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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Crime no Catete (parte 1)

- Não rabisca aí, moleque! – disse o pai. Estava nervoso. Os olhos esquadrinhavam cada papel pregado ao poste. Buscava naqueles pequenos papéis coloridos e enrugados pelo grude de farinha e água algum sinal de uma virada do destino.
Seriam apenas papéis com números vazios de sentido, mas não para ele. Sempre jogava. Sempre que sobrava um trocado. E sabia dos horários do Miranda, que, ciente da importância de seu negócio, não aceitava apostador qualquer. Podia ser qualquer trocado, mas apostador qualquer não jogava em sua banca. Tinha que ser da área, ou amigo de um amigo, pessoa de confiança. Vez ou outra, tendo clientela tão seleta, até sorteava um número aleatoriamente, arrevelia do resultado oficial para distribuir mais prêmios, mas isso só em datas especiais.
O menino olhou assustado para o pai. Que mal havia em escrever?! Além do mais, a professora disse que era preciso praticar... E... E, bem, era lápis e lápis pode-se sempre apagar. Assim, mesmo após a advertência do pai, acrescentou, de cara emburrada, ao lado do 2 um outro 2, do 3 um outro 3 e do 4 um outro 4, que náo se ensina nada além de copiar hoje em dia.
Percebendo que o filho lhe desobedecera, José tirara os olhos dos papéis fixados mais alto no poste e lançou a mão abaixo, dando um tapa de raspão na cabeça do menino, que estava posicionado bem em frente de sua perna, debaixo do bra;o estendido com o qual apoiava-se ao poste-afixador-de-resultados.
- Ai! Ai! Pai! – gritou o moleque.
- Isso é pra você aprender a me ouvir! Já falei que não pode riscar estes papéis! Vamo, menino, vamo embora que já tá ficando tarde.
Era já cinco e meia da tarde. Mais três horas e Miranda tirava a banca. Decerto, esta não se localizava próximo ao poste, que este tinha a única serventia de ser recebedor dos resultados mais recentes. Todas as manhãs era a mesma cena. O senhor gordo descia as escadas ao lado da farmácia com uma cadeira de praia e uma bandeja com pernas, dessas de café da manhã, nas mãos, e acenando para o Fredim Alfredo, o dono do botequim, sentava-se embaixo da árvore, ao lado da banca de jornais. E aguardava que o Menino, que trabalhava com Fredim, levasse seu café até ali. Então, bebericava o café e só então dava a banca por aberta, colocando por sobre o colo a bandeja de café da manhã e por sobre ela, os blocos e a caneta que tirava do bolso da camisa. Estava iniciado mais um dia de trabalho.
Mas agora já era cinco e quarenta da tarde e José sobe a ladeira com o filho, voltando para casa, pensando se ainda dava tempo de tomar um banho e voltar ali para apostar no jogo da noite.
Contudo, lembrando-se dos horários do bicheiro, falou para si: “É, Zezim, hoje não foi seu dia”.
O menino ainda ia de cara emburrada ao lado do pai. Ao menos, tinha um pensamento que o confortava: mais uma vez, o velho não ganhara nada naquele jogo. Entretanto, sabia que o melhor mesmo era se ganhasse. Sabia que dessa forma ia ter algo mais na janta em casa, um doce ou uma porção maior de comida, quem sabe.
***
Mas do acontecido é que ainda não tratamos. É que como era de se prever, os números do moleque, mal-escritos, à lápis, ao lado dos números oficiais do resultado vespertino, acabarm por gerar despesas maiores que as desejáveis ao Sr. Miranda. Este, agora na prisão, conta todo o acontecido quatro, cinco, dez vezes, repetidas e seguidas vezes, para quem quiser ouví-lo e para quem não quiser também, fala até sozinho o coitado, que o que importa é repassar as cenas e tentar recordar-se de cada detalhe. Era um crime perfeito, era a justiça.

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