Já pensei tantas vezes em te escrever nestes poucos dias! Resisti a todas. Mas sou fraca. Por isso escrevo-te mais esta vez.
Sabe? Hoje estive lembrando do dia em que nos vimos pela primeira vez. Era como se tudo fosse um reencontro. Senti-me tão à vontade ao teu lado!
Memórias são como fotos. Espero que com o tempo, assim como as fotografias, minhas lembranças se apaguem. E tenho tanto medo: já não sei o que são lembranças do que aconteceu e o que são criações minhas na tentativa de preencher os espaços vazios do vivido. Já disse, repito: não quero esquecer-te. Devo esquecer-te. Nem sei!
Desejo-lhe muitas coisas. Desejo que o feriado próximo seja feliz. Desejo que você seja feliz, mesmo sem feriados. Desejo que consiga o que quer com o retorno para ela. Não é o que eu queria, você bem sabe, eu bem sei. Mas sabemos também que, cedo ou tarde, isso iria acontecer, pelos motivos que sejam: pequena recaída, grande necessidade e outros que agora não consigo listar.
Termino a carta sem saber ao certo o porquê de tê-la começado. Acho que era apenas para dizer mesmo que tenho saudades. Muita saudade.
A esperança, este mal, é o último a morrer. Morrem todos os sentimentos, ela permanece, resistente, teimosinha. Talvez até o amor passe antes que ela. É daí que surgem as ilusões, os platonismos. A esperança persiste... Persiste...
Guardando comigo tudo o que ainda sinto por ti,
Da tua,
Clarice
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
Correspondência 3
Correspondência 2
Bruno,
Não sei o que te dizer...
Recebi sua carta. Quanta coisa, não?
Não se trata de cutucar onça com vara curta. Você não é onça e não há varas, nem curtas nem compridas.
Você tem razão. Não me deve explicações, justificativas, explicações... Embora - e aí não sei se percebeu - tenha feito isso em cada uma das linhas que me escreveu.
Lamento pelo estilo pobre da sua escrita. Esperei algo um pouco mais elaborado do que dezenas de palavrões a cada linha. No entanto, sigo o estilo: vá se foder!
Um abraço fraterno,
Clarice
Correspondências 1
Bruno, minha vida,
Peço desculpas se demorei a te escrever. Queria e deveria ter feito isso muito antes, quando ainda era capaz de olhar-te na cara para dizer o que deve ser dito. Não, as desculpas não são para ti. Peço desculpas a mim mesma se demorei a te escrever, que eu é que sofri calada por todo esse tempo. Que eu é que não dormi todas as noites pensando no que e como dizer. Eu é que fiquei arrumando remendos para teus farrapos de atenção, de cuidado, de afeto, numa tentativa renitente de perdoar a memória que tenho de você, tornando mais fácil a convivência com minhas próprias lembranças.
Se não escrevi antes talvez seja pelo meu apreço à dor. Talvez por minha fraqueza. E se agora escrevo é que a dor está passando. Abriu espaço para outros sentimentos que, lentamente, aparecem e me possuem por inteira, como a raiva de tua carocha vagabunda e de seu sorriso amarelo e escroto.
Foram muitas coisas, minha vida, muitas coisas e pouca consideração por tudo. Até quando, me diga, até quando pretende agir como se criança fosse? Até quando vai continuar usando suas desculpas para fingir que, na verdade, nada é responsabilidade tua quando se trata da vida dos outros? Que bom deve ser viver como um grande ermitão mesmo se estando em meio à multidão e sendo servido por ela. Que bom deve ser não ter que pensar no outro ao decidir a nossa vida! Me diga: é bom?
Por que não me procurou ao menos para dizer que estava querendo continuar sua vida sem mim? Entendo que tenha sido necessário se afastar para decidir suas confusões. E se decidiu, se preferiu voltar para quem estava com você, porque não voltou para me dizer?!
Mas imagino o que seja: seria exigir demais de você que, além de sair de sua confusão, ainda abrisse mão de suas bengalas, não?! E eu sempre aceitei apoiar o teu peso, sempre carreguei tua vida em minhas costas, tudo aceitando, tudo compreendendo. Tua vida sempre me foi um peso, um peso que eu sempre quis carregar. Mas agora, não! Agora basta!
Basta de desculpas nas entrelinhas, desculpas nunca pedidas, apenas mencionadas como uma intenção escondida, inconsciente. Penso que, na verdade, tais desculpas nem nunca existiram e foram todas criação de minha cabeça.
Sabe de uma coisa? Escrevo para que não fique o rancor. Só agora me dou conta de que já é tarde para isso.
Lembra quando me repetiu: "não temos nada. Se ao menos estivéssemos namorando, você podia me cobrar"? Naquela hora já previ o que estaria por vir. Sabia que em algum momento você cairia fora sem nada dizer e, caso eu te procurasse, me jogaria novamente estas palavras na cara. No teu jogo, todas as jogadas são planejadas de modo que você sempre saia vencedor. Sabe? Não me importa ganhar este teu jogo sujo. Do teu jogo sujo, prefiro sair limpa. Limpa, mesmo que ferida! E é assim que saio. Quero devolver-te, com esta carta, a tua sujeira. E ainda, devo dizer, ainda tenho esperanças de que saiba bem o que fazer com isto, esperança de que mude, esperança de que cresça, de que saiba usar tua sujeira para se limpar, que às vezes temos até as ferramentas, só nos falta enxergá-las. E enxergar a merda é um jeito de sair dela. Talvez, no entanto, seja otimismo demais pensar que você seja capaz de enxergar as merdas que faz, a merda que você anda fazendo questão de ser.
Pois muita coisa boa também ficou. Os amigos, por exemplo, ficaram. Tanto os meus quanto os teus. Decerto que os meus são da mesma opinião que eu, mas nunca lhe virarão a cara. Os teus, creio nunca haver dado motivos para que me ignorem e, de fato, até agora não o fizeram. Ficaram também boas lembranças: os passeios, os restaurantes, as idas frustradas ao cinema, a pele queimada e ardida por um sol de um final de sábado em que caminhamos pela cidade enquanto trocávamos palavras doces e cruas.
Tenho raiva de você agora. Mas tenho também muita saudade. Ainda te tenho amor. Menos admiração, mas ainda amor e nunca me arrependo daquela tarde, depois de termos transado, quando disse que te amava. E nem de quando, momentos depois, cantei aquela canção... Aquela nossa canção - talvez você nem nunca tenha percebido que, para mim, era nossa canção -, aquela que eu havia cantado um outra vez sem muita razão de ser mas sabendo que em algum momento viria a ter razão para ter sido cantada e que, então, seria cantada novamente.
Ainda tem coisas tuas em minha casa. Como faço para entregá-las? Preciso exorcizar cada coisa que me faça lembrar você... Só não tenho encontrado meios de exorcizar-me de mim, eu que sou tua e me faço lembrar de ti a cada novo instante. Não quero e tenho medo de te esquecer. Tenho medo que me esqueças também.
Se para ti nada disso ficou, que fique então ao menos uma certeza: de que serei tua ainda por mais algum tempo, quando você passará a ser apenas parte de um tempo guardado nos escaninhos da memória. Serei tua por ainda mais um tempo, mesmo com a raiva, mesmo com o rancor, mesmo com as dores. Aliás, tudo isso também é teu: o rancor, as raivas e as dores, bem como o carinho... As saudades... Os amores... Queria ser forte ou ser dessas que sabem dissimular e dizer que não gosto de você, que de fato nada senti por ti... Não sou assim. Nisso deve haver alguma vantagem que talvez eu descubra com o passar dos anos e que agora ainda me passa desapercebida.
Na espera de que esta lhe encontre bem e, mesmo chateada, desejando-lhe todo o bem de que sou capaz,
Da sua,
Clarice.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
De uma data feliz (depois de duas cervejas e uma garrafa inteira de espumante)
Há a fdor da gengiva, aquela dor boa, que dá um pequeno nervoso e passa. Essa dor eu sinto agora. Há dor ruim. Aquela que aperta o peito pela ausência, pela incerteza, pela incompreensão. Essa dor eu sinto há mais tempo, faz alguns dias.
Acho muito estranha toda essa coisa de natal.
Sabe que eu acho que gay dança engraçado? Gay dança engraçado.
A cidade está cheia. Sou eu só que estou vazio.
No amigo oculto de família me sinto quase um estranho e na obrigação de anunciar: tirei uma pessoa que pode não estar aqui no próximo ano... Mas aí pensei: todos se enquadram no perfil, inclusive eu. A dica não foi boa.
Queria ter alguém por perto. Um objeto pessoa que eu pudesse abraçar e que não fosse tão oral quanto as pessoas da minha família. Saí com minha tia para conversar. Acabei só ouvindo. Se passo meia hora com qualquer um, dou meia hora de colo e não recebo nem meio grama de atenção.
A tristeza aparece em cada ato. Estou inteiro em cada pequena ação. O máximo que consegui de compreensão foi um escroto "Ele está nervosinho", vindo do meu pai. Quanta compaixão!
Então é natal minha gente. É hora de calar a boca e pôr um sorriso falso no rosto e fingir que quem você gosta estará ali, para você, a hora que você precisar. Fingir que ninguém, no mundo todo, é egoísta além de você. E assim, dá até pra fazer com que o sorriso falso soe natural.
sábado, 22 de dezembro de 2007
(a ser continuado)
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Pequena Lei Geral
Segue tua vida que eu estarei contigo"
(Vinícius de Moraes)
"Podem me bater.
Podem me bater.
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião"
Lei Geral para a vida:
O que não tem __________, (palavra anterior)ado está.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
O tempo futuro e o instante
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
Insight (compreensão interna)
Outrora, num tempo deveras passado mas nunca esquecido, havia um lavrador possuidor de todas as terras da pequenita região onde morava. Não era, assim, grande feito ser dono de toda a terra, que toda a terra era pouco chão. Ali, vivia acompanhado por Baco, seu cão, numa casa modesta, de palafita, com apenas dois cômodos: o de Baco e o dele, Dubielino.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
A Sessão
- Eu sei que o certo seria eu dizer pra ele: ó, seguinte, eu não te amo mais, mas não consigo.
- Você não consegue se posicionar.
- É. Fico assim, no meio do turbilhão. Porque sei bem o que quero, mas não consigo.
- Você não vê outra solução além de ficar na situação em que está.
- Isso! Mas eu não quero ficar onde estou!
- E como sair?
- Ué, dizendo que não dá mais.
- Mas isso você não consegue. O que ainda dá para fazer?
- Acho que eu preciso mesmo é ter a certeza de que a outra pessoa gosta de mim.
- É preciso que o outro te assegure para que você, só então, possa tomar uma decisão.
- Não consigo sozinho.
- E assim vai vivendo: esperando que alguém te ajude a decidir e a se posicionar, mesmo que essa espera te cause dor.
- Isso mesmo, doutor. Eu vou vivendo assim! E dói! Dói mais ainda porque eu tenho a certeza de quem eu quero.
- Mas a certeza de quem você quer não lhe dá a certeza de que é esta é a decisão certa...
- Não! Não é isso. É a decisão certa, eu sei. Quer dizer, eu sinto que é... Mas a questão é: e como vai ficar este que está comigo? Quando penso nele, eu paro, não faço nada. Ele vai sofrer, eu acho.
- Talvez ele sofra. E enquanto ele sofre na sua idéia, você sofre aqui, agora.
- É, mas e depois? E se eu sofrer mais? Também penso assim, ó: e se eu deixo ele, fico com o outro e nada dá certo...?
- Você teme abrir mão do que já tem, já que não tem garantias de como as coisas vão vir-a-ser. Não larga o osso, mesmo não gostando tanto desse osso, tanto que sabe que não é esse que quer, e sim o outro. Mas fico pensando... O quanto de fato você gosta do outro osso...? Ou será que o que te atrai nele é exatamente o caráter de irrealização, de pura idealização que o reveste?
- Não! Sei que é ideal... Mas sei também desde sempre que o que quero é que saia desse campo. Doutor, você sabe tão bem quanto eu quase que eu, desde o começo, tento encontrar-me com ele! Sempre tentei! Ainda agora, mesmo estando com quem estou, eu tento.
- Você percebe que, mesmo com quem está, age no intuito de conseguir ter quem deseja.
- É. Eu sei que não é certo, mas... Tento todas as noites... Todas as noites penso nele, todas as manhãs também. E penso: será que se eu ligar agora ele me atende? Mas aí tenho medo e não ligo, assim como tem noites em que tenho medo de que ele esteja online no bate-papo, e que nos falemos e tudo seja bom como sempre foi e que me encontrar com quem eu estou se torne de tal maneira insuportável que eu já não seja senhor de meus impulsos e acabe terminando tudo sem nem ao menos refletir ou expor as coisas de modo que haja menos sofrimento.
- Você teme muitas coisas: teme fazer o outro sofrer, teme que o outro seja bom contigo... Não age por temer o outro. Mas para que você teme?
- (Silêncio prolongado) Não sei... Talvez eu tema por... Talvez... Bem, eu acho que eu tenho medo de fazer o que quero. Aí fico pensando nos outros. Mas é o que quero, né? Fazer o que se quer não pode ser tão errado, não é verdade, doutor?
- Mais uma vez você quer que o outro te assegure de suas escolhas: agora você quer que eu te diga se o que você escolhe é certo.
- (Riso solto. Pára de rir) É... Acho que você tem razão. Aliás, eu faço isso sempre. Vivo perguntando às minhas amigas o que fazer. Na verdade, não pergunto o que fazer... Eu apenas conto a história. Sei que elas vão dar opinião em algum momento. Elas acham que eu devo ficar com quem estou mesmo. Ele é uma boa pessoa.
- Mas parece que ser uma boa pessoa não tem bastado pra você.
- É... Nunca bastou. Eu sei que fiquei com ele pra evitar entrar em contato com o fato de que o outro me era impossível naquele momento.
- E agora que o outro está aberto pra você, é impossível fugir e não encarar esta possibilidade: a de que vocês fiquem juntos.
- É. É impossível.
- Pois bem... Impossível é agora continuarmos aqui, nesta sala. Seu tempo terminou. Mas há muito tempo lá fora, onde é possível realizar muitas coisas.
- Verdade... É isso que tanto me assusta.
- E ainda assim é para essa realidade que te assusta que você acorda todos os dias. Nos vemos semana que vem.
(E despedem-se)
A propriedade do amor
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
O Re-petição não morreu. Só está na rua, vivendo. Depois ele conta tudo... Andava sem assunto, o pobre. Decidi deixá-lo ter mais experiências para contar. E aí, quando ele tiver, vem pra cá e deixa tudo escritinho.
O texto que acabei de postar é meio antigo. Tem muita coisa sendo escrita à moda antiga por agora. Falta tempo no trabalho, que é onde eu costumava postar os contos e criá-los. Enfim, conforme der tempo e conforme for julgando importante postar, aí vou fazendo isso.
Enfim, nem muitos andam visitando o blog. Só achei que devia algo assim para aqueles que persistem rs.
Bjs
A impaciência e o medo
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
O desfalecimento de Clarice
A solidão de Clarice não nos importa porque não importa à Clarice. Já acostumou-se a ser só. Pergunta-se, inclusive, as vezes, como seria se tivesse que dividir a vida com alguém: talvez tivesse dificuldade de acostumar-se com outra presença além da dela; talvez tivesse dificuldade de aceitar que o modo como vivera maior parte de sua vida até agora é que era realmente insatisfatório. Mas para esta segunda opção, pensaria Clarice certamente que como o que não tem remédio, remediado está, quem não conhece a presença de outro, acompanhado está, e assim não poderia reclamar de ter passado uma vida em insatisfação. No máximo, poderia dizer que "teria sido bom se..." e isso de nada adiantaria.
O que nos importa, contudo, é o fato de que a solidão de Clarice restringe-se à pequenez de seu apartamento. Fora dali, já não é mais só. Por vezes nem ali. A ausência é uma presença que faz doer o peito. Vezes há em que, mesmo presente, a pessoa que agora faz com que a solidão de Clarice restrinja-se ao apartamento dela não a toca de modo tão profundo quanto esta dor da ausência. Será que Clarice anda a preferir a dor à concretude do amor? Difícil... Muito difícil que seja isso, mas também pode ser.
Minutos depois ela acordará. Não comera nada antes de dormir, a despeito dos pedidos dos mais próximos, que andam vendo como ela vem se alimentando mal nos últimos tempos. Penso que seja esse o motivo do desmaio. Quero falar de Clarice, este corpo em pulsante falta de vida. Falar de Clarice como Clarice, quem me dera! Imagino se pensa, mesmo sem consciência. Se pensa, no que pensa?
Ela o vê a sua frente. Toca-lhe leve e suavemente os lábios macios. Ergue sua mão direita e deixa que ela escorregue por trás do ouvido dele. Sente os primeiros fios de cabelo da nuca. Puxa-o, a mão na nuca, para mais perto de seu corpo. E sussurra-lhe então no ouvido: ajuda-me tu!
Não! Ela nada vê a sua frente. Apenas enxerga o escuro de sua própria existência. Clarice não é só, porque não pode ser nada ao ser o que ela é. Clarice sofre de um mal: existe. É isso que enxerga: sua existência, o escuro.
Qual nada! Se ela pensa em algo, se vê algo no estado em que está, decerto é ele. Mas provavelmente não termina sua aproximação com uma frase como "ajuda-me tu". Clarice seria mais ousada e diria: entre para minha vida. E não seria isso também um pedido de ajuda?
Como corre o nosso tempo! Mesmo tendo escrito tão poucas linhas, o tempo que era presente já é passado. Preciso encerrar o testemunho de Clarice. Sou a testemunha dela, desta que já se encontra debaixo do chuveiro, o banho frio para tentar recobrar os sentidos perdidos pelo desmaio. Veja como corre o tempo! Veja como deixo-me distrair pensando no que pode ser que seja, sem ver o que de fato é.
Por isso digo: pode ser que Clarice saia limpa do banho, mas o fato é que agora ela está molhada. E pode ser que Clarice venha a se arrepender da solidão em seu apartamento, mas o fato é que ela não é mais só fora dele, porque tem a companhia de um homem. Pode ser que ela seja feliz com ele, mas o fato é que, por tê-lo, já o é.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
A felicidade
Há felicidades que são como um aperto. Um bom aperto no peito. Era isto que sentia a cada vez que olhava para o passado, que retrospectivamente revia o final de semana. Sentia-se feliz e, ao mesmo tempo, alguma coisa lhe apertava o peito: era a saudade, esta que sempre acompanha os bons momentos.
Havia uma certa tensão: como serão as coisas de agora em diante? Mas havia também a certeza de que agora era isso que queria. Certezas são necessárias a uma realização. Passaria o dia então em frente ao computador buscando soluções práticas para que tudo pudesse se viabilizar: um outro encontro, e mais outro e outro. Infinitos encontros e reencontros, reedição de um primeiro, por demais significativo.
Pensava em como queria que o dia terminasse e logo chegasse a noite. Queria estar com ele novamente. Mesmo sem falar com ele ao longo do dia, sentia-o presente, mas queria poder tê-lo mais perto, mesmo que distante. Vê-lo, mesmo que pela tela fria de um monitor.
A felicidade e a saudade, de um hora para outra, faziam parte de sua vida.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
O atraso
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Do existir do bobo
Neste tempo, havia o bobo que, como qualquer bobo, ficava a zanzar por aí, sem rumo. Seu único projeto era fazer de si o que era a todo momento: um bobo, e seguia negando dentro em si a necessidade premente de calar-se, recolher-se e pensar sobre cada coisa que poderia lhe afligir. Mas as coisas só lhe afligiriam caso, exatamente, parasse, se calasse, se recolhesse... Só assim tais coisas lhe apareceriam à consciência em seu pleno vigor.
Por ser esse um processo doloroso, contudo, o bobo decidiu fingir que não via o que via. Não é que não saiba que sabe, ele sabe que sabe, mas finge que não sabe. E assim vive. Vive ou viveu, que os tempos verbais todos misturados na história do bobo servem para falar da besteira de crer que, através das palavras, seria capaz de esconder-se de si e dos outros.
E foi assim que morreu: bobo, sem nunca ter pensado que, na vida, poderia ter sido outra coisa.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
O dedo mindinho
Mas enfim, estava lá eu, trepada nele. Nada ainda. O sexo ainda iria demorar. Não muito, mas levaria mais uns cinco minutos, que é o tempo que leva com caras como o Léo. Aí ele pediu:
- Me chupa.
Eu olhei com aquela cara de "agora descubro como é" e desço a minha cabeça. E me deparo com meu dedo mindinho. Não o verdadeiro. É que o pau do Léo é do tamanho do meu dedo mindinho!
Começo a chupar aquela coisa finésima. Ele visivelmente estava em êxtase. Duvido muito que tenha encontrado mulheres dispostas a fazer o que eu estava fazendo aquele momento. Tem que gostar muito de um gordinho para fazer aquilo. Ou tem que se gostar muito pouco.
E aí foi quando o tal pensamento me invadiu, doutor. Como que pensamento?! Te falei no começo da sessão! A idéia de que eu sabia quando ia morrer e não ia demorar. Eu tinha mais uns dois anos de vida. E pensava: sempre falei com minhas amigas que eu morreria antes dos trinta.
Ainda falta muito pros meus trinta e faltava só dois anos pra eu morrer. Fiquei louca! Eu, com tanto pouco tempo de vida e ali, chupando meu dedo mindinho!
O que fiz? Ué, aí fechei o olho bem forte quando estava ainda chupando o Leozinho. Bem forte mesmo. E comecei a repetir na minha cabeça: acorda, Lorena! Acorda, Lorena! Acorda, Lorena!
E acordei!
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Livro de Receitas - Como se assustar e querer sair correndo em sete passos simplérrimos!
2 - Ao chegar no lugar que você nunca esteve antes, olhe ao redor. Salpique 0,5L de perspicácia em seu cérebro e tente perceber se as pessoas que estão ali são de fato diferentes das que você costuma sair... Quer uma dica? Se nenhuma de atrair assim, de cara, é porque você está no caminho certo!
3 - Apesar de não ter se sentido atraído por nenhuma das pessoas dali de cara, use 2 dentes de coragem e insista com seus amigos, que a esta hora já terão dado meia-volta suplicando para ir para a festa gótica ou para o baile funk, entre e sente-se em alguma mesa, encoste-se em algum balcão... Enfim, seja persistente e fique por lá, mesmo que esteja se sentindo um tanto quanto desconfortável.
4 - Escolha o alvo. Olhe para ele. Encare-o. Se tiver oportunidade, diga "oi" e saia andando. Espere novamente. Em algum momento ele virá.
5 - Ele veio? Trate-o super-bem, como você só trata os filhos dos outros, o cachorro dos outros, o namorado dos outros. Enfim, demonstre interesse. Como sabemos que essa é uma tarefa difícil, porque você não está acostumado com pessoas normais, carinhosas etc. e sim com "aquele tipinho" de gente que você sempre sai, vai aqui uma dica: pincele com um pouco de fantasia aquilo tudo e imagine que ele, na verdade, é o príncipe encantado, a arca perdida ou qualquer outra coisa que você julgue ser muito valiosa (não vale pensar em nenhum MC ou DJ!)
6 - Por fim, leve-o para sua casa ou vá para a dele. Com o passar dos dias, cozinhe para ele. Continue tratando-o bem que em três dias você vai ouvir o que você nunca ouviu em três anos de namoro. No começo vai soar estranho, mas com o tempo você vai até poder acreditar que está se acostumando com ele dizendo: "gosto de você", "te amo" e "você é muito importante para mim".
7 - Pronto. Agora é só colocar isso no forno e esperar que dentro de uma semana você já vai estar no ponto, querendo correr que nem um louco e achando que o outro é um ET.
Observação: se algum amigo seu mais engraçadinho e metido a inteligente disser que você não sabe ser amado e que precisa de terapia, não caia nessa. Saudável é quem sabe ser feliz e você se diverte muitíssimo depois de ter bebido meia garrafa de vodka no pagodinho de domingo, não é verdade?
terça-feira, 9 de outubro de 2007
O misterioso caso das portas
Da soberba
- Oi - respondeu em tom pouco amistoso.
- Por que você está trabalhando com a porta fechada?
- Porque as pessoas simplesmente não respeitam meu espaço... Usam a porra da sala como se fosse de reunião, quando não é mais. E ficam aqui na minha frente berrando como se eu não existisse!
Visivelmente assustada com a resposta, ruboriza-se e diz:
- Ah, tá.
- Posso te ajudar?
- Ah... Não... É que... Bem, eu precisava usar a sala.
...........................................................
- (risos) Olha, sabe aquele e-mail que te passaram?
- Sim...
- Pois é claro que eu preciso que você faça o mesmo...
- Mas lembra que eu te passei o e-mail ontem? Era pra você ver o que precisava ser feito... E agora bem assim, em tom de cobrança?!
- Olha, preciso pra hoje...
- Vem cá... QUanto você ganha?
- Que é que tem?
- Não... É só que às vezes fico me perguntando: quanto você ganha pra fazer o que eu faço?!
..................................................................
- Por favor, naquele relatório... Faltou uma área...
- Faltou uma área ou você disse que não precisava?
- Eu disse que não precisava, eu sei... Mas agora precisa e você não fez.
- Eu não fiz porque não precisava. Ou agora proatividade virou sinônimo de vidência?
..................................................................
Ainda no mesmo dia:
- Ai, desculpa, to usando sua sala... É uma reunião breve, mas se você quiser, pode entrar.
- Ah! Tá... se eu quiser eu posso até trabalhar... Entendo.
- (Risos amarelos) É que precisaram da outra sala e me disseram que eu poderia usar essa aqui.
- Sim, disseram que poderia usar a sala de reunião que não é mais de reunião. Engraçado! Veja só! E agora me parece que isso aqui É uma reunião...
E o silêncio reina.
Gente, alguém sabe de vaga de estágio?
terça-feira, 25 de setembro de 2007
Olfodor e o sentir
Ó, não conheço bem o tal do Olfodor. Mas até simpatizo. Domingo por exemplo ele descobriu que mais que ama as amigas. Ele não consegue viver sem elas. AH! Não só as amigas, tem os amigos também. Mas é que elas são mais próximas...
Hoje, por exemplo, teve outra do Olfodor (prometo que é a última): ele reencontrou Lucas depois dum final de semana. Lucas tava meio chata, sabe? Mas é normal. Tem dias que Lucas não está nem para Lucas mesmo. Mas sentiu assim, um calorzinho no peito... É que ele sabia que mesmo de maré ruim, Lucas ia estar ali. Mais Lucas do que todos os outros (e, não, não é chantagem emocional e nem adianta, Lucas, se preocupar achando que não é boa amiga. Vá pro diabo com essas auto-cobranças tolas!).
Mas é isso, minha gente, Olfodor sente. Rola confusão na cabeça dele, mas o que importa é que ele sente!
sábado, 22 de setembro de 2007
Pelo Tempo que Durar
(Adriana Calcanhotto, Marisa Monte)
Nada vai permanecer
No estado em que está
Eu só penso em ver você
Eu só quero te encontrar
Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar
Coisas a se transformar
Para desaparecer
E eu pensando em ficar
A vida a te transcorrer
E eu pensando em passar
Pela vida com você
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
O mais que perfeito
Contigo agora
Para um horizonte firme
(comum embora...)
Ah, quem me dera ir-me!!
Ah, quem me dera amar-te
Sem mais ciúmes
De alguém em algum lugar
Que não presumes...
Ah, quem me dera amar-te
Ah, quem me dera ver-te
Sempre a meu lado
Sem precisar dizer-te
Jamais : cuidado...
Ah, quem me dera ver-te
Ah, quem me dera ter-te
Como um lugar
Plantado num chão verde
Para eu morar-te
Morar-te até morrer-te...
(Vinicius de Morais)
Repetida no re-petição?
Último Romance - Los Hermanos
Eu encontrei-a quando não quis
Mais procurar o meu amor
E quanto levou foi pra eu merecer
Antes de um mês
Eu já não sei
E até quem me vê
Lendo jornal
Na fila do pão
Sabe que eu te encontrei
E ninguem dirá
Que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor
A gente é quem sabe, pequena
Ah vai!Me diz o que é o sufoco
Que eu te mostro alguém
Afim de te acompanhar
E se o caso for de ir à praia
Eu levo essa casa numa sacola
Eu encontrei-a e quis duvidar
Tanto clichê
Deve não ser
Você me falou
Pra eu não me preocupar
Ter fé e ver coragem no amor
E só de te ver
Eu penso em trocar
A minha TV num jeito de te levar
A qualquer lugar que você queira
E ir onde o vento for
Que pra nós dois
Sair de casa já é se aventurar
Ah vai!Me diz o que é o sossego
Que eu te mostro alguém
Afim de te acompanhar
E se o tempo for te levar
Eu sigo essa hora
Pego carona
Pra te acompanhar
Volver
Volver (Voltar)
Eu pressinto as piscadas
das luzes que ao longe
vão marcando minha volta.
São as mesmas que alumiaram
com seus pálidos reflexos
fundas horas de dor.
E ainda que não queira o regresso
sempre se volta ao primeiro amor.
A velha rua onde o eco disse
"Tua é sua vida, teu é seu querer",
sob o olhar zombador das estrelas
que com indiferença
hoje me vêem voltar.
Voltar...
com a testa vagando,
as neves do tempo
pratearam minha têmpora
Sentir...
que é um sopro a vida,
que vinte anos não são nada,
que febril a olhada
errante na sombra
te procura e te nomeia.
Viver...
com o alma aferrada
a uma doce recordação
que choro outra vez
Tenho medo do encontro
com o passado que volta
a enfrentar-se com minha vida...
Tenho medo das noites
que povoadas de recordações
encadeiam meu sonhar...
Mas o viajante que foge
tarde ou cedo detém seu andar...
E ainda que o esquecimento, que tudo destrói,
tenha matado minha velha ilusão,
guardo escondida uma esperança humilde
que é toda a fortuna de meu coração.
Voltar...
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Cold Water - Damien Rice
Cold water - Damien Rice
Cold, cold water
surrounds me now
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
Love one's daughter
Allow me that
And I can't let go of your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
Don't you know I love you
And I always have
Halleluijah
Cold, cold water surrounds me now
And all I've got is your hand
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Lord, can you hear me now?
Or am I lost?
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Do ato de escrever
É como Lili escreveu em seu blog uma vez (e de um modo, digamos, muito tímido, porque sei o quanto ela hesitou em publicar o texto que aqui cito):
Das coisas que existem e das que nunca vimos.
Então tem o mundo né?
E tem...as coisas físicas e todas as outras, que estão infinitamente em maior quantidade, mas não em volume.
Tem as pessoas, tem os animais, tem as plantas,e aí cabem as flores, as frutas, as raízes, as copas, as folhas e todo o resto, tem...os livros, tem...as artes e aí são muitas também: Pintura, escultura, poesia, literatura, dança, teatro, ai tanta coisa, e tem...comida, e diversas formas de prepará-la e serví-la, e comida aliás é assunto que não acaba porque se faz com tudo isso aí em cima...menos pessoas...quer dizer, sim e não. Envolve pessoas.
Tem as casas. Por dentro e por fora.
Tem os lugares. Abertos e fechados. Que já existiam, modificados e feitos todos a mão.
Tem o som, tem o cheiro, tem o gosto, tem o tato, tem o que se vê e o que não se vê também. Tem irmão e uma vez ele me perguntou porque quando fechamos os olhos ou quando está muito escuro mesmo ficamos vendo coisas. Eu ri, e disse que só ele era assim. Ele ficou revoltado e não acreditou. Então disse que era assim mesmo, que todo mundo era assim, que eu não sabia explicar mas que era alguma razão neurológica destas que envolvem descargas elétricas e químicas e ele ficou satisfeito.
Tem água. De todo tipo, de mar, de pia e de rio. E tem todas as criaturas que vivem nas águas, inclusive às que inventamos, e outras que desconfiamos que existem mas dizem que é lenda então ficamos quietos.
Não ficamos?
Há no mundo escritores e escritores também.
Sartre, em "O que é a Literatura", defende a idéia de uma Literatura Engajada, dizendo, por exemplo, que um dos pilares da produção literária é "para quem se escreve?"... Pois é... Acho que escrevemos para poucos. Por sorte, escrevo para meus amigos, para as pessoas que gosto, para alguns que vêm aqui e lêem (Guida, obrigado pelo comentário - nem sei se Guida voltará aqui um dia, nem sei como ela chegou aqui, mas fico muito feliz e grato),para aqueles que se deixam sentir apesar da pobreza literária que, muitas das vezes, meu texto tem.
Danem-se os críticos. Danem-se as críticas (bem-vindos os comentários, mesmo que com críticas, claro. Falo aqui de uma crítica ferina, despropositada, fria, calculante).
Escrevo, sobretudo, para mim.
Crime no Catete (parte 1)
- Isso é pra você aprender a me ouvir! Já falei que não pode riscar estes papéis! Vamo, menino, vamo embora que já tá ficando tarde.
O menino ainda ia de cara emburrada ao lado do pai. Ao menos, tinha um pensamento que o confortava: mais uma vez, o velho não ganhara nada naquele jogo. Entretanto, sabia que o melhor mesmo era se ganhasse. Sabia que dessa forma ia ter algo mais na janta em casa, um doce ou uma porção maior de comida, quem sabe.
domingo, 16 de setembro de 2007
Amor, saudade, ciúme (The final Cut)
Concordo, calo-me.
- Mas que idéia mais disparatada - falou baixinho, apenas para si.
Amor, saudade, ciúme (parte III)
Metrô em cidade grande é sempre uma multidão, todos aqueles corpos estranhos se esbarrando. Por vezes, sentia-se mesmo violado. O toque da corpulência estranha que o outro era lhe incomodava.
A mochila nas costas complicava mais ainda as coisas. Havia de ter ali espaço para ambos: para ele e para sua única companhia naquela cidade. Nela, mudas de roupa e o canivete, memória indelével de uma percepção súbita de que algo deveria ser feito; nele, a ansiedade e o medo.
Conseguira dormir na estrada. De nada adiantaria imaginar e repassar a cena do encontro. E conseguiu deixar-se dormir, o sol na cara e o ar viciado e frio do ônibus. Sempre preferira o vento no rosto, bagunçando-lhe os cabelos, que o ar condicionado e vidros fechados.
No metrô também não havia muita escolha. O ar entrava pelas frestas no teto e pelas diminutas vidraças abertas. Ao menos, não era gelado.
Subitamente um pensamento invadiu-lhe as idéias claras e organizadas e já não era possível parar, pegar o caderno e tentar organizar cada coisa que pensava. Não havia espaço naquele vagão para isso. ALém do mais, já havia feito isso no caminho entre sua cidade e a cidade do outro, sem muito êxito. Sentia falta das estrelas e do céu escuro, de sua janela e de sua insônia.
Só mais duas estações e precisaria trocar de composição. Era distante o bairro do rapaz. Três linhas de metrô diferentes. Já estava na segunda agora. Mesmo próximo, ainda temia. O caminho era desconhecido. E ainda aquele pensamento, desconsertando-lhe as idéias: "E se não encontrar a casa dele? Ou e se encontrar e ele não estiver em casa?".
O melhor talvez seria resignar-se e dar tudo como resolvido, retornando com sua companheira para sua cidade, tentando convencer-se de que o destino, a casualidade, é um bom solucionador. No entanto, e o que fazer de toda a coragem, de toda a determinação e vontade de resolver tudo e, ao fim e ao cabo, por intermédio do instrumento adquirido no camelô próximo à estação de ônibus, obter o êxito esperado em seu empreendimento?
O medo é terra fértil. E se nada saísse conforme o planejado?, começara a pensar. E se encontrasse a casa do rapaz, se encontrasse o rapaz em casa e, mesmo assim, havendo planejado e ensaiado diversas vezes cada palavra e movimento, e se ainda assim nada saísse conforme o esperado?
Um bom caminho seria buscar, em meio ao ar bolorento e de todos os corpos em contato no metrô, um sinal que lhe desse alguma direção, qualquer que fosse ela. Bastava ser capaz de aceitá-la, de ouvir o sinal ou de vê-lo e, abnegando qualquer decisão anterior, seguir o rumo indicado.
Começou então a atentar para cada pessoa e barulho no vagão. Esqueceu-se, contudo, de atentar primeiramente para o fato óbvio de que sinais nem sempre são claros. São símbolos estes sinais que ele procura, símbolos aos quais compete apenas ao expectador dotar de significados. Assim, acabará por dotar o sinal recebido com o significado que mais bem lhe servir, sem deixar que o real significado venha realmente ao seu encontro.
Foi assim que, na estação Centro, percebeu um rapaz embarcando. Este, havendo parado próximo a porta, com um movimento de cabeça, iniciou um choro doloroso e silente. Era um rapaz pequeno, pele morena, cabelos escuros e curtos, deveria ter cerca de 20 anos, e estava chorando no metrô, as mãos agora por sobre os olhos para esconder as lágrimas. Súbito, enxugou as lágrimas, respirou profundamente e pegou o celular no bolso da bermuda. Não era possível, em meio às vozes dos estranhos no vãgão, ouvir as palavras ditas, mas havia certa dor na expressão, certa tristeza. Seria este o sinal?
- Se não voltar para casa, se não desistir de meu empreendimento, passando por cima de meu orgulho bobo, sou eu que voltarei chorando. Serei eu quem estará com o celular em punho, chorando meus problemas com algum amigo que, a esta altura, ainda estará distante, em minha cidade.
Aguardou ansiosamente pela próxima estação. Era nela que pegaria a linha que o levaria até a casa do rapaz. Mas já havia tomado sua decisão: tomaria o mesmo trem, quando este estivesse retornando. Iria para a rodoviária e voltaria para onde, desde sempre, deveria ter ficado.
sábado, 15 de setembro de 2007
Na pizzaria
O amor e a eternidade
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
O ridículo jogo do gostar
Andava por uma rua estreita e, a medida que caminhava, a medida que avançava a passos rápidos, respiração ofegante, a rua se estreitava cada vez mais.
PS.: Texto escrito em às 11h29m do dia 14/08.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Amor, saudade, ciúme (continuação I)
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de irvendo tudo.
Mesmo a ausência dela é um coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualuqer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio"
Alberto Caeiro- Heterônimo de Fernando Pessoa
Pela janela vejo um moleque olhando para uma árvore pela tela de seu celular. Não olha com os olhos. Os olhos olham a tela do celular. E meus olhos vêem através da janela. Todos os contatos do mundo são atrapalhados, nada é como é, nada é puro. Queria viver a pureza das coisas, mas estas nunca me são dadas. Ao lado do moleque, o velhote, que, este sim, olha a árvore em sua pureza, também não vê a árvore, mas vê o orgulho que tem do neto que, pequeno, já sabe utilizar a câmera fotográfica do celular comprado em 12 vezes sem juros numa dessas grandes lojas de departamento, na cidade grande.
Moram no meio do nada, estes dois. Ao menos, trabalham no meio do nada. Cuidam dessa barraquita de mangas na beira da estrada. Não sei que estrada. Foi tudo apenas um ímpeto e não posso ainda dizer que me arrependo. O arrependimento talvez venha mais tarde, depois que todos os atos tiverem se consumado. Mas quando poderei dizer que terminei?
Parto por essa estrada. O meu caderno me valhe. Precisava escrever para organizar as idéias que, danaditas, se desorganizam sempre novamente. Foi num momento de iluminação que me dei conta: "é preciso fazer algo" e parti. As estrelas e o céu, a noite, foram minhas testemunhas. Gosto de ficar da janela a noite deixando os pensamentos terem paz. E de que me serve a paz do pensamento? Neste ônibus, busco, no ponto de chegada, a minha paz.
Olho a mochila na poltrona ao meu lado. A velhota na poltrona 47 já adormeceu. Uma velha escarrenta, de cara murcha e feições duras. Não quero envelhecer com marcas do meu sofrimento. A velhice não é redenção. A velhice é a marca da vida e os velhos, como uma grande tela em que a vida segue impressa. Tenho asco de olhar esta tela tão... Funesta. Eles fedem a mortos.
Mas nem o cheiro de morte que vem da poltrona 47, nem o molecote com o celular a beira da estrada e seu avô, me tiram da cabeça a dor e a idéia: a esta hora, ele deita-se com outro.
- Pois vim ver-te - direi.
- Vem cá, endoideceu? - ele irá responder.
- Quem é este cara? - perguntará o outro.
E a cena toda vai começar assim. Um toque de campainha, a porta se abre para mim, subo as escadas do prédio lentamente, porque a ansiedade não caberá no elevador, e entro no apartamento e a conversa se inicia. Se inicia e prossegue com volteamento lógicos e trocas de farpas. Falarei sobre o amor e ele, sobre a abnegação. O outro, gritando que fora traído a todo o tempo. Ele tentando explicar-se. Eu vendo tudo em chamas e sentindo o meu próprio peito esbrasear-se.
- Não vê?!!! Você não deveria ter vindo! - gritará ele comigo.
- Destrui seu mundo cor de rosa? - responderei ironicamente - Querido, não era esta a intenção. Queria apenas resolver tudo. Tenho raiva deste que te acompanha! É com ele que me trai.
- Não! Não invertam o jogo! Eu sou o grande traído! - dirá o outro. - Como puderam?! Como chegaram a isso?! E eu, sem nem ao menos perceber!
- Querido...
- Como assim "Querido"? - direi eu - Quero que decida!
- Decido por ele!
- Sempre abrindo mão do que realmente deseja - dirá o outro.
- Pára! Como assim? Não me quer? - dirá ele.
- Quero, mas é claro que você não me deseja mais como antes. É este que você quer! Este que invadiu nosso quarto e nossa vida - e aponta para mim.
Abrirei então a mochila. Pegarei o canivete... Não... O canivete já não será mais necessário quando eu tiver já morrido por dentro.
sábado, 8 de setembro de 2007
Amor, saudade, cíúme
No ônibus, repassava as cenas, as falas... Tudo estava ensaiado já para o grande encontro.