais do que isso. Convencera-se de que a roupa lhe traria a tão sonhada felicidade conjugal e ela não saberia viver sem isso mais nenhum instante.
Desde nova fora criada com a idéia de que o casamento é a fonte de felicidade de uma mulher. Desde que casou-se, devotou sua vida e felicidade ao marido, sem o qual não conseguia tomar nenhuma decisão. Ao chegar em casa perguntarei a ele o que pensa sobre comprar ou não o macacão.
Decepção. Certamente ele ainda pensava na outra, porque não a motivou a comprar o macacão que garantirá a ambos a felicidade conjugal! Que tenha dormido e ficado com aquela uma não há problemas, mas negar a ambos uma possibilidade de serem felizes?!
Fora para o trabalho no dia seguinte pensando em passar pelo shopping e verificar se o macacão ainda estava na vitrine. E o fizera. E vira a beleza estonteante daquele pedaço de pano enfiado no corpo de um manequim macérrimo.
Entrou na loja. Vem cá, você acha que... E desfiou o rosário de lamentações acerca do marido e de tudo o que ocorrera. Então você pensa que com esse macacão eu consigo melhorar isso tudo, perguntou para a vendedora, que lhe assegurou que a vida dela mudaria depois de adquirir aquela peça de beleza ímpar.
Ainda assim não se convenceu. Foi para casa e ligou o televisor. Comerciais. Sua atenção fora chamada para aquele de uma loja em que a mulher entrava cabisbaixa e lembrando-se das brigas em casa (cenas mostradas em preto e branco) e saía com novas roupas e um marido muito atencioso levava-a para jantar na noite daquele mesmo dia (cenas mostradas em cores bem vivas).
A vendedora estava certa. Confiaria o que sobrara do salário do mês anterior (quantia que havia poupado para ajudar na compra da casa) à palavra da vendedora.
Voltara imediatamente à loja. Comprara o macacão e vestira-o imediatamente. Voltaria para casa já na roupa que mudaria sua vida e a de seu marido.
Nunca estivera tão ansiosa para entrar em casa e encontrar seu companheiro. No ônibus, imaginava como seria sua vida a partir de agora: colorida como no comercial.
A chave girava rapidamente e a maçaneta, por ter sido a porta aberta com força, bateu com força na parede. O marido não estava. Era comum que se atrasasse alguns minutos.
O trânsito na cidade, o chefe que demanda demais. Todos poderiam ser os motivos. Não esperava, contudo que o motivo seria aquele. A felicidade conjugal, outrora já ameaçada, ruiu-se por completa, mesmo perante o pedaço de pano rosa com cristais swarovski: ao ver a sombra do marido apontar no começo da rua já começou a sorrir pensando no impacto que ele teria ao vê-la, linda, trajando o macacão rosa e quanto mais ele se aproximava mais sorria; deixou de sorrir apenas quando viu o semblante apreensivo do cônjuge e chorou apenas quando ouviu Já não quero tentar viver a vida ao seu lado.
- Era capaz de tudo por aquele homem! Não era qualquer um. E aquele macacão, garantiu-me ela, faria toda a diferença em meu corpo e poderia, quiçá, salvaguardar alguns momentos extras de felicidade conjugal. Ouvia no trabalho e na família que, para que os problemas pretéritos não se repetissem, deveria cuidar-me. Cuidar-me, penso eu, certamente inclui vestir-me bem e disso assegurou-me esta mulher. Como pode ter me vendido a infelicidade? Por esse homem, por minha vida, faria tudo outra vez – dizia ela perante o corpo de jurados olhando as fotos do corpo estilhaçado daquela que lhe vendera o pano rosa com cristais.

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